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Zeno Veloso fala sobre inovações e perspectivas no Código Civil

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Ontem (31) à noite, a Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB-PA encerrou com ‘chave de ouro’ o Seminário em comemoração aos 10 anos de vigência do Código Civil e 25 anos de promulgação da Constituição Federal. O quarto dia do evento foi iniciado com a palestra “Alimentos gravídicos: um direito constitucional do nascituro”, ministrada pela Dra. Nelas Sales Pinheiro.

No final, os advogados que participaram do seminário foram agraciados com a palestra “Sucessões: inovações e perspectivas”, proferida pelo conceituado jurista paraense Zeno Veloso, que é professor de Direito Civil e Constitucional, Notório Saber pela UFPA e Doutor Honoris Causa da Unama,

Ao longo de sua bem sucedida carreira, Zeno Veloso participou da Comissão de Juristas presidida pelo Dr. Silvio Rodrigues, que redigiu o Anteprojeto das Leis de Famílias e Sucessões, e integrou o grupo de professores que assessorou o deputado Ricardo Fiúza, relator-geral do Projeto de Código Civil, na fase final de tramitação na Câmara dos Deputados.

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Antes de iniciar sua palestra, no auditório Octávio Mendonça, na sede da OAB, o jurista Zeno Veloso concedeu uma entrevista. Convicto e sereno, o jurista elogiou a realização do seminário por parte da seccional da OAB no Pará e fez algumas considerações a respeito do Código Civil. Confira!

 

O que o senhor achou da iniciativa da OAB do Pará de promover um seminário para debater os 10 anos de vigência do Código Civil?

Eu acho muito boa, pioneira e singular. Eu tenho colegas do meio acadêmico que tiveram notícias desse evento e estão impressionados com essa primazia, mostrando que o Pará realmente tem conteúdo jurídico muito importante. É algo notável. Eu me sinto orgulhoso, como paraense, como professor de Direito, em verificar que na minha ‘terra querida’, a OAB do Pará tomou esse gesto pioneiro de fazer essa homenagem.

Nesses 10 anos de vigência, qual o tema o senhor considera que mais repercutiu?

O Código civil traz muitas novidades sobre vários pontos. O pacto geral, que foi elaborado pelo professor José Carlos Moreira Alves. Há muito avanços em temas de nulidade e anulabilidade; contrato; princípio da boa fé, uma questão muito nova, muito avançada. Propriedade, uma nova configuração da posse. O que tem sido mais trabalhado nesses dez anos - com avanços e retrocesso em alguns pontos e precisando muito se definir melhor para o futuro - é a questão relativa ao Direito das Sucessões, onde há ainda pesadas e profundas dúvidas”.

No Direito de Família, havia uma questão ainda controvertida, que era ver a separação e o divórcio. Mas com a emenda 66, acabou o divórcio acabou sendo facilitado - que se não revogou a separação judicial, na prática, ela está revogada. Desde que saiu a emenda do divórcio, quase ninguém mais me procurou para fazer separação judicial. Apenas duas pessoas em procuraram. O único requisito para se divorciar no Brasil é ser casado e ter a certidão de casamento. A emenda 66 está revogada pelos fatos, pela vida, pela experiência. Ninguém está usando mais. Era um ponto controvertido no Código, mas a nova legislação trouxe esse avanço e acabou a discussão.

Quais pontos podem ser destacados? E quais pontos ainda podem ser tratados?

O código não é um caleidoscópio, um documento para experiências, como se fosse um laboratório de química. De um modo geral, o Código é um documento conservador. Ele tem que apanhar o que está no contexto social e teorizar, colocar isso por escrito. O legislador não inventa, ela não cria coisa nenhuma. Ele apanha o que está no meio social e reproduz, que se transforma em projeto de lei com a sanção.

O Código, por exemplo, não tratou de uniões homoafetivas, não tratou de casamento de pessoas do mesmo sexo, não tratou de alimentos gravídicos, não tratou de indenização por abandono afetivo, não tratou da questão de guarda compartilhada. Mas tudo isso que eu falei - e muito mais ainda - já foi objeto ou de lei ou de avanço jurisprudencial, sem que o Código atrapalhasse que isso acontecesse. Ao contrário, o Código viabilizou que isso acontecesse, porque é um código, especialmente, de clausulas abertas. Essa é uma das características desse código. Ele não fechou, não é hermético. Ele abriu espaço para essa construção, pra esse avanço, para uma interpretação progressista com ele ao lado. Não houve necessidade de revogar nada do Código Civil para que os avanços ocorressem.

Qual o avanço pode ser considerado mais relevante?

O avanço dos avanços - eu diria - é no que tange às uniões homoafetivas, por que é um fato social e indiscutível. E o avanço não veio pelo legislador, veio pelo juiz. Foi o juiz que deu solução para muita coisa no Brasil. Antes de haver união estável, era o juiz que reconhecia direitos às mulheres que viviam em concubinato. Depois foi o juiz que regulou essas questões da homoafetividade. Foi o juiz que começou a dar direitos aos filhos que não eram matrimoniais, que sempre foram prejudicados, perseguidos, numa desigualdade terrível. Então, esse avanço no sentido de reconhecer um fato. Ninguém inventou a relação “homosexual”, ela existe. Só que o legislador não reconhecia O Brasil foi um dos últimos países do mundo a extinguir a escravidão. Foi um dos últimos países a promover o divórcio, havia uma insolubilidade do matrimônio. E agora é um dos últimos países do mundo civilizado a regular - que até hoje não fez - as uniões homoafetivas.

Quais soluções e perspectivas podem ser suscitadas em relação ao Código Civil?

Eu sou uma pessoa que se dá bem com o Código. Eu não faço parte dos que combatem gratuitamente o Código Civil, embora, talvez, as páginas mais veementes contra o código, algumas delas fui eu que escrevi, sobretudo, no que se refere ao tratamento da sucessão entre companheiros. A palavra mais leve que eu uso é absurdo, inconseqüente, desigual, reacionário, fascista. É o artigo 1.790 do Código Civil. Acho que pode-se fazer uma alteração fundamentalmente. Já está se tentando. Eu mesmo já ofereci um projeto, quando ainda era vivo o relator do Código na sua última fase, o deputado Ricardo Fiúza. Eu tive a honra de auxiliado nesse trabalho da última fase, junto com o Mário Delgado, que esteve aqui no seminário.

Palestra-ESA_65-0000E logo que o Código foi aprovado, nós oferecemos ao Ricardo Fiúza muitas emendas para atualizar. Parecia um paradoxo. É porque o código vinha de mais de duas décadas de projeto. E nem tudo foi possível fazer de emendas na última fase, porque havia um regimento a ser cumprido. E fizemos várias emendas para serem votadas, para que quando o Código entrasse em vigor, alguns pontos já estivessem resolvidos. E um das emendas que eu apresentei foi sobre esse artigo 1.790. Até hoje, esse projeto, que o Ricardo Fiúza apresentou, não foi votado.

Fotos: Paula Lourinho

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