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"Vivemos tempos difíceis e temos o dever de sermos a voz contramajoritária, afirmando os valores da democracia, do devido processo legal, da ampla defesa"

8CbNMd 800 Em discurso nesta quinta-feira (5) no Colégio de Presidentes da Ordem, que acontece em Foz do Iguaçu (PR), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Espírito Santo (OAB-ES), Homero Mafra, fez uma defesa contundente da democracia e falou sobre os tempos difíceis pelos quais o País passa.  "Vivemos tempos difíceis e temos o dever de sermos a voz contramajoritária, afirmando os valores da democracia, do devido processo legal, da ampla defesa", disse Homero Mafra. 

O presidente da OAB-ES lamentou estarmos vendo "um Parlamento sem credibilidade, um Executivo atingido por denúncias gravíssimas e que não atende aos anseios da nacionalidade e um Supremo, que tristeza, que se apequena e não cumpre seu papel".

O evento

O Colégio de Presidentes da Ordem reúne  todos os presidentes de Seccionais da OAB. Trata-se de um dos principais eventos institucionais da Ordem, em que se debate  temáticas fundamentais, referentes à classe e à sociedade.  Para o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, o Colégio de Presidentes tem importância singular. “Nas reuniões do Colégio nós debatemos assuntos pertinentes ao exercício da advocacia e também à sociedade brasileira como um todo. Todas as seccionais colocam seus respectivos pontos de vista e assim procuramos unificar visões e discursos”, explica. 

As atividades tiveram  início na quinta, às 19h, com uma cerimônia solene. Nesta sexta-feira (6), a reunião do Colégio acontece das 9h às 18h, finalizando com a leitura da carta produzida com as deliberações acerca de cada tema.

Confira, abaixo,  o discurso de Homero Mafra na íntegra: 

Quero agradecer em meu nome e dos Presidentes que aqui estão a recepção que estamos tendo no Paraná.

Sabíamos que seríamos bem recebidos. Não imaginávamos quanto.

Paraná.

Mais uma vez, nos momentos difíceis da história de nosso país, estamos, os Presidentes da OAB, reunidos aqui.

Em 1978, no Teatro Guaíra, em Curitiba, nos reunimos e marcamos nossa voz em defesa do estado democrático de direito. 

Saímos da Conferência sustentando os valores democráticos, aqueles que nos impulsionam e que são nossa razão de ser, o grande papel que cabe à Ordem dos Advogados do Brasil: ser a voz dos que não têm voz, a voz dos silenciados, a voz em defesa permanente das liberdades públicas.

Naquele momento, a Ordem se fez ainda maior, rejeitando a transição gradativa pregada pelo Governo Geisel, rejeitando as medidas de exceção que queriam impor ao país. Resistimos. Fomos a voz da cidadania.

Hoje, mais uma vez, nos reunimos no Paraná, em um tempo de um país dividido, conflagrado, com vários setores da população flertando com o autoritarismo que solapa a defesa das liberdades e não crê nos valores democráticos.

Temos, mais que nunca, que repetir Guimarães Rosa: 

“O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
Aperta e daí afrouxa,
Sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.”

Nesse momento dramático, com um país dividido, com as instituições vazias de credibilidade, temos que dar ao Brasil aquilo que a Ordem sempre teve de melhor: a nossa coragem cívica contra o retrocesso, contra o aviltamento da liberdade, contra o destroçar das liberdades.

Por isso dizemos que não podemos aceitar que em pleno estado democrático venham as forças armadas querer tutelar a nação. Não podemos aceitar o retorno a tempos que já banimos e que significaram morte, censura, tortura, desaparecimentos. 

Sigo, aqui, a lição de nosso bastonário, Claudio Lamachia:

“A OAB, defensora intransigente do Estado Democrático de Direito, conclama a nação a repudiar qualquer tentativa de retrocesso e reitera sua determinação em continuar apoiando a luta pela erradicação da corrupção em nosso país, na estrita observância do que determina a Constituição. Para os males da democracia, mais democracia. Não podemos repetir os erros do passado.”

E nesse ponto temos que afirmar inaceitável qualquer insinuação que, mesmo remotamente, nos remeta à defesa de intervenção militar. Os que conhecemos a história sabemos o que vivemos naquele triste momento, naqueles tristes momentos.

Quantos Herzogs e Fieis Filho precisaremos relembrar? Quantas vezes teremos que cantar “meu Brasil, que sonha com a volta do irmão do Henfil, com tanta gente que partiu num rabo-de-foguete, Chora a nossa pátria mãe gentil Choram Marias e Clarice na noite do Brasil” para dizermos da tragédia que são as ditaduras?

Estamos cansados de dizer que vivemos tempos difíceis e isso é verdade.

Como Galeano, “Nós dizemos não ao medo. Não ao medo de dizer, ao medo de ser.” E por não termos medo de dizer, dada a nossa missão de advogados, nós dizemos não a um modelo de intervenção militar em um estado, feita de improviso e sem qualquer planejamento, dizemos não às tentativas de expedição de mandados de busca indeterminados e que criminalizam a pobreza, dizemos não às tentativas de criminalização da advocacia, corporificada na tentativa de impor as escutas nos parlatórios, mas não só nesse abuso.

Lembro o poeta, o grande Drummond:

“Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças
Entre eles, considero a enorme realidade.”

Resistir sempre, ser fiel à nossa história.

Lamentar estarmos vivendo um tempo de crise e olhando as instituições vermos um Parlamento sem credibilidade, um Executivo atingido por denúncias gravíssimas e que não atende aos anseios da nacionalidade e um Supremo, que tristeza, que se apequena e não cumpre seu papel.

Olho a realidade e sinto saudade do Supremo de Hermes Lima, de Vitor Nunes Leal, de Evandro Lins e Silva, de Aliomar Baleeiro.

Um Supremo capaz de resistir à força dos generais e que nunca se rendeu, como hoje, ao populismo penal.

Sinto saudade do Supremo que resistiu à ditadura e lamento que o Supremo de hoje protagonize episódios grotescos de bate-boca vulgar entre ministros, incompatível com a dignidade que se espera do órgão máximo do Judiciário.

Tristes tempos em que o poder opta pela demagogia, cede aos apelos dos que hoje gritam e mantém o clima de instabilidade ao deixar de julgar temas relevantíssimos.

Vivemos tempos difíceis e temos o dever de sermos a voz contramajoritária, afirmando os valores da democracia, do devido processo legal, da ampla defesa.

Ser a voz contramajoritária e afirmarmos, como o fizemos em Ação Declaratória de Constitucionalidade, dizendo e proclamando, porque fomos ao Supremo afirmar isso, que “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”

Não nos peçam para sermos diferentes.

Somos assim, nós, a advocacia brasileira.

Somos, como Thoreau, os que dizemos ser nosso dever “a resistência quando um governo degenera em opressão; a resistência como um dom da vida.”

Da essência da advocacia é resistir.

Dizer não quando assim nos exigem as circunstâncias, mesmo que os que nos cercam peçam que digamos sim.

Em meu discurso na Conferência de São Paulo, disse e repito: “Não tememos a impopularidade se essa for a medida de defesa das liberdades".

Presidentes,

Peço desculpas por não trazer um canto suave.
Repito, então, o cantador popular: 
“Me pediram para deixar de lado toda a tristeza,
Para só trazer alegrias e não falar de pobreza.
E mais, prometeram que se eu cantasse feliz, agradava com certeza.
Eu que não posso enganar, misturo tudo o que vejo.
Canto sem competidor, partindo da natureza do lugar onde nasci.
Faço versos com clareza, à rima, o belo e tristeza.
Não separo dor de amor.
Deixo claro que a firmeza do meu canto vem da certeza que tenho,
De que o poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza,
Foi que me fez cantador.”

Foto: Eugênio Novaes/CFOAB

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