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A tragédia havida ontem no município de Suzano que ceifou a vida de dez pessoas, incluído o suicídio dos algozes, impõe a todos nós: indivíduos, famílias, sociedade e poder público a profunda reflexão sobre nosso fracasso coletivo em garantir aos jovens e à escola brasileira a proteção, o respeito e a dignidade tão merecidos e nunca de todo cumpridos. Sequer havíamos nos erguido da última tragédia, que também ocorrera ainda sobre os escombros da anterior e o sentimento de perda de sentido, medo e descrença assedia a todos nós. Nessa hora, as instituições brasileiras, os homens e mulheres que as fazem, bem como todas vozes sensatas, devem em uníssono reafirmar os valores e convicções que fundamentam o nosso país. Mais do que nunca é em momentos de profunda dor e desânimo que precisamos ter em nossos princípios mais caros e nobres o farol a nos guiar em meio à tormenta.
O coração da OAB e de todos os seus membros está em profunda solidariedade com as famílias das vítimas, às quais humildemente pedimos que recebam nossos mais sinceros sentimentos. Às famílias, todo nosso respeito e o apelo à sociedade para que neste momento se abandone qualquer interesse mesquinho em expor as vítimas em fotos ou vídeos através das redes sociais, além de vexatório é humilhante tal conduta. Não somos peritos criminais, sendo de fundamental importância que as autoridades façam seu trabalho com a tranquilidade, a destreza e a celeridade que o caso requer. Ao restante de nós, a única coisa que se espera e exige é o pensamento elevado e o senso de urgência em oferecer respostas aos graves problemas que nos afligem e que desencadearam essa gigantesca tragédia.
Para problemas complexos não existem respostas fáceis, daí porque é necessário que cesse todo ruído e todo discurso oportunista, sem que se dê chance ao proselitismo político. Nossa preocupação tem de ser com a raiz dos problemas e com a convicção de que apenas um esforço coletivo e permanente de toda a sociedade pode levar a superação do grave momento que atravessamos, com a violência nossa de cada dia e com a violência nas escolas em particular. Famílias, sociedade e poder público devem reafirmar a escola com um bem público e um direito de todos, devendo manter-se aberta à comunidade. Para além de um espaço de ensino-aprendizagem, deve ser um ponto de referência à sociabilidade comunitária, o fortalecimento dos laços de solidariedade e fraternidade dos indivíduos e das famílias, devendo, portanto, ser por todos cuidada, protegida e fiscalizada. Compete ao poder público a urgente implementação de políticas públicas que assegurem a apropriação cidadã das escolas por suas respectivas comunidades.
É urgente que a política de segurança pública tenha como um dos seus eixos estratégicos a interface com a escola brasileira, atuando para garantir a proteção da escola, a defesa da liberdade de ensino e o pluralismo de ideias, conforme assegura a Constituição da República, promovendo assim a segurança de estudantes e trabalhadores da educação contra qualquer tipo de ameaça. Fundamental uma ampla e permanente política de policiamento comunitário que tenha na escola um ponto de referência para que a comunidade participe do planejamento das ações e do seu controle social. Acreditamos que é a comunidade quem melhor sabe de seus problemas, devendo por essa razão ser ouvida sempre, sendo-lhe assegurada participar da construção das soluções.
Para o restante de nós, famílias e cidadãos, urge despertarmos para tragédia silenciosa que se desenvolve hoje em nossas casas e diz respeito às nossas joias mais preciosas: nossos filhos, que também podem ser os filhos de nossos irmãos e amigos, os filhos de todos nós enquanto sociedade. É fato que nossas crianças e jovens estão em um estado emocional devastador! Nos últimos 15 anos, os pesquisadores nos deram estatísticas cada vez mais alarmantes sobre um aumento agudo e constante da doença mental da infância que agora está atingindo proporções epidêmicas.
Forçoso constatar que nossas crianças e jovens vêm sendo estimuladas e superdimensionadas com objetos materiais, enquanto outras se encontram privadas do mínimo de dignidade e conforto, sendo em geral privadas dos conceitos básicos de uma infância saudável, tais como: pais emocionalmente disponíveis; limites claramente definidos; responsabilidades; nutrição equilibrada e sono adequado. Em contraste, nos últimos anos nossas crianças e jovens vêm sendo preenchidas com: pais digitalmente distraídos; indulgentes e ou permissivos que deixam as crianças “governarem o mundo” e sem quem estabeleça as regras; um sentido de direito, de obter tudo sem merecê-lo ou ser responsável por obtê-lo; sono inadequado e nutrição desequilibrada; estilo de vida sedentário; estimulação sem fim, armas tecnológicas, e gratificação instantânea.
Neste cenário, perdemos todos! Admitir o problema será sempre o primeiro passo. Se quisermos que nossas crianças e jovens sejam indivíduos felizes e saudáveis, é necessário acordar e voltar a fazer o básico. Acreditamos que muitas famílias veem melhorias imediatas em semanas após implementar as seguintes recomendações: Definir limites, nossas crianças e jovens sentem-se mais seguros quando sabem quem está no controle do “leme”.
É necessário que crianças e jovens tenham um estilo de vida equilibrado, cheio do que elas PRECISAM, não apenas do que QUEREM. Não tenhamos medo de dizer “não” às nossas crianças e jovens. Não devemos aceitar menos do que alimentos nutritivos. Para todos nós é necessário ao menos uma hora por dia ao ar livre com nossas crianças e jovens fazendo atividades como: ciclismo, caminhadas, pesca, observação de aves/insetos. É imperioso que • desfrutemos de um jantar familiar diário sem smartphones ou tecnologia para distraí-los. Tonemos rotina o envolvimento de nossas crianças e jovens em trabalhos de casa ou tarefas de acordo com sua idade.
É sábio que se proteja excessivamente crianças e jovens contra qualquer frustração ou erro. Lembremos sempre que errar os ajudará a desenvolver a resiliência e a aprender a superar os desafios da vida. Tornemo-nos reguladores ou treinadores emocionais de nossas crianças e jovens, assim aprenderão a reconhecer e gerenciar suas próprias frustrações e raiva. Mais do que nunca aprendamos a nos conectar emocionalmente com eles, em casa: sorria, abrace, beije, faça cócegas, leia, dance, pule e brinque. Não percamos nós a nossa criança interior.
A OAB-PA se coloca junto com todos nesse aprendizado. Leiamos nós esta nota em voz alta, para que nenhum de nós se esqueça e para que nunca mais uma tragédia como essa se repita. Mais do que invocar a Constituição ou a lei em nosso socorro, devemos agora estender entre nós os laços de fraternidade que nos irmanam e a urgente necessidade de permanecermos unidos com dignidade, fé e esperança.