Home / Notícias
Foi preciso uma ação judicial com pedido de nulidade de cláusula contratual, cumulada com indenização por danos materiais e morais, ajuizada pela família de uma mulher, que faleceu em decorrência de câncer no útero, para conter a fúria de um plano de saúde, que mercantilizando a saúde humana, só visava o lucro em detrimento da desventura da paciente.
A enferma, acometida de câncer no útero, ficou internada em UTI de um Hospital conveniado ao plano de saúde, que pagava devidamente em dia. Contudo, no décimo quinto dia de internação, a mantenedora do plano recusou-se a custear o restante do tratamento. Alegava que havia sido atingido o limite máximo de custeio de R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais), nos termos da cláusula VI, § 2º, do contrato celebrado entre as partes.
De pronto, percebe-se o caráter abusivo da referida cláusula, ao limitar o valor de cobertura para tratamento médico-hospitalar, como se uma doença fatal tivesse limites. Essa cláusula do contrato do plano de saúde viola os arts. 4º, I e III, 6º, IV e VIII, 46, 47, 51, § 1º, I, II e III, do Código de Defesa do Consumidor.
Somente com uma decisão liminar, o plano de saúde pagou as despesas médicas até o falecimento da paciente. No processo judicial, o plano ainda teve o disparate de apresentar defesa em forma de reconvenção, pedindo ressarcimento das despesas pagas, além do limite estabelecido no contrato, o que foi deferido pelo Judiciário Paulista.
Talvez por influência e pressão do centro econômico-financeiro ao qual está próximo, o Judiciário de São Paulo considerou legal a cláusula limitativa de custos. Em primeiro e segundo graus, os magistrados entenderam que não havia abuso, porque a cláusula estava apresentada com clareza e transparência, de forma que a contratante teve pleno conhecimento da limitação, foi a aplicação desmesurada do princípio da força obrigatória dos contratos, do “pacta sunt servanda”, ou seja, os pactos devem ser respeitados, independentemente de abuso contido nas cláusulas.
O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial nº 735.750 – SP, sob a relatoria do ministro Raul Araújo, integrante da Quarta Turma. O cerne da controvérsia cingiu-se à análise da existência de abuso, na cláusula constante do contrato de plano de saúde, que previa limite de valor, para cobertura de tratamento médico-hospitalar.
Felizmente, ao fazer nova valoração dos critérios jurídicos de formação da convicção do julgador, resolvendo a lide, o STJ entendeu que o Plano de saúde não pode fixar limite de despesa hospitalar. Inclinou-se por considerar abusiva a cláusula, que limitava despesa com internação hospitalar. Portanto, não pode haver limite monetário, de cobertura para as despesas hospitalares, tampouco limite de tempo de internação.
A cláusula era abusiva, inclusive por estabelecer montante muito reduzido, (R$ 6.500) incompatível com o próprio objeto do contrato de plano de saúde, consideradas as normais expectativas de custo dos serviços médico-hospitalares. Na visão do relator, o valor era reconhecidamente ínfimo, considerando internação em unidade de terapia intensiva. E o bem segurado é a saúde humana, sendo inviável a fixação de um valor monetário determinado, como acontece com o seguro de bens materiais.
Foi também determinante para o bom desfecho do julgamento, a observância dos princípios da função social dos contratos, da boa-fé objetiva e da dignidade humana, que se sobrepôs ao princípio do “pacta sunt servanda”.
Quanto ao pedido de indenização por danos morais e materiais, foi julgado sob a ótica da recusa pela seguradora à cobertura do tratamento médico-hospitalar.
O simples inadimplemento contratual não gera danos morais. Entretanto, foi reconhecida a existência de injusta e abusiva recusa de cobertura, pela operadora de saúde. E no caso em apreço, a corte entendeu que houve dano moral pela aflição causada à contratante-consumidora.
Para alívio da recorrente e de muitos consumidores que se encontram nessa mesma situação, à unanimidade foi dado provimento ao recurso especial, para julgar procedente os pedidos da família e improcedente a reconvenção do plano de saúde. Foi decretada a nulidade da cláusula contratual limitativa, pois abusiva. E o plano de saúde foi condenado a indenizar os danos materiais decorrentes do tratamento da segurada, deduzidas as despesas já pagas pelo plano, e também indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil reais.
Espera-se que a partir desse julgado, com esse novo paradigma, os planos de saúde venham a rever seus contratos com esse tipo de cláusula reconhecidamente abusiva. E os consumidores devem ficar atentos, para não se submeter a contratos com cláusulas abusivas, imposto no mercado da saúde humana.
Denis Farias é advogado.
E-mail: denisadvogado@hotmail.com.