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OAB desaprova delegacias

 

RELATÓRIO
Comissão diz que não há estrutura para atender adolescentes vítimas de violência.Vítimas muitas vezes são obrigadas a ficar frente a frente com os agressores


DILSON PIMENTEL
Da Redação


"A maioria das delegacias não possui condições para o atendimento de crianças e adolescentes, tanto como autoras quanto como vítimas de atos de violência". A afirmação é da presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pará, Luanna Tomaz. Ela integrou a equipe que elaborou o relatório intitulado "Crianças e adolescentes nas delegacias - atendimento e políticas públicas".  Divulgado, na semana passada, pela OAB-Pará, o relatório aponta delegacias com péssimas condições estruturais, carência de capacitação para os policiais, falta de contingente humano e recursos materiais. Mais: grande parte dessas unidades apresenta "ambiente inóspito à população", em especial às crianças e aos adolescentes vítimas de violência.
Nove delegacias paraenses foram visitadas durante os meses de março, abril, maio, julho e julho deste ano: Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data), em Belém, superintendências regionais do Sudeste, em Marabá, dos Campos do Marajó, em Soure, do Médio e Baixo Amazonas, em Santarém, e do Xingu, em Altamira: Divisão Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Altamira e Santarém; Data de Abaetetuba e Pró-Paz, na capital paraense. A seguir, a entrevista com Luanna Tomaz.

De uma maneira geral, qual a conclusão do relatório sobre o atendimento crianças e adolescentes nas delegacias? A situação é crítica? Preocupante?
Luanna Tomaz:
 Em que pese o esforço de muitos policiais civis de prestarem serviços adequados, as delegacias revelam péssimas condições estruturais, com carência de capacitação para os policiais, falta de contingente humano e recursos materiais. Grande parte das delegacias revelou, assim, um ambiente inóspito à população, em especial às crianças e aos adolescentes. De acordo com o nosso método de pesquisa, onde aferimos notas às delegacias com base no kit da Altus (aliança internacional que cria indicadores para avaliação das delegacias), somente as médias finais que obtivessem nota igual ou superior a três poderiam ser consideradas como adequadas - ou seja, definir que a delegacia presta serviço e possui estrutura adequada à população em geral, e às crianças e aos adolescentes em especial. No entanto, apenas a Data/Abaetetuba conseguiu obter média final acima do requisito mínimo, enquanto que outras oito delegacias/superintendências foram classificadas como inadequadas, não garantindo condições mínimas. Por mais que algumas delegacias apresentem propostas inovadoras, como a Data/Belém, que congrega diversas entidades num único prédio, a regra geral é o não oferecimento de condições adequadas para aquilo ao que o serviço se propõe. 

 
As unidades policiais pesquisadas têm condições de prestar um bom atendimento às crianças e aos adolescentes? Quais os problemas mais comuns encontrados nessas delegacias?

Na realidade, hoje a grande maioria das delegacias não possui condições para o atendimento de crianças e adolescentes, tanto como autoras quanto como vítimas de atos de violência. Falta um espaço adequado de acolhida e oitiva das vítimas, que, por vezes, relatam sua condição nas salas de atendimento, nos corredores, sem nenhum pingo de privacidade, ficando até frente a frente com seu agressor. Nesse momento, é imprescindível uma equipe multidiscplinar que possa fazer a acolhida da criança ou adolescente e orientar sobre os procedimentos ou possíveis encaminhamentos. Falta, inclusive, capacitação dos policiais para este atendimento. Muitos desconhecem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as inovações legislativas e não conseguem identificar os atos de violência. Quanto à carceragem, em muitas delegacias não há celas reservadas para meninos e, principalmente, meninas infratoras.

De que forma a falta de uma melhor estrutura prejudica o atendimento às crianças e os adolescentes?
Isso contribui para um quadro de violência institucional, de revitimização dessas pessoas que já estão fragilizadas e precisam ser respeitas enquanto sujeitos de direitos. Com certeza, contribui para um quadro de impunidade e de subnotificação, pois, muitas vezes, preferem nem ir a delegacias, pois imaginam que lá não encontrarão apoio.


Por que, no geral, as delegacias não atendem aos preceitos dispostos na legislação quanto à garantia da dignidade no atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência?
Imagino que a questão da criança e do adolescente ainda não é prioridade dos governos em nosso Estado e ainda há muito o que se fazer para suprir toda essa demanda existente de anos de exclusão. O ECA coloca estas pessoas como sujeitos de direitos e de políticas públicas e, mais, com prioridade absoluta, o que não é seguido. Ainda imagina-se que a responsabilidade principal é da família.

O que é, exatamente, o depoimento sem dano? Como funciona?
É um procedimento no qual a criança ou adolescente é ouvida uma única vez, na presença da psicóloga, evitando a tortura de relembrar sobre a violação sofrida a cada hora ou momento de falar na presença de juiz, defensor e promotor. As perguntas para apurar dano e o causador são realizadas de forma indireta, através da psicóloga. Tudo é gravado e o material serve de prova antecipada ou emprestada e, assim, o processo se inicia. Evita inclusive que a criança vá até a delegacia. Este modelo já é aplicado em outros Estados e, no Pará, é utilizado somente em Abaetetuba. 

Por que, como aponta o relatório, o atendimento às crianças e aos adolescentes vítimas de violência é um dos pontos mais frágeis nas delegacias visitadas?

Existe uma cultura que associa polícia com repressão, e punição, com encarceramento. As pessoas não veem a Delegacia de Polícia como um espaço do cidadão, um espaço de defesa dos direitos humanos. No caso do atendimento às vítimas é sempre um atendimento mais difícil, pois envolve a acolhida, a atenção à legislação vigente, os procedimentos investigativos, uma equipe e estrutura de atendimento, que as delegacia não possuem. Nossas delegacias hoje são espaços para fazer registro de ocorrência e prender presos.

O episódio ocorrido na Delegacia de Abaetetuba (em 2007, uma adolescente ficou durante um mês presa com 20 homens em uma cela naquela unidade, sofrendo violências físicas e sexuais), e que à época ganhou repercussão nacional, serviu para mudar o atendimento às crianças e aos adolescentes nas delegacias? Ou não?
Foi uma experiência dolorosa e impactante sofrida pelo nosso Estado, que serviu para a melhoria da Delegacia em Abaetetuba, o que, para nós, já é um grande passo. Mas que deve ser motor para um processo de melhoria em todas as delegacias do Estado no que concerne ao atendimento das crianças e adolescentes.

Apesar dos problemas detectados, quais bons exemplos foram encontrados durante a pesquisa?
A Data e o Pró-Paz em Belém e a Data de Abaetetuba se destacaram em nossa pesquisa. Os dois primeiros possuem propostas inovadoras. No caso da Data, a constituição de um espaço integrado entre Polícia e sistema judicial. E, quanto ao Pró-Paz, o atendimento às vítimas de violência. Contudo, as delegacias ainda funcionam sem a estrutura necessária para atender o que pretendem. A Delegacia de Abaetetuba é a mais recente. Por isso, possui melhores condições de carceragem e predial. Também destaca-se pela aplicação do depoimento sem dano.

Quais as principais propostas apresentadas para melhorar o que foi detectado nessas delegacias?
São 16 propostas, que vão desde a construção de centros integrados (Juizado de Infância e Juventude, Ministério Público e Data) em cada um dos municípios-pólos de superintendências da Polícia Civil; a produção de dados desses atendimentos; cursos de capacitação; a melhoria urgente dos espaços de custódia provisória dos adolescentes infratores nas delegacias até a instauração de um serviço de inteligência na Polícia Civil voltado à violência sexual contra crianças e adolescente, como forma de se evitar atuações eventuais, mas operando de modo estratégico sobre todas as denúncias, inclusive de exploração sexual.

Fonte: O Liberal (27/09/2010)

"A maioria das delegacias não possui condições para o atendimento de crianças e adolescentes, tanto como autoras quanto como vítimas de atos de violência". A afirmação é da presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pará, Luanna Tomaz. Ela integrou a equipe que elaborou o relatório intitulado "Crianças e adolescentes nas delegacias - atendimento e políticas públicas".  Divulgado, na semana passada, pela OAB-Pará, o relatório aponta delegacias com péssimas condições estruturais, carência de capacitação para os policiais, falta de contingente humano e recursos materiais. Mais: grande parte dessas unidades apresenta "ambiente inóspito à população", em especial às crianças e aos adolescentes vítimas de violência.

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