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Nós que moramos na Amazônia, as margens de grandes rios, não nos damos conta que a água doce acessível para o consumo humano representa apenas 0,3% do total de água no Planeta. O restante dos 2,5% de água doce está nos lençóis freáticos e aqüíferos, nas calotas polares, geleiras, neve permanente e outros reservatórios, como pântanos, por exemplo. A localização de toda a água doce está distribuída assim: calota polares 1,7%; rios e lagos 0,18%; água subterrânea 1,6%; e outros 0,001%.
A nossa região detém 8% de toda reserva de água doce disponível no Planta. Nós, então, somos fiel depositário de um verdadeiro tesouro natural, por isso pergunto: como é que estamos cuidando da guarda desse patrimônio que nos foi confiado?
As cidades paraenses, movimentadas pela diversificação econômica, vem experimentando crescimento desordenado, com aumento das áreas de periferias ocupadas por construções urbanas, geralmente não licenciadas pelo órgão urbanístico e ambiental, comprometendo corpos d’água de grande importância para rede hídrica Estadual.
Nesta realidade, encontramos cidades da região metropolitana de Belém; àquelas localizadas em torno de projetos minerais: Marabá, Paraupebas, Canaã dos Carajás, Santarém, Itaituba, Oriximiná, Juruti, Paragominas, Ipixuna do Pará; e outras, por razões econômicas distintas, como Tucuruí, Castanhal, Bragança. Altamira e toda a região do Xingu serão impactadas pela implantação das obras do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, cuja mitigação está prevista nas condicionantes do licenciamento prévio.
O crescimento urbano desordenado além de comprometer nascentes, igarapés e rios importantes destas cidades, adiciona quatro outros componentes de grave impacto para as reserva de água doce da nossa região. A impermeabilização do solo, a perda de florestas urbanas, a produção e tratamento do lixo e o esgoto sem tratamento.
A impermeabilização do solo pelo cimento aplicado nos pisos dos prédios, nas calçadas e pelo asfaltamento de um número cada vez maior de vias públicas impede que a água das chuvas, muito abundantes na nossa região, infiltre no solo e reabastece nossas reservas subterrâneas.
A construção de prédios residências e comercias nestas áreas da Amazônia implica na perda de floresta urbana. Só a Região da Grande Belém vem perdendo o equivalente a 27 Bosques Rodrigues Alves por ano. As árvores cedem lugar a construções de concreto. Esta substituição afeta o clima, com aumento na temperaturas, e alterar o regime de chuva, que aliado a outros fatores compromete as reservas de água doce.
O lixo produzido em volume cada vez maior nas cidades paraenses, quando é recolhido, geralmente passa por um precário sistema de manipulação. Em Belém cada pessoa produz 1,3 quilo de lixo por dia, se consideramos uma população de 1.437.600 habitantes, teremos uma produção de 1.868.880 quilos de lixo produzidos. Todo esse lixo é, na maioria dos casos, depositado a céu aberto, em lixões. O lixo urbano, quando entra em decomposição, carrega muitos contaminantes, principalmente metais pesados e substâncias tóxicas que vão direto para a drenagem afetando duramente as reservam de água doce disponível.
O esgoto urbano é um poderoso meio de contaminação das águas. Apenas para atiçar nossa curiosidade, basta lembrar que uma pequena porção de água sanitária é suficiente para esterilizar uma parte significativa de água, matando toda é a vida ali existente. Imagine que todos os dias muitos litros de água sanitária escorrem pelas valas das nossas Cidades e vão direto para os igarapés e rios matando muitas formas de vida. Some-se a outros produtos químicos contido em xampus, creme de cabelo e aqueles usado nos processos industrias.
Quanto deste produto é atirado no esgoto das grandes cidades apenas com a lavagem de roupa? Quanto de produto químico é despejado pelo uso de xampu e creme? Mas saiba que um inocente consultório dentário utiliza metais pesados nos seus processos tratamento e que estes metais pesados acabam na rede de drenagem e, sem qualquer tratamento, vão direto para os rios.
Em Belém (não dispomos de dados de outros municípios) cada litro de água consumida gera 1,5 de esgoto. Se levarmos em consideração que o consumo médio de água por pessoa é de 114 litros, teremos um consumo de água de 163.886.400 litros, o que gera 245 milhões litros de esgoto, sendo que apenas 14% deste total é tratado, restando o fabuloso volume de 211 milhões de litros contaminados que vazam direto na drenagem da Cidade, contaminando nossas fontes de água.
É fato que nos últimos 50 anos, a degradação da qualidade da água aumentou em níveis alarmantes. Atualmente, grandes centros urbanos, industriais e áreas de desenvolvimento agrícola com grande uso de adubos químicos e agrotóxicos já enfrentam a falta de qualidade da água, o que pode gerar graves problemas de saúde pública.
E o que estamos fazendo? O que o poder público está fazendo? O que dispõe a legislação brasileira sobre a matéria?
Começando de trás pra frente. A Constituição Federal de 1988 dedicou um capítulo inteiro ao Meio Ambiente, mas resumiu toda a pretensão legislativa num único artigo, o 225 que assim dispõe: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A sadia qualidade de vida não está inserida no art. 5º da CF, no entanto, trata-se de um direito fundamental. Cuida-se de um direito difuso, que deve ser defendido para que todos possam usufruí-lo, tanto a presente como as futuras gerações.
Sabemos, pelos dados da realidade, que o poder público pouco está fazendo para cumprir o comando constitucional e programar políticas públicas de tratamento e reciclagem do lixo e do esgoto, capaz de proteger eficazmente nossas fontes de água doce, comprometendo a geração presente e as futuras.
Porém nós, sociedade civil, não podemos ser acusado de depositária infiel deste importante bem natural. A Ordem dos Advogados do Brasil do principal Estado da Grande Floresta Amazônica, através da sua Comissão de Meio Ambiente, com o apoio irrestrito da sua direção, bem como dos colegas dirigentes das nossas Subseções, no âmbito de suas competências, deve adotar medidas judiciais cabíveis a defesa dos nossos reservatórios de água doce.
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José Carlos Lima
Presidente da Comissão de Meio Ambiente – OAB-PA