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Prerrogativa do Advogado – A Prisao civil por alimentos e a “sala de Estado-Maior” - Mário Fima

                        OAB__4O breve artigo trata da concessão do benefício da “sala de estado maior” ao advogado, quando determinado seu recolhimento a estabalecimento prisional comum, decorrente de prisao alimentar.

                        A classe dos advogados, cujo Estatuto está disposto na Lei 8.906/94, garante ao advogado o direito de ser recolhido, antes de sentença condenatória transitada em julgado, em SALA DE ESTADO MAIOR.

                        É muito comum confundir o benefício da “Sala de Estado Maior” com “Prisão Especial”, prevista no Art. 295 do Código de Processo Penal, entretanto, tecnicamente são garantias que funcionam de forma diferente. 

                        O primeira, remete-se a “SALA”, compartimento fechado, sem grades, onde deve haver as mínimas condições de higiene; Já o segundo, deve ser cumprido em “CELA”,  compartimento fechado, que possui grades, e chama-se “especial” porque neste confinamento não deve haver presos comuns.         

                        Tanto é assim, que os parágrafos 1º e 2º, do Art. 295 do CPP, dispõe, respectivamente, que “a prisao especial consiste em recolhimento em local distinto da prisao comum” e “nao havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento”.

                        Já o parágrafo 3º do diploma legal, ainda dispoe que “a cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.” Sendo direto, a única coisa de “especial”  que existe no benefício, é a separação dos presos “comuns”, mas fisicamente não deixa de ser cela.

                        No entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado no julgamento da Reclamação nº 4.535, Sala de Estado Maior "é o compartimento de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmente, possa por eles ser utilizado para exercer suas funções. A distinção que se deve fazer é que, enquanto uma "cela" tem como finalidade típica o aprisionamento de alguém – e, por isso, de regra contém grades –, uma "sala" apenas ocasionalmente é destinada para esse fim .".

                       

                        A “Sala de Estado Maior” é a dependencia existente em unidades das Forças Armadas ou Forças Auxiliares podendo ser usada pela autoridade militar, Federal ou Estadual, para desempenhar suas atividades de comando, estratégica e planejamento, que estao a cargo de um Oficial.  Devido a possibilidade desta sala ser usada para decisões de comando da unidade militar, o Advogado deve ser conduzido a outra sala existente nas dependências da organização militar, que possua as mínimas condições básicas de higiene.

                        Por força do Art. 7º, inciso IV, do EOAB, o Advogado deve ter a presença de um representate da OAB quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, sob pena de nulidade, e quando se tratar de motivo diverso a atividade profissional, deve haver comunicação expressa a seccional da OAB. Esta comunicação é necessária, para que um representante da Ordem verifique sob que condições está o local onde o Advogado irá ficar recolhido, zelando pela sua dignidade.

                        O benefício não é “prerrogativa exclusiva” dos Advogados, pois é estendido a outras categorias tais como Magistrados, com previsão no Art. 33, III da LOMAN (...Ser recolhido a prisão especial, ou a sala de Estado Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do Órgão Especial competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final); e Membros do Ministério Público, disposto no Art. 40, V, da LONMP (...ser custodiado ou recolhido a prisão domiciliar, ou a sala especial de estado maior, por ordem e à disposição do tribunal competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final.).

                        As funções exercidas por estes operadores do direito não são melhores ou mais importante que a de outros profissionais, necessários para o bom funcionamento da Justiça, entretanto, em razão da atividade, a Lei lhes garante um tratamento diferenciado, em algumas situações.

                        Observe-se que tanto o Estatuto da OAB e as Leis Orgânicas da Magistratura e do Ministério Público, expressamente não especificam se as hipóteses de prisão antes da sentença são exclusivamente de natureza criminal – cujo entendimento é majoritário –, razão pela qual, entende-se que as três categorias possuem esta garantia quando se tratar de prisão civil também.

                        Em que pese a prisão civil ter natureza completamente diferente da prisão criminal, as duas acarretam no mesmo resultado: privam da liberdade e afastam do convívio social.

                        A prisão civil do devedor de alimentos é uma medida excepcional permitida, pela Constituição Federal do Brasil (Art. 5º, LXVII) e pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Art. 7º). O afastamento do convívio social do devedor de alimentos tem como principal objetivo coagi-lo a adimplir voluntariamento o que deve, para garantia da sobrevivência do alimentando ((normalmente criança, adolescente ou pessoa idosa).

                        Outrossim, questiona-se um fato: se a prisao civil não tem caráter punitivo, apenas coercitivo, porque deve ser cumprida em ambiente carcerário, onde habitam presos criminais?

                        Ora se tiver que ser preso por nao pagar a pensao alimentícia, respeita-se a lei, entretanto, a decisao que determina o cárcere deve ser razoável e proporcional, impedindo que o preso por divida alimentar seja confinado junto a criminosos comuns. E neste caso defende-se que todos, sejam Advogados ou nao, cumpram a “prisao alimentar” fora de estabelecimentos penitenciários, podendo ser  domiciliar, em albergues ou sala de estado maior, conforme o caso.

                        Na jurisprudência pátria existem decisões em ambos os sentidos.

                        A titulo de exemplifcaçao, em um caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manifestou entendimento de que, em não se tratando de prisão com caráter penal, não há que se falar em beneficiar o alimentante inadimplente da prisão em sala de Estado Maior ou mesmo de cumprir o período em prisão domiciliar, ainda que se trate de advogado, contudo, esta corte aplicou o regime aberto, para que o Advogado possa labutar durante o dia. [1]

                        No Tribunal de Justiça de Santa Catarina, um Magistrado, ao aplicar o regime aberto, entendeu que “embora reconheça distinção entre os princípios da prisão civil e daquela de caráter criminal, o magistrado entende que não há por que deixar de aplicar, na primeira, aspectos previstos na segunda, em relação à natureza do regime de cumprimento das penas.”. [2]

                        A 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, no Processo 2008.035599-2, concedeu habeas corpus a um advogado preso por pensão alimenticia, determinando seu cumprimento em regime aberto. O pedido do advogado baseou em entendimento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “toda prisão, ou detenção, que é o sujeito, deve vir acompanhada do predicado, que é o regime de cumprimento de pena, e na decisao de 1o grau, veio apenas acompanhada do sujeito”. [3]

                        Já no Tribunal de Justiça do Pará, uma Magistrada entedeu que o Advogado não teria direito a ficar recolhido em sala do Estado Maior, haja vista que a prisão civil no caso de alimentos não possuia caráter penal, que teria caráter coercitivo para pagamento da pensão, entretanto, deveria ser recolhido a estabelecimento prisional comum (presídio), pois entedeu que o Estatuto da OAB se aplicava apenas no que diz respeito a matéria criminal. Ousamos discordar da Magistrada paraense.

                        Data vênia, faz-se um questionamentos para reflexão: Como o Advogado iria pagar a pensão preso, sem poder trabalhar? Cremos que a medida, neste caso, deixa de ser coercitiva, pois como não o Advogado não teria condições de trabalhar, transforma-se em punitiva.  

                        Sobre a prisao alimentícia, AZEVEDO (2000, p. 158) escreve que “a prisão por débito alimentar não é pena, mas meio coercitivo de execução para compelir o devedor ao pagamento da prestação de alimentos. Essa prisão não existe, portanto, para punir esse devedor, tanto que, pagando-se o débito, a prisão será levantada.”. [4]

                        Oportuno citar ainda o magistério de LOBO, onde afirma que nos casos de prisao,  “a pena deve ser cumprida em regime aberto em casas de albergado; se estas não houver, deve-se impor a prisao domiciliar, pois a prisao civil não pode equiparar o alimentante inadimplente  com os apenas por ilícitos criminais.”. [5]

                        O advogado tira o seu sustento do labor diário, batalhando pelos tribunais, fóruns, delegacias, instituições públicas e privadas... em busca de prover seu sustento e visando defender o interesse de seus clientes. Se lhe é retirado a liberdade, em razao de uma prisao alimentar, logo não terá condições de arcar com a responsabilidade pecuniária.

                        Ressalte-se que na “prisão civil” devem ser observados os mesmos procedimentos e as garantias do direito penal haja vista ser norma restritiva de liberdade. Nesse sentido, o art. 320 do Código de Processo Penal prevê que "a prisão decretada na jurisdição cível será executada pela autoridade policial a quem forem remetidos os respectivos mandados".

                        Portanto, apesar do caráter ser diferente, as garantias são as mesmas do direito penal, estando assegurado ao Advogado a detenção em Sala do Estado Maior, conforme previsto no Art. 7º, V, da Lei 8.906/94.

                        Embora se denomine tecnicamente a prisão do devedor de alimentos como ‘prisão civil’, o preso, se for Advogado, ocupará a mesma instituição dos condenados por crime, no caso de recolhimento em presidio, e, sendo em Delegacia, estará na companhia dos presos provisórios, em um ambiente periculoso e insalubre. É imperioso que seja preservado a dignidade, integridade e segurança do Advogado, respeitando o dispositivo o Art. 7, V do EOAB.

                        O eminente Ministro Celso de Mello (STF) de forma brilhante discorreu sobre o caráter constitucional das prerrogativas profissionais no habeas corpus 88.702-3/SP: Não se pode perder de perspectiva, quando examinada a questão pertinente às prerrogativas profissionais dos Advogados, um aspecto que assume relevo indiscutível. Há que reconhecer, na abordagem desse tema, a íntima conexão que existe entre as prerrogativas profissionais dos Advogados, de um lado, e a declaração constitucional de direitos e garantias dos cidadãos, de outro. É que as prerrogativas profissionais dos Advogados não existem em função de si mesmas. Elas traduzem, na realidade, emanações da própria Constituição da República, pois, ainda que definidas no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), foram concebidas com o só propósito de viabilizar a defesa da integridade das liberdades públicas dos cidadãos, tais como proclamadas em nosso ordenamento constitucional. (....) Não devem ser confundidas com meros privilégios de natureza corporativa, pois se destinam a preservar a atuação independente do advogado.".

                        Sendo assim, o recolhimento em “sala de estado maior” é plenamente legal, tanto que, não existe sequer divergência no disposto no inciso V, do artigo 7º, da Lei 8.906/94, uma vez que no julgamento da ADI 1.127, em maio de 2006, o STF entendeu constitucional a norma. 

                        Cito ainda, recente precedente na Suprema Corte, no HC-11.515/SP de 04/04/2011, de relatoria do Min. Celso de Melo, determinando recolhimento de advogado em sala do estado maior, e quando em sua ausência, conduzido a prisao domiciliar. Aduz o Ministro que a “Suprema Corte, ao proceder ao exame comparativo entre a Lei 10.258/2001 e a Lei 8.906/94 (artigo 7º, V), reconheceu, nesse cotejo, a existência de uma típica situação configuradora de antinomia em sentido próprio, eminentemente solúvel, porque superável mediante utilização, na espécie, do critério da especialidade (lex specialis derogat generali), cuja incidência, no caso, tem a zvirtude de viabilizar a preservação da essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (...)."

                        Nas palavras de Roberto Delmanto Junior, este direito adquirido pelos Advogados, de forma distinta dos demais membros da comunhão social, é “natural e razoável”, impondo-se especificamente em função da necessidade de se resguardar, ao máximo, as suas atividades, fundamentais à manutenção da democracia. [6]

                        Ressalte-se que se o Advogado for confinado a uma cela comum – em delegacia ou presídio – estará com sua integridade física e a vida ameaçada, pois, em uma coincidência infeliz, naquela cela pode estar um cliente que esteja insatisfeito profissionalmente com o causídico, ou, que tenha sido condenado em um processo onde o advogado figurou como assistentende acusação. São inúmeras possibilidades de perigo, pois sabe-se que dentro de uma cela diretos e garantias nunca foram respeitados.

                        No caso de “prisao alimentícia”, há entendimentos jurisprudenciais e doutrinários no sentido de garantir, o beneficio da “prisao especial” a aqueles que possuem o direito a tal medida (Art. 295, CPP) até como uma forma de manter essas pessoas afastadas dos criminosos periculosos.

                         Acerca da “prisao especial” nos casos de “prisao alimentícia”, AZEVEDO (2000, p. 170) assevera que “o alimentante inadimplente poderá ser mantido em prisão especial ou em quartéis, se o devedor for diplomado por escola superior da República, conforme permite o artigo 295, VII, do CPP, não em prisão domiciliar ou em liberdade vigiada.”. [7]

                        Compartilhamos do raciocínio de que, se é cabível a aplicação da “prisao especial” em caso de “prisao alimenticia”, logo, os que detém a prerrogativa de serem detidos em “sala de estado maior”, devem ter assegurado o direito, como medida de preservação a dignidade, integridade física e honra daqueles profissionais ligados diretamente ao trinômio acusação/defesa/julgamento dos homens que encontram-se encarcerados, devido a periculosidade.

                        A doutrina estabelece ainda de acordo com a jurisprudência, que o devedor civil deve ter um tratamento diferenciado em relação àqueles que efetivamente cumprem pena por cometimento de um ilícito penal.

                        No balizado clássico de PAULO LÚCIO NOGUEIRA (1983, p. 41): o  devedor será recolhido a alguma cela especial, o que deve sempre constar do mandado, evitando-se que as autoridades policiais mandem recolher o alimentante preso em companhia de elementos condenados criminalmente, alguns até mesmos perigosos. [8]

                        ADROALDO FURTADO FABRÍCIO (1988, p.269) mostra que, embora não se trate de prisão criminal com sentido punitivo - et por cause - incidem todas as disposições legais relativas à prisão especial ou privilegiada (em cela especial, SALA DE ESTADO MAIOR ou domicílio), sempre que a ela tenha direito o réu por qualquer dos motivos em lei reconhecidos. [9]

                        Em que pese o advogado não estar no exercício do seu mister, podendo não atuar profissionalmente no processo e estar figurando no polo passivo da açao, não deixa de ser um advogado, e em razão da profissão, tem diretos garantidos pela Lei 8.906/94, especificamente, direito a ser resguardado em “sala de estado maior”, devendo ser rechaçada qualquer decisão de que venha a determinar o recolhimento em presidio ou delegacias, locais indigno e inseguros para se cumprir uma “medida de coação”, como é caracterizado a “prisao civil”.

                        É lamentável que alguns operadores do direito não venham a reconhecer a importância do advogado para a ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito, e continuem a pisotear as prerrogativas da classe.

                        Por fim, a melhor interpretação da lei é a que se preocupa com a solução justa, e não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil. Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando "contra legem", pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum (TSTJ 26/384 e RSTJ 26/378,), sob o risco de o rigorismo nas interpretações levar a injustiça.

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Mário Fima é Advogado, Pós-graduando em Direito Militar, Membro do Tribunal de Justiça Desportiva – TJD/PA, Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PA, e Conselheiro Suplente do CONSEP, pela OAB/PA.

 

Referências.

 

[1]Noticia  extraída da internet, publicada em http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1445310/nao-ha-que-se-cogitar-de-cela-especial-ao-devedor-de-alimentos

[2] Noticia extraida da Internet, publicada em http://www.acadfcampinas.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9:prisao-civil-de-devedor-de-alimentos-pode-ser-cumprida-em-regime-aberto&catid=2:noticias&Itemid=13

[3] “Advogado que deve pensao ficará em regime aberto” Noticia extraída da internet, veiculada em http://www.conjur.com.br/2008-nov-27/advogado_pensao_ficara_preso

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[4] AZEVEDO, Álvaro Villaca. Prisão civil por dívida. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

[5] LOBO, Paulo. Direito Civil – Familias. Sao Paulo: Ed. Saraiva, 2008. p. 367

PAULO SERGIO LEITE FERNANDES, in http://www.processocriminalpslf.com.br/site/?page_id=784, consultado em 07/04/11.

[7] AZEVEDO, Álvaro Villaca. Apud GUILHERME ARRUDA DE OLIVEIRA E THAIS ARRUDA DE ALARCÃO, “As formas de cumprimento da prisão alimentar”, elaborado em 15/07/2004, publicado em  http://boletimjuridico.com/doutrina/texto.asp?id=359, consultado em 20/03/2011.

[8] NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Apud GUILHERME ARRUDA DE OLIVEIRA E THAIS ARRUDA DE ALARCÃO, op. cit.

[9] FABRÍCIO, Adroaldo Furtado Apud GUILHERME ARRUDA DE OLIVEIRA E THAIS ARRUDA DE ALARCÃO, op. cit.

 

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