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A Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Pará, por meio da Comissão de Proteção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, vem a público manifestar sua preocupação com a Nota Técnica Nº 11/2019 intitulada “Nova Saúde Mental”, publicada pela Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde, que incentiva o retorno dos manicômios e de eletroconvulsoterapia.
Em trecho retirado da própria Nota: “Quando se trata de oferta de tratamento efetivo aos pacientes com transtornos mentais, há que se buscar oferecer no SUS a disponibilização do melhor aparato terapêutico para a população. Como exemplo, há a Eletroconvulsoterapia (ECT), cujo aparelho passou a compor a lista do Sistema de Informação e Gerenciamento de Equipamentos e Materiais (SIGEM) do Fundo Nacional de Saúde, no item 11711. Desse modo, o Ministério da Saúde passa a financiar a compra desse tipo de equipamento para o tratamento de pacientes que apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários a outras abordagens terapêuticas (National Institute for Clinical Excellence, N., Guidance on the use of electroconvulsive therapy. 2014, National Institute for Clinical Excellence: London; Mochcovitch, M.D., et al., Diretrizes Terapêuticas para Eletroconvulsoterapia - Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Médica Brasileira, in Projeto Diretrizes. 2013, AMB/CFM)”.
Essa e outras passagens da referida nota indicam como medidas a serem tomadas, a ampliação de leitos em hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas nas RAPs - Rede de Atenção Psicossocial, além do financiamento da compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia.
Tais medidas reforçam a ideia já obsoleta de internação e vão na contramão da luta antimanicomial.
De acordo com dados do Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, realizado em 2017 pela iniciativa conjunta do Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF), 28 (vinte e oito) estabelecimentos, das cinco regiões do Brasil, encontrando-se violações como: privação de liberdade, trabalhos forçados e internação de adolescentes.
De acordo com a inspeção nacional, foram constatadas violações de direitos humanos em comunidades terapêuticas. Vinte e oito estabelecimentos, das cinco regiões do Brasil, foram vistoriados em outubro de 2017 em ação conjunta do Ministério Público Federal, do Conselho Federal de Psicologia e do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Privação de liberdade, trabalhos forçados e internação de adolescentes estão entre as violações identificadas. Destaca-se que a diferenciação posta na legislação entre deficiência intelectual e deficiência mental não é por acaso.
Essa distinção incorpora na agenda de proteção as pessoas com transtornos mentais – incluindo os decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Fundamentando-se nessa convenção, em 2015, o Brasil aprovou a Lei Brasileira de Inclusão, que reforça o veto ao tratamento ou institucionalização forçados. De acordo com o art. 11 da Lei nº 13.146/2015, cidadãos e cidadãs com deficiência não poderão ser obrigados a se submeter à intervenção clínica ou cirúrgica, a tratamento ou a institucionalização forçados. Ratifica-se, assim, que a privação de liberdade não pode ter como justificativa a existência da deficiência – inclusive a mental decorrente do uso de álcool e outras drogas.
A lógica que orienta essa Convenção é similar àquela que se encontra na Constituição Federal de 1988 e na Lei da Reforma Psiquiátrica, indicando uma convergência entre profissionais do campo da saúde, do direito e dos direitos humanos no Brasil e no exterior. A ênfase do cuidado com a saúde no território – e não em espaços de isolamento – busca justamente o não rompimento dos laços sociais. Assim, essas normas legais convergem no sentido do fim do isolamento e das instituições asilares que o promovem. Elas compartilham a perspectiva de que Estado, sociedade, familiares e usuários dos serviços de saúde mental precisam estar em diálogo permanente. O cuidado, tratamento ou prevenção de danos às pessoas com transtornos mentais é parte da transformação da própria sociedade em uma que seja capaz de conviver com as diversas expressões humanas. São dados que revelam um cenário ainda existente e extremamente combatido em superação a prática de internação como única e principal forma de tratamento da saúde mental.
Há uma preocupação muito forte com o não retorno do uso do modelo médico da deficiência, sob a perspectiva de que pessoas com deficiências necessitam ser tratadas e curadas, relegando-as a um papel de “normalização” social que além de isolar tais indivíduos que em nada favorece na sua evolução ou desenvolvimento, ferindo gravemente a dignidade dos sujeitos com deficiência.
Outra questão é como o procedimento (ECT) será efetivamente utilizado, quem dele fará uso e, não menos importante, quem fiscalizará. Levando em consideração a Convenção Internacional de Direitos das PCD, é preciso pensar também transtornos de ordem mental a partir do modelo social, sendo necessário entender o contexto de vida dos indivíduos com deficiência ou outros transtornos mentais, privilegiando ideais de inclusão e autonomia.
É preciso pensar também transtornos de ordem mental a partir do modelo social, sendo necessário entender o contexto de vida dos indivíduos com deficiência ou outros transtornos mentais, privilegiando ideais de inclusão e autonomia.
Desta feita, a Nota Técnica privilegia o tratamento em hospitais psiquiátricos, financiando meios para tal, o que gera uma profunda preocupação na forma de execução que será adotada, fiscalização desses espaços, e na possibilidade de violações de direitos humanos.
Assim, a Comissão de Proteção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e a Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente estão extremamente preocupadas com a adoção de tais alterações nas Políticas Nacionais de Saúde Mental e de Drogas.