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O direito de defesa e a saga dos advogados criminalistas - Edilson Santiago

DSC_2415Recentemente, assistimos estarrecidos pela televisão à violência cometida contra o Advogado Roberto Podval, defensor do casal Nardoni. Com destemor, competência e altivez ele exerceu o sagrado Direito de Defesa, em nome de acusados que já estavam condenados pela mídia e pela opinião pública. Inclusive sendo alvo de agressão física e de inúmeras outras de natureza moral, que não o alcançaram por ser ele portador de inatingível dignidade pessoal. A incompreensão histórica que acompanha, os Advogados Criminalistas e que agora recrudesceu, faz com que sejam vistos como cúmplices do cliente.

Muitos os consideram como Advogados do Crime, e não porta-vozes dos Direitos Constitucionais e Processuais do Acusado. O que muito têm contribuído para a construção de uma imagem negativa da Advocacia Criminal e, o que é mais grave, tem contribuído para apequenar o próprio Direito de Defesa. Passou ele, o Advogado Criminalista, a ser considerado como desnecessário e inconveniente. Quem assim age e pensa, esquece a noção de que o Direito de Defesa constitui um direito de todos, bem como é inerente a Democracia e expressão indelével da Dignidade da Pessoa Humana.

Constituindo Direito e Garantia Individuai de natureza Penal e Processual Penal, consagrado o Artigo 5º da Constituição Federal, tais como: 
 - presunção da Inocência;
 - ampla e plena defesa;
 - contraditório;
 - direito ao silêncio; 
 - devido processo legal;
 - Proibição da auto-incriminação, entre outros;
 
E que tais Direitos e Garantias configuram cláusulas pétreas previstas na própria Constituição Federal, na forma de seu Art. 60, § 4º, inciso IV.
 
O Advogado Criminalista defende o direito de defesa de toda pessoa, garantido pela Constituição Federal, assim como pugna, como um bom e combativo advogado, para que todos os procedimentos e leis sejam cumpridos quando uma pessoa sofre uma acusação ou é recolhida à prisão. Não cogitam os desavisados que muitos inocentes sofrem a prepotência da ação policial, que às vezes agem fora das normas e preceitos legais, consciente ou inconscientemente.
Em assim ocorrendo lá deve estar o Advogado Criminalista ali para lutar pelos direitos da pessoa. Todos os desavisados com certeza gostariam que assim se procedesse com eles  próprios, caso a "água batesse em suas costas".
Os Advogados Criminalistas precisam "ter estômago", como dizem, serem combativos, guerreiros e corajosos, trazerem consigo um espírito de luta, não só para lutar, dentro do
processo criminal a favor de seu cliente, contra as cotas da excessiva acusação ou eventuais injustiças das sentenças, mas também para enfrentar a oposição ainda maior da sociedade que muitas vezes não compreende suas ações.

Algumas qualidades são essenciais e, segundo Manoel Pedro Pimentel, ao Advogado Criminalista cabe: "coragem de leão e brandura do cordeiro; altivez de um príncipe e humildade de um escravo, fugacidade do relâmpago e persistência do  pingo d'água; rigidez do carvalho e a flexibilidade do bambu". Qualquer cidadão, inocente ou culpado, ou titular de uma pretensão, procedente ou improcedente, tem o direito de recorrer ao Poder Judiciário para se defender e para deduzir a sua postulação.
E os, Advogados, são os agentes do exercício desses direitos perante quaisquer juízos e tribunais, pois exercem  com exclusividade a chamada capacidade postulatória. Somente os Advogados têm o poder de movimentar o Judiciário, que é originariamente inerte.
No Juízo Criminal exercem o Direito de Defesa, sem  o qual o processo nem sequer pode ser instaurado. São, pois, o elo entre o Povo e a Justiça. Assim, estamos violando o Direito de Defesa quando pedimos a condenação de qualquer pessoa no primeiro dia em que seu nome aparece na mídia, impressa ou televisiva, atrelado à prática de um crime ou uma contravenção.
 
Também estamos violando o Direito de Defesa quando toleramos que uma pessoa comum não tenha acesso a todas as instâncias do Poder Judiciário, que não tenha igual oportunidade
de expor sua versão sobre os fatos ou que tenha uma defesa de má qualidade.
Pré-julgamentos destroem reputações. Pessoas são jogadas na fogueira da injustiça. Inocentes pagam um alto preço pelo espetáculo do qual foram protagonistas compulsoriamente.
 
Investigações policiais ou de CPIs, realizadas sob  holofotes cinematográficos, devem sempre merecer redobrada cautela de seus Juízes Naturais.
 
As rotulações dadas às operações policiais, no auge das famosas espetacularizações, servem muitas das vezes, apenas para estigmatizar pessoas, fomentar (pré) conceitos, enodoar julgamentos.
 
Com efeito, uma operação pode ser um sucesso de público e de mídia, mas um fiasco processual, com resultados pífios no âmbito judicial: muitas prisões preventivas, prisões temporárias, delações obtidas mediante “acordos”, apreensões de  bens, todavia, com poucas condenações definitivas.
 
Muitas das vezes, com decisões judiciais de nulidade completa de todo o Inquérito Policial, por falta de provas montado em denúncia genérica, ou sem os seus requisitos de sua admissibilidade. Quanto dinheiro público é desperdiçado nestas midiáticas operações!
 
Em assim ocorrendo lá deve estar o Advogado Criminalista ali para lutar pelos direitos da pessoa.
 
Ressalte-se que o clamor das ruas não espelha, necessariamente, o clamor da justiça. A voz do povo serve para impressionar o legislador (e gerar mais reformas legislativas), serve para a mídia vender seus "produtos" (ou seja: aumentar seu faturamento), serve para reforçar o
imaginário popular de que ele tem voz e vez (e o poder de comando).
Mas não é boa conselheira (ou companheira ideal) para a tomada de decisões razoáveis no âmbito da política  criminal (nem tampouco para a solução judicial de um conflito). Sempre existiu uma natural empatia (da população) em relação a algumas vítimas de delito. O que mudou é que agora  essa empatia é midiatizada, ou seja, potencializada e retroalimentada, porque ela passa a constituir um "produto midiático" (altamente rentável).

Quando a empatia da população se alia a um familiar midiático (pai, mãe, irmão etc. da ítima), que sabe protagonizar e catalisar a ira e a sensação de insegurança da população, tudo se transforma em nitroglicerina pura nas mãos da mídia. As “operações-espetáculo” muitas das vezes desservem o interesse público, na medida em que não passam de mera ilusão de ótica ara fortalecer a crença de se estar reprimindo o crime.
 
Muitas das vezes, a agressão a um bem jurídico tutelado pela lei penal (prática de um crime), mplamente divulgada,  cria no corpo social forte expectativa de punição.
 
Em assim ocorrendo lá deve estar o Advogado Criminalista ali para lutar pelos direitos da pessoa. E, quando esta não vem, a sensação de impunidade é dilacerante.
 
Quando a Justiça é usada de forma injusta, é pior que o criminoso, pior que o crime cometido. É o Estado Delinqüente. No Brasil há uma enorme ânsia de logo se acabar com o processo penal e de logo se jogar na cadeia a pessoa presumida criminosa. Por que não se deixar produzir a prova, e daí sim, julgar com uma convicção.
 
Se o réu tiver de ser condenado, que assim seja, mas uma condenação pelo que ele fez, com base nas provas dos autos, caso contrario que seja absolvido.
 
O Réu é Sagrado. Pobre do país que não protege o seu Réu. O Juiz não está lá para atender os anseios da sociedade, está lá para defender o que é correto, o que é direito.
 
Historicamente tomamos conhecimento da forma como foi julgado o filho do Criador, o nosso “Bom Jesus”. Pela “sociedade enfurecida”, sem Direito de Defesa e sem nenhum Advogado.
 
E passada a magia, a frustração irrompe quando se constata que o julgamento judicial não caminha de mãos dadas com o julgamento das ruas.
 
No Brasil já está se tornando comum o “crime de maior repercussão” receber maior pena. Sem dúvida, esse é o problema da imprensa: ser irresponsável na divulgação das notícias.
O mínimo que se espera de um jornalismo relevante e confiável é a apuração dos fatos. Em um trabalho investigativo, ou em se tratando de assuntos delicados, é mais que necessária a apuração precisa das informações. Escutar os dois lados do fato, por exemplo, é imprescindível.
No entanto, a ânsia pelo furo jornalístico, pela notícia de capa – pelo escândalo – acaba falando mais alto que a ética. Em assim ocorrendo lá deve estar o Advogado Criminalista ali para lutar pelos direitos da pessoa. E neste sentido, cabe aqui como uma luva o “Caso Escola Base”. Fato ocorrido em março de 1994, onde vários órgãos  da imprensa publicaram uma série reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, todas alunas da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação, em São Paulo, capital.  E todos hoje sabemos no que deu tais infundadas acusações e furos jornalísticos.

No “Caso Escola Base” as “mea culpas” da imprensa não foram suficientes para reestruturar vida dos acusados já prejudicados financeira e psicologicamente. Há um enorme abismo entre as desculpas e o impacto das notícias. Durante todo o caso foi possível teorizar um anti-jornalismo debruçado em fontes contraditórias e nada profissionais, matérias sem crédito, acusações sem embasamento. Em assim ocorrendo lá deve estar o Advogado Criminalista ali para lutar pelos direitos da pessoa. Ninguém é contra a liberdade de imprensa. Muito pelo contrário, sabemos do seu importante papel para a sociedade.
 
Mas somos contra o pré-julgamento, a condenação antecipada.
 
Em um Tribunal do Júri, a tendência dos jurados é decidir da forma como a mídia revela os fatos. 
 
Cabe aqui lembrar que jurado julga fato, não julga direito. E conceitos como violenta emoção, provocação injusta, torpeza, motivo fútil, traição, dentre outros tantos, necessitam de apreciação acurada e serena dentro de cada caso.
 
No mundo moderno do Direito, não existe o direito absoluto, até o direito a vida passa a ser relativo, vejamos. Por exemplo, matar é crime?  Você pode matar uma pessoa legitimamente. Pode matar para defender sua filha, sua irmã, sua mãe, como também  para defender a si próprio (a) Tudo tem que ser analisado de uma forma ampla, geral e cuidadosa.
Em assim ocorrendo lá deve estar o Advogado Criminalista ali para lutar pelos direitos da pessoa.
Márcio Thomaz Bastos, em um artigo sobre o caso da  atriz Daniela Perez, já dizia:  
“Um furo de reportagem é um barulho, e quanto mais barulho a mídia faz, mais a população se compadece quanto mais à população se compadece, mais covarde fica o magistrado de tomar a decisão correta. A partir daí, a condenação já não é uma decisão jurídica, é a decisão que o povo quer”.
 
Pela lei, os cidadãos que farão parte do tribunal do júri devem decidir com base no que está nos autos. Ou seja, em tese, ele nunca poderia ter ouvido falar sobre o caso.
 
Como um júri pode ser isento depois de ouvir tantas acusações?
 
Muitas das vezes, os mecanismos usados para condenar são totalmente contrários a forma da lei. O que leva os Advogados Criminalistas, para garantirem o pleno Direito de Defesa de seu Constituinte, postularem junto aos Tribunais Superiores, em especial ao Supremo Tribunal Federal, que costuma ser bastante criticado.
 
Embora tendo muito maior capacidade para julgar, porque está afastado da população, da Polícia, do promotor, mesmo assim sofre pressão, mas sofre menos.
 
Isto porque muitos Tribunais de Justiça Estaduais em “crimes de grande repercussão” como rotula a grande imprensa, se tornam meros  “Tribunais de Passagem”, onde o Advogado Criminalista ali postula tão somente para não suprimir instância.
 
Visto tais tribunais muitas das vezes serem meros homologadores da decisão de 1ª Instancia. 
O Advogado Criminalista é fundamental para a Democracia, para o Exercício da Justiça, para se chegar a uma sentença justa.
 
O artigo 7º, II, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil garante o direito do Advogado de ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins.
 
O Direito não pode tutelar a Vingança. Buscar Justiça é diferente de perseguir a Vingança. A vingança é o velho “olho por olho, dente por dente”.
A busca pela vingança não tem regras, não tem limites. Perseguir a Justiça é diferente.

CONCLUSÃO

Reclamar do exercício Constitucional do Direito de  Defesa é admitir Abuso do Estado. Do Estado Policial que teima em ressurgir a todo o momento.
 
Preterindo assim, o Estado Democrático de Direito estabelecido pela Constituição Federal.
 
A afirmação de que a independência do Direito de Defesa compromete o Judiciário é uma confissão de que há Arbitrariedade do Estado.
 
Fortalecer a Sociedade é fundamental, é o melhor antídoto contra o nascimento ou renascimento de um Estado de Força.
 
Quando se afirma que os Advogados têm direito de Acesso aos Autos, está se dizendo que não pode ocorrer em um país onde impera o Estado Democrático de Direito, processos penais em que as pessoas não sabem do que estão sendo acusadas.
 
É preciso tomar cuidado com o chamado Direito Penal do Inimigo, aquela percepção de defesa do Estado sem preservar as mínimas Garantias Constitucionais do Indivíduo.
 
E no Estado Democrático de Direito não deve prevalecer à máxima tacanha de Maquiavel: “De que os fins justificam os meios”.
 
Hoje alguns membros do Ministério Público têm extrapolado na sua função constitucional querendo se transformar em verdadeiros controladores gerais da Nação. Querem controlar a
OAB, a Magistratura e o Legislativo. Tentam impedir que a Defensoria Pública ajuíze ações civis públicas de defesa da cidadania, dizendo que essa tarefa de controle é só do MP, e
ainda impedir que a sociedade civil também haja assim. 
Não foi para isso que a Constituição Federal criou  o Ministério Público. 
 
O Ministério Público tem de compreender que nasceu para zelar pela Constituição. Hoje no mundo do Direito Penal o MP tem dupla função, uma delas é exercer a fiscalização da lei.
 
Em assim ocorrendo lá deve estar o Advogado Criminalista ali para lutar pelos direitos da pessoa. Afinal a humanidade levou séculos para criar um Estado Democrático de Direitos Mínimos.
 
Embora o caminhar seja Árduo, e sempre o foi, deve os Advogados Criminalistas seguir sua Saga. Continuarem a exercer o glorioso ministério de postular pelo Direito de Defesa e pelo Justo em nome de terceiros, em Benefício da Cidadania e da Democracia. Por fim, a Advocacia Criminal é personalíssima e não se organiza em grandes escritórios ou empresas. Não há clientela, como no caso dos Civilistas, Tributaristas e Advogados Trabalhistas, por
exemplo. Nesta toada, quando o exercício do pleno Direito de Defesa se torna ausente, resultados nada agradáveis podemos esperar.
 
E no Estado do Pará, poderá surgir um dos maiores “erros judiciários” deste país, que foi o Julgamento dos “Emasculados de Altamira”.
 
Veja a matéria veiculada na Mídia eletrônica: 
 
“Emasculados do PA: OAB Estuda Posicionamento em Pedido de Revisão Criminal”

“(...) Brasília, 10/03/2010 - O Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, vai estudar que medida tomará em face do pedido feito na noite desta terça feira pelo presidente da CPI da Pedofilia, senador Magno Malta (PR-ES), de ajuizamento de Ação de Revisão Criminal em favor do médico ginecologista Césio Flávio Caldas Brandão, que, segundo Malta, estaria preso injustamente. O médico foi um  dos condenados pela série de crimes de emasculação e assassinato ocorridos entre 1989 e 1993 contra meninos de 8 a 14 anos na cidade paraense de Altamira, a 777 quilômetros de Belém.
 
Segundo Magno Malta, um serial killer, que se encontra preso em São Luis (MA), teria confessado a autoria de todos os crimes que foram imputados ao médico e o levaram a ser condenado em júri popular. O senador ainda informou que levará o caso à apreciação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), pois sustenta que,  à época, houve falhas graves nas investigações promovidas pelos Ministérios Públicos do Pará e do Maranhão. (grifos nossos)”.
 
*Edilson Norões Santiago – Advogado Criminalista.

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