Home / Notícias
Não parece isento do conhecimento comum que a Educação é a ferramenta de mudança social por excelência diante da sua capacidade inata de transformar o ser humano, dando–lhe melhores condições de lutar contra os meio sociais nem sempre favoráveis ao seu completo desenvolvimento.
Também não é de todo estranho aos senhores que, apesar da evidência do que acabei de dizer, não é, ou talvez por isto mesmo não o seja, comum que o conhecimento seja difundido no meio social que nos circunda. Ou, ainda, não é estranho que o conhecimento quantitativamente difundido encontre barreiras qualitativas importantes que sublimem o saber meramente formalista da realidade, mantendo em compasso de espera as mudanças necessárias à melhoria da qualidade de vida do grupo social.
Educação ampla, irrestrita e com capacidade de compreender o mundo é sempre uma bandeira de luta social que poucas vezes e apenas em localidades geograficamente restritas conseguiu se concretizar. Assim, também o ensino jurídico sofre deste drama na essência de sua criação. Vejamos.
A educação jurídica, desde a implantação das Faculdades de Direito no Brasil, foi construída com a finalidade de educar elites burocráticas para preencher postos da Administração pública.
Mesmo depois dos primeiros anos da República, o Brasil não se desapegou da velha concepção do mundo cartesiano da lei como fim de tudo. Num esforço de síntese podemos examinar o ensino jurídico tradicionalmente oferecido no Brasil sob três enfoques.
A) A descontextualização que é marcada pelo profundo distanciamento do Direito em relação à realidade social que o envolve. A sala de aula fecha-se a qualquer interferência externa de tez social para que as discussões sejam desenvolvidas meramente sobre os conhecimentos ditos jurídicos. Reduz-se o estudo de Direito ao direito positivado pelo Estado.
B) O dogmatismo jurídico, filho de um racionalismo moderno, que estrutura o conhecimento jurídico na sistematização do direito positivo autônomo e que produz seus próprios mecanismos de alimentação (autofeed). Tudo a importar dizer que o direito, tal qual uma máquina a serviço da manutenção do status quo social, não emite qualquer juízo de valor sobre ele mesmo e sobre os julgamentos de justiça que realiza.
O direito coloca-se numa neutralidade atávica em que a busca pela objetividade, no ato do conhecimento do objeto de estudo, esconde qualquer interferência do meio repetindo-se o saber exegético dos textos legais.
É uma tentativa de fazer com que o Direito se explique por si mesmo.
C) A unidisciplinariedade pela fragmentação do conhecimento em disciplinas estáticas e sem correspondência entre elas e, menos ainda, com outras ciências. O Direito procura se desenvolver como abstrato e universal, sendo do mesmo modo aplicado em todos os lugares independentemente das marcas culturais de cada sociedade.
O resultado mais evidente deste quadro e a formação de gerações de alunos apáticos que recebem todas as informações prontas e que por isto não se transformam em profissionais capazes de ir além dos conhecimentos departamentalizados por ramo do Direito em que se especializaram.
A revolução propedêutica dos eixos do ensino jurídico, nos dois últimos decênios, permitiu que se introduzissem na academia elementos humanistas na formação do profissional do Direito. Pode-se destacar, nesta ordem, a Portaria n. 1.886/94 do MEC e a Resolução n. 09/94 do Conselho Nacional de Educação, que visam superar o projeto político da ciência de bacharéis ligado à valorização das tradições culturais.
Mudanças perceptíveis nas Faculdades de Direito foram a introdução da pesquisa ainda na graduação com as monografias de final de curso, a interdisciplinaridade dos estudos e a introdução de disciplinas como a Sociologia, História do Direito, Psicologia, Antropologia e Filosofia que, conjuntamente, oferecem a formação humanística dentro de um curso superior que sempre se manteve aquém do debate social e fechado em suas próprias idiossincrasias, usualmente inférteis e inacessíveis aos não iniciados.
E é neste contexto que o estudo jurídico do Meio Ambiente ganhou relevo desde o debate meramente acessório do Direito Ambiental como disciplina optativa e decorativa dos currículos das Faculdades de Direito até sua inclusão como disciplina obrigatória em qualquer uma delas.
A rápida percepção da importância da sua temática levou a que influenciasse diretamente as diversas disciplinas do currículo tradicional que passaram a incorporar em seus debates a interdisciplinaridade dos temas transversais sobre o meio ambiente, assim no Direito Constitucional, Civil, e do Trabalho.
Também produziu o desenvolvimento de debates importantes que ganharam status científico de disciplina própria como o Direito Urbanístico, Minerário e Sanitário.
Neste diapasão, as novas gerações de advogados que se formaram, principalmente, desde o início do novo século já educaram-se sob o signo da valorização do debate ético do Direito e que seguramente vem tendo reflexo na maior densidade da discussão sobre o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da Escola Nacional de Advocacia e das Escolas Superiores de Advocacia das seccionais estaduais, tem como objetivo institucional a continuidade da formação do profissional socialmente engajado no meio e capaz de perceber-se, antropologicamente, como integrante da bioesfera com todas suas amplas e difusas conseqüências.
Não se pode olvidar que o próprio mercado profissional tem percebido a importância da ética ambiental requerendo do advogado que possa defender, com argumentos legais, a sustentabilidade ambiental da produção, do comércio e da prestação de serviços. Que seja não só uma ferramenta de marketing, mas uma bandeira de responsabilidade social, da qual o advogado não pode ignorar, seja como patrono de causas judiciais e parecerista seja como cidadão.
Especificamente a ESA/PA tem procurado cumprir o papel de fomentadora do ensino jurídico humanizado, com a formação de agentes críticos do Direito posto e sensíveis às demandas ecológicas, por meio da recontextualização dos direitos humanos privilegiando uma visão amazônida dos problemas sociais que estruturem um diálogo intercultural e transformador.
Destaque primaz desta prática é o projeto “Diálogos Sustentáveis” que procura desenvolver o debate sobre diversos temas relacionados à sustentabilidade ambiental, tais como florestas, reserva legal e APPs, resíduos sólidos e poluição, água e limitações ambientais ao direito de propriedade, aquecimento global, cidades, zoneamento ecológico- econômico, mineração e unidades de conservação.
Para exemplificar, veja-se que se enfrentou a discussão sobre o novo Código Florestal mediante convite dos representantes do setor produtivo, do Estado, além de ambientalistas, para debater com os advogados paraenses. Tudo a beneficiar uma visão ampla e multifocal da questão em que cada qual apresentou sua posição sobre a aplicabilidade e viabilidade da proposta legislativa.
O resultado do “Diálogo” é o destaque dos pontos controversos, fundamentalmente expostos pelos envolvidos, e consensos que transformam-se em relatório disponibilizado a toda comunidade interessada.
O papel das Escolas Superiores de Advocacia da OAB, portanto, é captar essa revolução pedagógica do ensino jurídico e produzir a adequação necessária dos profissionais do direito destacando sua inserção crítica no debate do meio ambiente como agente transformador e diretamente envolvido nas conseqüências da preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
"Palestra apresentada no III Encontro Nacional das Comissões de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. 04 e 05 de junho de 2011. Paragominas/PA."
____________________________________
Luiz Alberto G. S. Rocha - Diretor-Geral da ESA/PA, Membro do Conselho da ENA e da OAB Editora, Doutor em Direito do Estado/USP -luizalbertorocha@hotmail.com