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NEOESCRAVIDÃO URBANA: A PRESENÇA DE CONDIÇÕES DEGRADANTES DO TRABALHO ENVOLVENDO TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA DO SETOR TERCIÁRIO BRASILEIRO
A presente pesquisa é reflexo de uma preocupação acadêmica e pessoal que começou a se desenvolver a partir do término da graduação em Direito, chegando até o momento atual. Logo, associar o estudo das pessoas com deficiência em relação ao mundo do trabalho se constitui a principal trajetória científica que vem sendo percorrida. Entretanto, é importante afirmar que grupos socialmente mais vulneráveis, como as mulheres, as populações afro-descendentes e as demais populações socialmente excluídas, com destaque para as pessoas com deficiência, sempre foram vítimas, ao longo da história da humanidade, das atitudes discriminatórias praticadas pelos detentores do poder, isto é, o Estado, empregadores, grupos religiosos conservadores e extremistas, entre outros.
Especificamente retratando as pessoas com deficiência, a atribuição de adjetivos pejorativos que consideravam como “serem inferiores”, “inúteis”, “inválidos” etc., sinalizava a prática da discriminação promovida pelos grupos dominantes do poder, cujo resultado foi promover o afastamento delas do convívio social, reduzindo-as, assim, a condições subumanas de vida. Somando-se a esse fator, muito embora, atualmente, haja uma legislação nacional e internacional direcionada à defesa dos direitos em prol das pessoas com deficiência, porém, no Brasil, a discriminação praticada por alguns empregadores ainda continua sendo uma triste realidade presenciada, principalmente no interior de alguns ambientes laborais de empresas públicas e privadas dos setores da economia brasileira, com destaque ao setor terciário em suas atividades de construção civil, comércio lojista, artesanato, serviço doméstico, entre outras. Este setor é referenciado, pois é o que tem absorvido o maior contingente de mão de obra de trabalhadores c Com ou sem deficiência nos últimos anos, comparado aos outros demais setores da economia, conforme a comprovação de dados estatísticos recentes divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em seu órgão Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) (1).
Por outro lado, a importância de estudar as condições degradantes do trabalho direcionado às pessoas com deficiência não é uma tarefa simples. Pelo contrário, órgãos como Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, têm constantemente verificado, perante o setor terciário nacional, a presença de elementos específicos que caracterizam o advento de trabalho em condições degradantes para as pessoas com deficiência, dentre os quais está, por exemplo, o não fornecimento de equipamentos de segurança e proteção individual (EPIs) para aquelas atividades laborais de riscos à saúde; o descumprimento legal da promoção à acessibilidade/locomoção; a baixa remuneração salarial paga aos trabalhadores com deficiência comparada aos demais trabalhadores sem deficiência voltada para um mesmo ramo de atividade laboral exercida; o exercício de atividades laborais totalmente incompatíveis com o tipo específico de deficiência apresentada por aquele trabalhador; a violência psicológica advinda do assédio moral ou de atitudes discriminatórias praticado por alguns empregadores, entre outras práticas.
Portanto, apesar da presença desses elementos elencados anteriormente, poder contribuir na ampliação dos conhecimentos sobre a temática em questão, a partir do momento em que há o propósito de promover uma discussão e análise acerca da atual situação de condições degradantes do trabalho vivenciada por uma parcela de trabalhadores com deficiência, com suporte contratual válido, no ambiente laboral do setor terciário brasileiro, é meta a ser explanada nesse trabalho.
2. Neoescravidão urbana: conceito e características
Cotidianamente, tem-se presenciado situações que, vez ou outra, são noticiadas pelos veículos de comunicação relatando a ocorrência do “trabalho escravo”. Segundo José Cláudio Brito Filho (2), “de todas as formas de superexploração do trabalho, com certeza o trabalho em condição análoga à de escravo, ou, como é mais conhecido, o trabalho escravo, é a mais grave”, além do quê, o trabalho escravo “é a violação mais grave da dignidade da pessoa humana” (3). Não obstante a doutrina majoritária considerar a ocorrência do trabalho escravo, há posicionamentos doutrinários que discordam de sua existência, por entenderem que há apenas o desrespeito de algumas normas da CLT no que tange às “condições inadequadas de alojamento e alimentação, ainda mais quando se consideram os padrões, sempre bastante elevados e completamente irrealistas requeridos pelas normas trabalhistas” (4).
Por outro lado, ressalta-se que, inicialmente, o Brasil ratificou as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (5) acerca da proibição e combate ao trabalho escravo. Porém, a análise do conceito de “trabalho escravo”, perante o ordenamento jurídico nacional, foi ampliada após o advento da Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003, na regra do artigo 149 do Código Penal, que passou a considerar o trabalho escravo como gênero, aceitando quatro novas espécies de sua execução: sujeição alheia a trabalhos forçados; sujeição alheia a jornada exaustiva; sujeição alheia a condições degradantes de trabalho, e restrição, por qualquer meio, da locomoção alheia em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Antes do advento da legislação penal, a compreensão acerca do trabalho escravo era genérica, pois a redação original do artigo 149 informava que o delito em tela se consumava, a partir do momento em que a vítima obtinha a restrição de sua liberdade, reduzindo-a, tão somente, a condição jurídica de coisa (6). Com o surgimento da nova lei, o conceito de “trabalho escravo” foi ampliado, sendo que a análise da “liberdade” ficou restrita a um dos elementos que é o “trabalho forçado”, ao passo que a “dignidade da pessoa humana” passou a assumir o fundamento maior para a proibição de todas as formas de redução do homem à condição análoga à de escravo. Por esse motivo, o trabalho escravo pode ser considerado como “o exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos da dignidade do trabalhador” (7).
Além disso, é notório que o trabalho escravo ainda continua vitimando muitos trabalhadores brasileiros, cuja maior incidência é presenciada no meio rural em virtude de heranças históricas deixadas por um passado colonial que insiste em perpetuar aquele cenário social. Contudo, é importante afirmar que o ambiente urbano brasileiro também tem sido palco do crescimento do trabalho escravo, principalmente em seu setor terciário de economia, pois este último, nos últimos anos, é o que tem obtido o maior crescimento econômico, absorvendo um maior contingente de mão de obra de trabalhadores. Ratificando o crescimento do trabalho escravo no ambiente urbano, Wilson Ramos Filho (8) chama atenção para o fato de que:
“Do ponto de vista analítico, além do trabalho escravo rural contemporâneo, mais frequentemente explorado e, por tal razão, noticiado, diferenciem-se duas outras espécies de ‘trabalho escravo urbano contemporâneo’, a primeira, o trabalho prestado nas cidades em condições análogas à de escravo sem suporte contratual válido, e, a segunda, o trabalho oferecido nas cidades com suporte contratual prestado em situações análogas à de escravos, cuja descrição e tipificação encontram-se no Código Penal, em seu artigo 149, alterado pela Lei n. 10.803/2003. A essa segunda espécie, prestado nas cidades, com suporte contratual válido, por trabalhadores em situação análoga à de escravos, propõe-se a denominação ‘neoescravidão urbana’ ou a denominação de ‘trabalho urbano prestado em condições de neoescravidão’.”
Considerando o comentário retro, o trabalho escravo urbano contemporâneo sem a presença do suporte contratual válido assemelha-se com o trabalho escravo rural realizado no período do Brasil - colonial, em que havia o trabalho exercido pela mão de obra escrava negra, laborando em condições aviltantes, cujas vítimas tinham sua liberdade totalmente tolida pelos senhores escravocratas. Atualmente, o trabalho escravo urbano contemporâneo sem a presença do suporte contratual válido reconhece na figura dos trabalhadores imigrantes clandestinos um de seus exemplos de ocorrência, além de outras situações como o tráfico de pessoas para fins sexuais ou dos “soldados do tráfico de drogas”, ou, ainda, pessoas empregadas em casas de jogos, e outros tantos (9). Com relação ao trabalho escravo urbano contemporâneo com a presença do suporte contratual válido, mais conhecido como “neoescravidão urbana”, tem-se a presença de trabalhadores que, mesmo estando com seu registro devidamente realizado em seu contrato de trabalho, porém são reduzidos à condição de trabalho escravo urbano, uma vez que seus direitos fundamentais sociais, dentre os quais está o direito do trabalho, vêm sendo descumpridos pela grande maioria dos tomadores de serviço. No caso específico dos trabalhadores com deficiência, tal situação também é vivenciada em decorrência do descumprimento da legislação constitucional e infraconstitucional de proteção aos direitos desses sujeitos, dentre os quais está o direito à acessibilidade; direito ao trabalho; direito à proteção à discriminação/preconceito, entre outros (10).
Conforme ressaltado anteriormente, a Lei 10.803/03, ao modificar a regra do artigo 149, possibilitou que o trabalho escravo passasse a ser analisado sob novas espécies caracterizadoras, dentre as quais estão as “condições degradantes de trabalho”. Mesmo com o advento da nova legislação, porém continua não havendo um conceito fechado e pré-definido acerca da definição de “trabalho degradante”, pelo contrário, caracteriza-se por ser um conceito de categoria axiológica aberta, cuja análise de apreciação subjetiva do intérprete e do aplicador da norma constitui-se como uma tarefa a ser cumprida. Entretanto, é possível identificar elementos que possam caracterizar a ocorrência de condições degradantes de trabalho, sendo que para Márcio Túlio Viana:
“O trabalho degradante envolve cinco categorias distintas. A primeira diz respeito ao próprio trabalho escravo stricto sensu, que pressupõe a ausência de liberdade do trabalhador. A segunda concerne à jornada exaustiva, seja ela extensa ou intensa, bem como ao abuso do poder diretivo do empregador, capaz de gerar assédio moral e situações análogas. A terceira categoria relaciona-se com o salário, que deve corresponder pelo menos ao mínimo, e não sofrer descontos não previstos em lei. A quarta diz respeito à saúde do trabalhador que é alojado pelo empregador, dentro ou fora da fazenda, constituindo condições degradantes a água insalubre, a barraca de plástico, a ausência de colchões ou lençóis e a comida estragada ou insuficiente. A quinta e última categoria refere-se à ausência de condições mínimas de sobrevivência do trabalhador, em função da conduta do empregador, que não lhe oferece condições de sair dessa vil situação.” (11)
Na mesma linha de raciocínio, José Cláudio Brito Filho acrescenta:
“Assim, se o trabalhador presta serviços exposto à falta de segurança e com riscos à sua saúde, temos o trabalho em condições degradantes. Se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador, como o direito de trabalhar em jornada razoável e que proteja sua saúde, garanta-lhe descanso e permita o convívio social, há trabalho em condições degradantes. Se, para prestar o trabalho, o trabalhador tem limitações na sua alimentação, na sua higiene, e na sua moradia, caracteriza-se o trabalho em condições degradantes. Se o trabalhador não recebe o devido respeito que merece como ser humano, sendo, por exemplo, assediado moral ou sexualmente, existe trabalho em condições degradantes.” (12)
Considerando ambos os comentários, pode-se perceber que o trabalho degradante é oriundo do desrespeito aos direitos fundamentais sociais do trabalhador, ferindo, com isso, a dignidade da pessoa humana, a exemplo do ocorre com os trabalhadores com deficiência, cujos fatores biológico ou adquirido (13), que definem tal condição de deficiência, continuam sendo infringidos por determinados tomadores de serviço em virtude da realização de certos elementos caracterizadores do trabalho degradante, citados anteriormente pelos doutrinadores.
Além disso, apesar da doutrina majoritária considerar “condições degradantes do trabalho” ou “trabalho em condições degradantes” ou “trabalho degradante”, todas como mesmo significado, entretanto, há doutrinadores que fazem diferenciação entre o termo “condições degradante de trabalho/trabalho em condições degradante” com “trabalho degradante”. Segundo Phillippe Gomes Jardim (14), o “trabalho em condições degradantes/condições degradante de trabalho” se definiria pela relação entre o trabalhador e os meios de prestação do trabalho, ao passo que o “trabalho degradante” pelo tipo de atividade realizada. Enfim, nas condições degradantes de trabalho, o termo “degradante” destacaria as condições; no trabalho degradante, o termo “trabalho” sobressairia. Nesse sentido, o direito do trabalho reconheceria a legalidade do trabalho degradante, enquanto que as condições degradantes de trabalho são absolutamente incompatíveis não apenas com a proteção nacional, mas também com os ditames expressos no direito internacional do trabalho e, ainda, com a legislação penal brasileira.
Contrapondo-se ao conceito de “trabalho degradante”, tem-se o chamado “trabalho decente” que é praticado quando o Estado assume a obrigação de oferecer:
“Um conjunto mínimo de direitos em prol do trabalhador que corresponda à existência de trabalho; a liberdade de trabalho; a igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e a preservação de sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; a liberdade sindical; e a proteção contra os riscos sociais.” (15)
Considerando o comentário retro, no caso específico dos trabalhadores com deficiência, o trabalho decente ocorre à medida que seus direitos mínimos são respeitados tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada, ou seja, quando há proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (artigo 7º, XXXI, CF/88), garantia de jornada variável, horário flexível, proporcionalidade de salário, ambiente de trabalho adequado ao tipo específico de deficiência daquele trabalhador (16), entre outros direitos.
3. A legislação de defesa dos direitos humanos para as pessoas com deficiência: breves considerações
É importante ressaltar também que o trabalho escravo envolvendo as pessoas com deficiência sempre suscitou discussão e crítica perante os defensores dos direitos humanos daquele público alvo. Por conta disso, houve a preocupação de fomentar políticas públicas direcionadas à criação de leis de amparo aos direitos fundamentais sociais (17) das pessoas com deficiência, quer seja no Brasil e no mundo, como forma de combater e eliminar as péssimas condições de trabalho ou trabalho degradante vivenciada por aquelas pessoas, tanto no ambiente urbano quanto no rural. Destarte, com o passar do tempo, a legislação internacional e nacional se aperfeiçoava, trazendo consigo direitos até então inexistentes em benefício das pessoas com deficiência, tais como direito ao trabalho, direito à promoção da acessibilidade/locomoção; direito à reabilitação profissional entre outros.
Especificamente retratando a legislação internacional, Maria Aparecida Alkimin (18) explica que organismos internacionais, sob a liderança da Organização das Nações Unidas (ONU), tiveram a preocupação de instituir normas de proteção aos direitos das pessoas com deficiência, dentre as quais estão as convenções, declarações, resoluções, entre outras (19).
Por outro lado, a legislação internacional servira de base ideológica para a promulgação da atual Constituição brasileira e demais leis infraconstitucionais que passaram a assumir o compromisso de garantir e defender o direito dos trabalhadores com ou sem deficiência contra qualquer atitude discriminatória dos tomadores de serviço que conduzisse à realização de um trabalho degradante. Por conta disso e considerando as constantes mudanças ocorridas no cenário internacional em defesa dos direitos humanos dos grupos menos favorecidos da sociedade capitalista, a exemplo das pessoas com deficiência, estas obtiveram a consolidação dos seus direitos fundamentais sociais com o advento da Carta Magna de 1988, tendo em vista que:
“Deixou de lado um modelo assistencialista, antes vigente, para dar lugar a uma integração social da pessoa portadora de deficiência, facilitando-lhe o acesso aos meios de transporte, aos edifícios, às escolas e ao mercado de trabalho.” (20)
Em virtude do abandono do modelo assistencialista, ampliaram-se os direitos fundamentais sociais em prol dos cidadãos com deficiência. Dentre esses direitos, cita-se, como exemplo, o direito à acessibilidade às cidades, às edificações e aos transportes coletivos, presente na regra dos artigos 227, § 2º (21) e 244 (22) da CF/88; o direito à habilitação e reabilitação profissional, presente na regra do artigo 203, IV (23), CF/88; o direito ao trabalho, cujo artigo 7º, XXXI, CF/88, estipula “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”; o direito à saúde, presente na regra do art. 196 (24), CF/88, além do direito a educação (25) e assistência social (26) como outros direitos garantidos às pessoas com deficiência. Quanto à legislação infraconstitucional, os Decretos-leis 3.298/99 (27) e 5.296/04 (28) também foram criados em prol da defesa dos direitos das pessoas com deficiência, além de algumas leis federais, tais como a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989 (29); a Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 (30); a Lei 8.069/90, referente ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (31), cujo artigo 66 obriga que a sociedade brasileira atente para a proteção do trabalho do adolescente com deficiência, a fim de possibilitar sua integração adequada na sociedade, afastando-o da marginalidade e da exclusão social; a Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (32); a Lei 10.048, de 8 de novembro de 2000 (33) e a Lei 11.788, de 25 de setembro de 2008, referente ao estágio dos estudantes, que também veio contemplar os estudantes com deficiência. Dentre os direitos garantidos a esse público alvo, tem-se a regra do artigo 11 (34), que estabelece a duração do estágio de no máximo dois anos, salvo se o estagiário apresentar alguma deficiência, pois nessa situação, o prazo poderá ultrapassar o limite máximo.
Todavia, deve-se considerar que, mesmo com a promulgação da Constituição de 1988 e do surgimento de algumas leis infraconstitucionais mencionadas, atualmente, muitos trabalhadores com deficiência do setor terciário urbano brasileiro continuam tendo seus direitos fundamentais sociais infringidos por uma parcela de tomadores de serviço, ocasionando, com isso, a incidência do trabalho degradante quando é verificada, por exemplo, a prática da violência psicológica através do assédio moral ou da discriminação ao tipo específico de deficiência daquele trabalhador (35) no interior dos ambientes laborais; quando há o descumprimento legal no que tange à reserva de vagas para pessoas com deficiência dentro daquele percentual estipulado pela lei de cotas da previdência; quando não há o fornecimento de equipamentos de segurança e proteção individual (EPIs) para aquelas atividades laborais de riscos à saúde; quando há a restrição à acessibilidade/locomoção do trabalhador com deficiência a seu ambiente laboral (36); quando há carência de investimentos para aquisição das chamadas “tecnologias assistivas” (37), entre outras infrações.
Dessa forma, considera-se que a presença de condições degradantes do trabalho o no setor terciário da economia brasileira, setor este que, atualmente, tem absorvido o maior contingente de mão de obra de trabalhadores com deficiência, está associada à ocorrência de alguns daqueles fatores apontados no parágrafo anterior, além de outros como: a ausência do poder público em promover maior fiscalização eintervenção no combate ao trabalho escravo urbano, ocasionando, na maioria das vezes, a impunidade dos infratores; a falta de aparelhamento no que se refere à carência de investimentos em equipamentos de segurança, qualificação profissional etc., perante os órgãos de fiscalização/repressão como as DRTs, Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho, entre outros; a ausência de parceria entre o poder público com a iniciativa privada para realização de ações afirmativas (38) de inclusão social direcionadas à modernização da infraestrutura dos ambientes laborais, na aquisição de equipamentos adaptados aos tipos específicos de deficiência dos trabalhadores, na realização de cursos de capacitação profissional, entre outros (39).
Por outro lado, ressalta-se que, atualmente, o trabalho escravo urbano é menos praticado em comparação ao trabalho escravo rural (40), muito embora haja semelhança entre ambos no que se refere ao desrespeito à dignidade da pessoa humana quando aquele trabalhador com deficiência se encontra em situação(s) de trabalho degradante. Dentro desse panorama de conturbação social, o trabalho degradante passa a ser avaliado sob dois importantes fatores que são o axiológico e factual, sendo que o descumprimento de qualquer um deles contribui para a ocorrência do trabalho degradante.
Seguindo os ensinamentos de Herrera Flores (41), o fator factual tem a preocupação de adequar uma relação de trabalho concreta à determinação legal incidente sobre tal relação, isto é, nesse tipo de fator, o tomador de serviços cumpre com os direitos pré-estipulados na Constituição federal e nas leis infraconstitucionais em prol de uma relação de trabalho que beneficie os trabalhadores com deficiência, visando evitar a prática do trabalho degradante, a exemplo da lei de promoção à acessibilidade (Decreto 5.296/04), quando há preocupação, por parte do empregador, de adequar o espaço físico laboral para atender o tipo específico de deficiência do trabalhador mediante a eliminação de barreiras/obstáculos, além de investimentos em ajuda técnica (42). Com relação ao fator axiológico, respeita-se o conceito de dignidade da pessoa humana do trabalhador com deficiência, associada a outros valores como liberdade e igualdade. Destarte, entende-se que o fator axiológico se direciona para o próprio ser humano, independentemente se ele apresenta ou não alguma deficiência, ao mesmo tempo em que é contrário a qualquer tipo de atitude(s) discriminatória(s) promovida por um tomador de serviços, a fim de que possa ser responsabilizado caso venha contribuir para ocorrência do trabalho degradante em seu empreendimento de negócio.
4. O respeito à “dignidade” do trabalhador com deficiência contra a neoescravidão urbana
Além da legislação de proteção aos direitos humanos em prol das pessoas com deficiência, tem-se também o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana que considera o ser humano como centro de todas as ações. Mesmo que uma pessoa apresente alguma limitação biológica ou adquirida, porém, isso não é obstáculo para que a impeça de conviver harmonicamente em sociedade, usufruindo dos direitos de cidadania estabelecidos pela Constituição e legislação infraconstitucional (43). É importante relembrar que o termo “dignidade” passou a ser considerado como elemento principal do art. 149 do Código Penal, após a promulgação da Lei 10.803/03 que redefiniu e ampliou a definição de trabalho escravo, trazendo consigo novos elementos caracterizadores. Dessa forma, o fundamento maior para a proibição do trabalho análogo ao de escravo, atualmente, é a dignidade, cujo significado não é estático, pelo contrário, é constantemente analisado e discutido perante os doutrinadores os quais atribuem diferentes interpretações.
O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser considerado como “o fim supremo de todo o direito; logo expande os seus efeitos nos mais distintos domínios normativos para fundamentar toda e qualquer interpretação (44)”. Dessa forma, percebe-se que o princípio se apresenta como fonte suprema em comparação com os demais outros princípios normativos, além de direcionar suas atenções para o próprio indivíduo, respeitando sua dignidade. É importante ressaltar também que o conceito de dignidade humana surgiu em ocorrência de situações histórico-sociais negativas tais como a escravidão, o preconceito racial, o racismo, as perseguições políticas, a inquisição, o nazismo entre outros. Para ilustrar a infringência à dignidade humana, Fábio Comparato, a título de exemplo, informa que além de instituições penais ou fábricas de cadáveres, o Gulag soviético e o Lager nazista foram grandes máquinas de despersonalização de seres humanos no passado, uma vez que ao ingressar num campo de concentração nazista, o prisioneiro perdia não apenas a liberdade e a comunicação com o mundo externo, mas principalmente seu próprio ser, sua personalidade, com a substituição fortemente simbólica de seu nome por um número, muitas vezes gravado em seu próprio corpo, como se fosse uma marca de propriedade de um gado (45). E continua:
“Analogamente, a transformação das pessoas em coisas realizou-se de modo menos espetacular, mas não menos trágico, com o desenvolvimento do sistema capitalista de produção (...). Enquanto o capital é, por assim dizer, personificado e elevado à dignidade de sujeito de direito, o trabalhador é aviltado à condição de mercadoria, de mero insumo no processo de produção, para ser ultimamente, na fase de fastígio do capitalismo financeiro, dispensado e relegado ao lixo social como objeto descartável (...).” (46)
Observa-se nos comentários de Fábio Comparato que há uma redução humana à condição de trabalho escravo, a partir do momento em que o ser humano passa a ser tratado como simples mercadoria, a serviço da produção capitalista, sendo que, após ser utilizado para o trabalho, passa a ser descartado como se fosse um objeto sem mais nenhuma utilidade. Por conta disso, verifica-se uma afronta à dignidade da pessoa humana, pois uma das espécies caracterizadoras do trabalho escravo, no caso, as condições degradantes de trabalho, contribui para a negação das condições mínimas de trabalho, a ponto de equiparar o trabalhador a uma coisa ou a um bem (47).
Em virtude de tais acontecimentos, a dignidade, cuja finalidade primordial é promover o bem de todo e qualquer ser humano, independentemente de sua etnia, raça ou condição social, assumiu o propósito de proteger a natureza humana (48), mais especificamente, proteger o próprio homem enquanto ser social dotado com sua liberdade de pensar e agir. Dessa forma, a dignidade humana é um bem jurídico inerente e irrestrito a todo cidadão que visa promover o desenvolvimento e a preservação de valores, dentre os quais se encontra a intimidade e a vida privada para que se tenha uma vida feliz (49). Ainda com relação à natureza humana, Rizzatto Nunes assevera que a dignidade nasce com a pessoa, sendo-lhe inerente à sua essência. Contudo, nenhum indivíduo é isolado, haja vista que ele nasce, cresce e vive no meio social. E aí, nesse contexto, sua dignidade ganha um acréscimo de dignidade. Ele nasce com a integridade física e psíquica, mas chega um momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento, isto é, sua liberdade, sua imagem, sua intimidade, sua consciência religiosa científica, espiritual etc., tudo compõe o universo de sua dignidade (50).
Todavia, Ingo Sarlet considera que a dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (51).
Portanto, pode-se observar que a dignidade não está relacionada apenas com aspecto moral-subjetivo de cada ser humano, mas também ela repercute no plano jurídico-material, mediante a intervenção do poder público na vida da sociedade, pois é a própria dignidade que deve realizar a produção dos efeitos também no plano material, como fator responsável que impõe obrigações ao Estado e a toda a sociedade. Por conta disso, não se pode falar em dignidade da pessoa humana se isso não se materializa em suas próprias condições de vida, ou seja, como falar em dignidade sem direito à saúde ou a um trabalho digno, por exemplo, enfim, sem o direito de participar da vida em sociedade com um mínimo de condições essenciais de sobrevivência? (52)
5. Conclusão
Em face das diferentes opiniões retratadas nesse artigo acerca do trabalho escravo urbano, é importante que o poder público, os empregadores e a sociedade civil estabeleçam juntos o compromisso de tratar qualquer cidadão, independentemente se ele estiver na condição ou não de pessoa com deficiência, com dignidade e respeito, ou seja, como verdadeiro ser humano capaz de concepções inteligentes sobre a forma pela qual sua vida deve ser vivida, e de agir de acordo com a liberdade sobre ela. Agindo dessa forma, contribui-se para evitar a ocorrência da neoescravidão urbana, tendo em vista que, primeiramente, está se valorizando a própria condição de dignidade inerente à pessoa humana.
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(2) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração do trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno. 2.ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 61.
(3) ROMITA, Arion. Direitos fundamentais na relação de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 253.
(4) REZENDE, Gervásio Castro. Uma crítica à crença generalizada de que existe “trabalho escravo” na agricultura brasileira. Revista Jurídica Consulex. Brasília, ano XIII, n. 294, 15 abr. 2009, p. 25.
(5) Referem-se às Convenções que foram criadas com o propósito de combater todas as formas de trabalho escravo ou forçado, obrigando todos os países signatários a adotarem medidas legais de erradicação do trabalho escravo. A OIT preferiu utilizar a nomenclatura “trabalho forçado ou obrigatório”, conceituando-o na regra do artigo 2º da Convenção n. 29 como “(...) todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. Quanto a Convenção n. 105, esta veio ampliar o conceito de “trabalho obrigatório ou forçado”, obrigando os países que a ratificaram a buscar meios suficientes para eliminação de toda forma de trabalho forçado oriundo de sanção, castigo, medida de coerção ou educação, falta disciplinar, entre outras, de acordo com que estipula a regra do seu artigo 1º. Disponível em: <http://www.oit.org.br/prgatv/in_focus/trab_esc.php>. Acesso em: 03 jul. 2011.
(6) É dentro desse contexto que “o trabalho escravo surge como a negação absoluta do valor da dignidade humana, da autonomia e da liberdade, ao converter pessoas em coisas e objetos”. In: PIOVESAN, Flávia. Trabalho escravo e degradante como forma de violação aos direitos humanos. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Marcos Neves (Coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTr, 2006, p. 164.
(7) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga à de escravo: análise a partir do trabalho decente e de seu fundamento, a dignidade da pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Op. cit., p. 133.
(8) RAMOS FILHO, Wilson. Trabalho degradante e jornadas exaustivas: crime e castigo nas relações de trabalho neoescravistas. Revista Direitos Fundamentais e Democracia - Unibrasil. Curitiba, v. 4, p. 3, set. 2008.
(9) Ibidem, p. 4.
(10) Seguindo a linha de raciocínio: “o trabalho escravo se manifesta quando direitos fundamentais são violados, como o direito a condições justas de um trabalho que seja livremente escolhido e aceito, o direito à educação e o direito a uma vida digna”. In: PIOVESAN, Flávia. Trabalho escravo e degradante como forma de violação aos direitos humanos. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Marcos Neves (Coord.). Op. cit., p. 164.
(11) VIANA, Márcio Túlio. Trabalho escravo e “lista suja”: um modo original de se remover uma mancha. Revista LTr: legislação do Trabalho, São Paulo, v. 71, n. 8, p. 927, ago. 2007.
(12) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga à de escravo: análise a partir do trabalho decente e de seu fundamento, a dignidade da pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Op. cit., p. 133.
(13) Nesse sentido, é importante ressaltar que: “(...) um homem não pode ser considerado moralmente inferior com base em alguma característica física, racial ou em um outro tipo de característica que ele não pode evitar ter (...)”. In: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 386.
(14) JARDIM, Phillippe Gomes. Para uma crítica ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil: dos direitos humanos à neoescravidão apud RAMOS FILHO, Wilson. Op. cit., p. 15.
(15) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga à de escravo: análise a partir do trabalho decente e de seu fundamento, a dignidade da pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Op. cit., p. 128.
(16) É dever do poder público promover a inserção do trabalhador com deficiência ao mercado de trabalho, e, quando lá estiver, que sejam garantidos seus direitos trabalhistas, conforme é apresentado pelo Decreto nº. 3.298/99, cuja redação do art. 2º informa que: “cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar à pessoa portadora de deficiência, o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho (grifo nosso), ao desporto, ao turismo, ao lazer, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à edificação pública, à habitação, à cultura, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico”. O artigo 35, § 2º, do mesmo decreto, informa: “consideram-seprocedimentos especiais os meios utilizados para a contratação de pessoa que, devido ao seu grau de deficiência, transitória ou permanente, exija condições especiais, tais como jornada variável, horário flexível, proporcionalidade de salário, ambiente de trabalho adequado à suas especificidades, entre outros (grifo nosso)”.
(17) De acordo com a doutrina majoritária, entende-se que os direitos humanos, uma vez positivados no ordenamento jurídico dos países, dão ensejo aos chamados “direitos fundamentais sociais”.
(18) ALKIMIN, Maria Aparecida. A violência na relação de trabalho e a proteção à personalidade do trabalhador. 2007. 284f. Tese (Doutorado em Direito das Relações Sociais), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, p. 157.
(19) Normas internacionais de proteção aos direitos das pessoas com deficiência disponíveis em: <http://www.portaldeacessibilidade.rs.gov.br/portal/index.php?id=legislacao&cat=6>. Acesso em: 02 set. 2011.
(20) LOPES, Gláucia Gomes Vergara. A inserção do portador de deficiência no mercado de trabalho: a efetividade das leis brasileiras. São Paulo: LTr, 2005, p. 53.
(21) Art. 227- É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão: § 2º- A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 29 jun. 2011.
(22) Art. 244 - A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.
(23) Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária.
(24) Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
(25) Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
(26) Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária.
(27) Veio regulamentar a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm>. Acesso em: 02 set. 2011.
(28) Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.
(29) Veio dispor sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7853.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.
(30) Veio ressaltar os Planos de Benefícios da Previdência Social, beneficiando também as pessoas com deficiência. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8213cons.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.
(31) Art. 66 - Ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho protegido. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.
(32) Foi criada com o propósito de estabelecer normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L10098.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.
(33) Dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10048.htm>. Acesso em: 04 set. 2011.
(34) Art. 11 - A duração do estágio, na mesma parte concedente, não poderá exceder 2 (dois) anos, exceto quando se tratar de estagiário portador de deficiência. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11788.htm>. Acesso em: 04 set. 2011.
(35) Verifica-se que há empregadores realizando a prática discriminatória de preferir um trabalhador com deficiência em detrimento de outro, ou seja, é possível uma pessoa com deficiência auditiva, por exemplo, não ser contemplada por aquela vaga ofertada de trabalho em uma determinada empresa e, no seu lugar, vir ocupar uma pessoa com deficiência física. Muito embora sabe-se que o critério de oferta de vagas de trabalho seja relativo, dependendo do tipo de atividade laboral a ser realizada naquela determinada empresa ou empreendimento, contudo, a preterição de uma pessoa com deficiência em detrimento de outra não deixa de ser considerada uma atitude discriminatória por estar infringindo a igualdade de tratamento e acesso ao mercado laboral e, acima de tudo, a própria dignidade da pessoa humana.
(36) Exemplo de descumprimento da norma legal da acessibilidade, pelo setor empresarial lojista, foi constatado em alguns estabelecimentos comerciais da capital Cuiabá-MS, cujos alguns lojistas foram intimados pelo Ministério Público Estadual, a fim de que tais empregadores adéqüem e encontrem mecanismos que garantam a segurança e a acessibilidade, em especial aos seus empregados com deficiência física e demais pessoas com deficiência, nos ambientes comerciais, a exemplo dos corredores das lojas que normalmente são ocupados por mostruários dificultando a locomoção. In: CAMPOS, Dana. MPE discute falta de acessibilidade. Arquitetura.com.br. Disponível em: <http://www.arquitetura.com.br/noticias/noticia.php?idNot=153>. Acesso em: 08 set. 2011.
(37) No Brasil, o Comitê de Ajudas Técnicas - CAT, instituído pela Portaria n° 142, de 16 de novembro de 2006 propõe o seguinte conceito para a tecnologia assistiva: “Tecnologia assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social”. Os recursos podem variar de uma simples bengala a um complexo sistema computadorizado. Estão incluídos brinquedos e roupas adaptadas, computadores, softwares e hardwares especiais, que contemplam questões de acessibilidade, ao passo que os serviços são aqueles prestados profissionalmente à pessoa com deficiência visando selecionar, obter ou usar um instrumento de tecnologia assistiva. Como exemplo, têm-se as avaliações, experimentação e treinamento de novos equipam entos. In: SARTORETTO, Mara Lúcia; BERSCH, Rita. Assitiva: tecnologia e educação. Disponível em: <http://www.assistiva.com.br/tassistiva.html>. Acesso em: 09 set. 2011.
(38) A importância da concretização da(s) ação(s) afirmativa(s) tem por finalidade congregar “medidas que venham implicar na supressão das desigualdades de fato, capazes de ampliar as oportunidades de formação das pessoas com deficiência, com reflexos nas suas condições de trabalho”. In: MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional da igualdade: ação afirmativa. São Paulo: LTr, 2004, p. 133.
(39) Em pesquisa realizada no período de janeiro a julho de 2010, no ambiente laboral de duas empresas privadas do setor empresarial lojista, constatou-se que os trabalhadores com deficiência com baixo nível de escolaridade, ou seja, com nível fundamental completo e médio incompleto, constituíram-se como a maioria, além de receberem baixa remuneração de até um salário mínimo e desenvolverem atividades inferiores comparado aos demais trabalhadores sem deficiência. In: SOUSA JUNIOR, Ariolino Neres. O sistema de cotas de acesso ao mercado de trabalho para pessoas com deficiência. Brasília: Consulex, 2011, p. 149-150.
(40) Disponível em: <http://www.reporterbrasil.org.br/conteudo.php?id=9#6>. Acesso em: 09 set. 2011.
(41) HERRERA FLORES, Joaquin. La reinvención de los Derechos Humanos. Sevilla: Ed. Atapasueños, 2008, p. 129.
(42) De acordo com a regra do art. 8º, inciso V, do Decreto n. 5.296/04 conceitua “ajuda técnica” como: “os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida”.
(43) PASTORE, José. Oportunidade de trabalho para portadores de deficiência. São Paulo: LTr, 2001, p. 225.
(44) SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direitos fundamentais e o contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 21.
(45) COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 23-24.
(46) Ibidem, p. 24.
(47) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Op. cit., p. 72.
(48) Com relação à natureza do ser humano, apresenta-se o comentário de Félix Ruiz Alonso: “A natureza do ser humano mostra dois grandes grupos de atos, em sua atividade: de um lado os atos do homem e, de outro, os atos humanos. Os primeiros são os atos biológicos ou fisiológicos, como a mitose, as batidas do coração, a digestão, etc., ao passo que os atos humanos são aqueles realizados devido às faculdades superiores (inteligência, vontade) como a capacidade de raciocínio, de se socializar com outros homens, de sorrir, de cantar, etc. Portanto, todos os atos, tantos os humanos quanto os do homem são da pessoa (...). A atividade toda é realizada pela natureza da pessoa. O Direito alude à natureza humana para se referir os atos humanos, as mais das vezes e, também, os atos do homem (...)”. In: ALONSO, Félix Ruiz. Dignidade da pessoa e a inviolabilidade da vida. In: AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do. et al. (Coord.). Princípios constitucionais fundamentais: Estudos em homenagem ao professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Lex Editora, 2005, p. 417.
(49) MARQUES, Christiani. Discriminação no emprego. In: ARAUJO, Luiz Alberto David (Coord.). Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 111.
(50) NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.
(51) SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 60.
(52) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Discriminação no trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 34.
Ariolino Neres Sousa Júnior
Advogado
Mestre em Direito das Relações Sociais e Interesses Difusos (UNAMA)
A presente pesquisa é reflexo de uma preocupação acadêmica e pessoal que começou a se desenvolver a partir do término da graduação em Direito, chegando até o momento atual. Logo, associar o estudo das pessoas com deficiência em relação ao mundo do trabalho se constitui a principal trajetória científica que vem sendo percorrida. Entretanto, é importante afirmar que grupos socialmente mais vulneráveis, como as mulheres, as populações afro-descendentes e as demais populações socialmente excluídas, com destaque para as pessoas com deficiência, sempre foram vítimas, ao longo da história da humanidade, das atitudes discriminatórias praticadas pelos detentores do poder, isto é, o Estado, empregadores, grupos religiosos conservadores e extremistas, entre outros.
Especificamente retratando as pessoas com deficiência, a atribuição de adjetivos pejorativos que consideravam como “serem inferiores”, “inúteis”, “inválidos” etc., sinalizava a prática da discriminação promovida pelos grupos dominantes do poder, cujo resultado foi promover o afastamento delas do convívio social, reduzindo-as, assim, a condições subumanas de vida. Somando-se a esse fator, muito embora, atualmente, haja uma legislação nacional e internacional direcionada à defesa dos direitos em prol das pessoas com deficiência, porém, no Brasil, a discriminação praticada por alguns empregadores ainda continua sendo uma triste realidade presenciada, principalmente no interior de alguns ambientes laborais de empresas públicas e privadas dos setores da economia brasileira, com destaque ao setor terciário em suas atividades de construção civil, comércio lojista, artesanato, serviço doméstico, entre outras. Este setor é referenciado, pois é o que tem absorvido o maior contingente de mão de obra de trabalhadores c Com ou sem deficiência nos últimos anos, comparado aos outros demais setores da economia, conforme a comprovação de dados estatísticos recentes divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em seu órgão Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) (1).
Por outro lado, a importância de estudar as condições degradantes do trabalho direcionado às pessoas com deficiência não é uma tarefa simples. Pelo contrário, órgãos como Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, têm constantemente verificado, perante o setor terciário nacional, a presença de elementos específicos que caracterizam o advento de trabalho em condições degradantes para as pessoas com deficiência, dentre os quais está, por exemplo, o não fornecimento de equipamentos de segurança e proteção individual (EPIs) para aquelas atividades laborais de riscos à saúde; o descumprimento legal da promoção à acessibilidade/locomoção; a baixa remuneração salarial paga aos trabalhadores com deficiência comparada aos demais trabalhadores sem deficiência voltada para um mesmo ramo de atividade laboral exercida; o exercício de atividades laborais totalmente incompatíveis com o tipo específico de deficiência apresentada por aquele trabalhador; a violência psicológica advinda do assédio moral ou de atitudes discriminatórias praticado por alguns empregadores, entre outras práticas.
Portanto, apesar da presença desses elementos elencados anteriormente, poder contribuir na ampliação dos conhecimentos sobre a temática em questão, a partir do momento em que há o propósito de promover uma discussão e análise acerca da atual situação de condições degradantes do trabalho vivenciada por uma parcela de trabalhadores com deficiência, com suporte contratual válido, no ambiente laboral do setor terciário brasileiro, é meta a ser explanada nesse trabalho.
2. Neoescravidão urbana: conceito e características
Cotidianamente, tem-se presenciado situações que, vez ou outra, são noticiadas pelos veículos de comunicação relatando a ocorrência do “trabalho escravo”. Segundo José Cláudio Brito Filho (2), “de todas as formas de superexploração do trabalho, com certeza o trabalho em condição análoga à de escravo, ou, como é mais conhecido, o trabalho escravo, é a mais grave”, além do quê, o trabalho escravo “é a violação mais grave da dignidade da pessoa humana” (3). Não obstante a doutrina majoritária considerar a ocorrência do trabalho escravo, há posicionamentos doutrinários que discordam de sua existência, por entenderem que há apenas o desrespeito de algumas normas da CLT no que tange às “condições inadequadas de alojamento e alimentação, ainda mais quando se consideram os padrões, sempre bastante elevados e completamente irrealistas requeridos pelas normas trabalhistas” (4).
Por outro lado, ressalta-se que, inicialmente, o Brasil ratificou as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (5) acerca da proibição e combate ao trabalho escravo. Porém, a análise do conceito de “trabalho escravo”, perante o ordenamento jurídico nacional, foi ampliada após o advento da Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003, na regra do artigo 149 do Código Penal, que passou a considerar o trabalho escravo como gênero, aceitando quatro novas espécies de sua execução: sujeição alheia a trabalhos forçados; sujeição alheia a jornada exaustiva; sujeição alheia a condições degradantes de trabalho, e restrição, por qualquer meio, da locomoção alheia em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Antes do advento da legislação penal, a compreensão acerca do trabalho escravo era genérica, pois a redação original do artigo 149 informava que o delito em tela se consumava, a partir do momento em que a vítima obtinha a restrição de sua liberdade, reduzindo-a, tão somente, a condição jurídica de coisa (6). Com o surgimento da nova lei, o conceito de “trabalho escravo” foi ampliado, sendo que a análise da “liberdade” ficou restrita a um dos elementos que é o “trabalho forçado”, ao passo que a “dignidade da pessoa humana” passou a assumir o fundamento maior para a proibição de todas as formas de redução do homem à condição análoga à de escravo. Por esse motivo, o trabalho escravo pode ser considerado como “o exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos da dignidade do trabalhador” (7).
Além disso, é notório que o trabalho escravo ainda continua vitimando muitos trabalhadores brasileiros, cuja maior incidência é presenciada no meio rural em virtude de heranças históricas deixadas por um passado colonial que insiste em perpetuar aquele cenário social. Contudo, é importante afirmar que o ambiente urbano brasileiro também tem sido palco do crescimento do trabalho escravo, principalmente em seu setor terciário de economia, pois este último, nos últimos anos, é o que tem obtido o maior crescimento econômico, absorvendo um maior contingente de mão de obra de trabalhadores. Ratificando o crescimento do trabalho escravo no ambiente urbano, Wilson Ramos Filho (8) chama atenção para o fato de que:
“Do ponto de vista analítico, além do trabalho escravo rural contemporâneo, mais frequentemente explorado e, por tal razão, noticiado, diferenciem-se duas outras espécies de ‘trabalho escravo urbano contemporâneo’, a primeira, o trabalho prestado nas cidades em condições análogas à de escravo sem suporte contratual válido, e, a segunda, o trabalho oferecido nas cidades com suporte contratual prestado em situações análogas à de escravos, cuja descrição e tipificação encontram-se no Código Penal, em seu artigo 149, alterado pela Lei n. 10.803/2003. A essa segunda espécie, prestado nas cidades, com suporte contratual válido, por trabalhadores em situação análoga à de escravos, propõe-se a denominação ‘neoescravidão urbana’ ou a denominação de ‘trabalho urbano prestado em condições de neoescravidão’.”
Considerando o comentário retro, o trabalho escravo urbano contemporâneo sem a presença do suporte contratual válido assemelha-se com o trabalho escravo rural realizado no período do Brasil - colonial, em que havia o trabalho exercido pela mão de obra escrava negra, laborando em condições aviltantes, cujas vítimas tinham sua liberdade totalmente tolida pelos senhores escravocratas. Atualmente, o trabalho escravo urbano contemporâneo sem a presença do suporte contratual válido reconhece na figura dos trabalhadores imigrantes clandestinos um de seus exemplos de ocorrência, além de outras situações como o tráfico de pessoas para fins sexuais ou dos “soldados do tráfico de drogas”, ou, ainda, pessoas empregadas em casas de jogos, e outros tantos (9). Com relação ao trabalho escravo urbano contemporâneo com a presença do suporte contratual válido, mais conhecido como “neoescravidão urbana”, tem-se a presença de trabalhadores que, mesmo estando com seu registro devidamente realizado em seu contrato de trabalho, porém são reduzidos à condição de trabalho escravo urbano, uma vez que seus direitos fundamentais sociais, dentre os quais está o direito do trabalho, vêm sendo descumpridos pela grande maioria dos tomadores de serviço. No caso específico dos trabalhadores com deficiência, tal situação também é vivenciada em decorrência do descumprimento da legislação constitucional e infraconstitucional de proteção aos direitos desses sujeitos, dentre os quais está o direito à acessibilidade; direito ao trabalho; direito à proteção à discriminação/preconceito, entre outros (10).
Conforme ressaltado anteriormente, a Lei 10.803/03, ao modificar a regra do artigo 149, possibilitou que o trabalho escravo passasse a ser analisado sob novas espécies caracterizadoras, dentre as quais estão as “condições degradantes de trabalho”. Mesmo com o advento da nova legislação, porém continua não havendo um conceito fechado e pré-definido acerca da definição de “trabalho degradante”, pelo contrário, caracteriza-se por ser um conceito de categoria axiológica aberta, cuja análise de apreciação subjetiva do intérprete e do aplicador da norma constitui-se como uma tarefa a ser cumprida. Entretanto, é possível identificar elementos que possam caracterizar a ocorrência de condições degradantes de trabalho, sendo que para Márcio Túlio Viana:
“O trabalho degradante envolve cinco categorias distintas. A primeira diz respeito ao próprio trabalho escravo stricto sensu, que pressupõe a ausência de liberdade do trabalhador. A segunda concerne à jornada exaustiva, seja ela extensa ou intensa, bem como ao abuso do poder diretivo do empregador, capaz de gerar assédio moral e situações análogas. A terceira categoria relaciona-se com o salário, que deve corresponder pelo menos ao mínimo, e não sofrer descontos não previstos em lei. A quarta diz respeito à saúde do trabalhador que é alojado pelo empregador, dentro ou fora da fazenda, constituindo condições degradantes a água insalubre, a barraca de plástico, a ausência de colchões ou lençóis e a comida estragada ou insuficiente. A quinta e última categoria refere-se à ausência de condições mínimas de sobrevivência do trabalhador, em função da conduta do empregador, que não lhe oferece condições de sair dessa vil situação.” (11)
Na mesma linha de raciocínio, José Cláudio Brito Filho acrescenta:
“Assim, se o trabalhador presta serviços exposto à falta de segurança e com riscos à sua saúde, temos o trabalho em condições degradantes. Se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador, como o direito de trabalhar em jornada razoável e que proteja sua saúde, garanta-lhe descanso e permita o convívio social, há trabalho em condições degradantes. Se, para prestar o trabalho, o trabalhador tem limitações na sua alimentação, na sua higiene, e na sua moradia, caracteriza-se o trabalho em condições degradantes. Se o trabalhador não recebe o devido respeito que merece como ser humano, sendo, por exemplo, assediado moral ou sexualmente, existe trabalho em condições degradantes.” (12)
Considerando ambos os comentários, pode-se perceber que o trabalho degradante é oriundo do desrespeito aos direitos fundamentais sociais do trabalhador, ferindo, com isso, a dignidade da pessoa humana, a exemplo do ocorre com os trabalhadores com deficiência, cujos fatores biológico ou adquirido (13), que definem tal condição de deficiência, continuam sendo infringidos por determinados tomadores de serviço em virtude da realização de certos elementos caracterizadores do trabalho degradante, citados anteriormente pelos doutrinadores.
Além disso, apesar da doutrina majoritária considerar “condições degradantes do trabalho” ou “trabalho em condições degradantes” ou “trabalho degradante”, todas como mesmo significado, entretanto, há doutrinadores que fazem diferenciação entre o termo “condições degradante de trabalho/trabalho em condições degradante” com “trabalho degradante”. Segundo Phillippe Gomes Jardim (14), o “trabalho em condições degradantes/condições degradante de trabalho” se definiria pela relação entre o trabalhador e os meios de prestação do trabalho, ao passo que o “trabalho degradante” pelo tipo de atividade realizada. Enfim, nas condições degradantes de trabalho, o termo “degradante” destacaria as condições; no trabalho degradante, o termo “trabalho” sobressairia. Nesse sentido, o direito do trabalho reconheceria a legalidade do trabalho degradante, enquanto que as condições degradantes de trabalho são absolutamente incompatíveis não apenas com a proteção nacional, mas também com os ditames expressos no direito internacional do trabalho e, ainda, com a legislação penal brasileira.
Contrapondo-se ao conceito de “trabalho degradante”, tem-se o chamado “trabalho decente” que é praticado quando o Estado assume a obrigação de oferecer:
“Um conjunto mínimo de direitos em prol do trabalhador que corresponda à existência de trabalho; a liberdade de trabalho; a igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e a preservação de sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; a liberdade sindical; e a proteção contra os riscos sociais.” (15)
Considerando o comentário retro, no caso específico dos trabalhadores com deficiência, o trabalho decente ocorre à medida que seus direitos mínimos são respeitados tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada, ou seja, quando há proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (artigo 7º, XXXI, CF/88), garantia de jornada variável, horário flexível, proporcionalidade de salário, ambiente de trabalho adequado ao tipo específico de deficiência daquele trabalhador (16), entre outros direitos.
3. A legislação de defesa dos direitos humanos para as pessoas com deficiência: breves considerações
É importante ressaltar também que o trabalho escravo envolvendo as pessoas com deficiência sempre suscitou discussão e crítica perante os defensores dos direitos humanos daquele público alvo. Por conta disso, houve a preocupação de fomentar políticas públicas direcionadas à criação de leis de amparo aos direitos fundamentais sociais (17) das pessoas com deficiência, quer seja no Brasil e no mundo, como forma de combater e eliminar as péssimas condições de trabalho ou trabalho degradante vivenciada por aquelas pessoas, tanto no ambiente urbano quanto no rural. Destarte, com o passar do tempo, a legislação internacional e nacional se aperfeiçoava, trazendo consigo direitos até então inexistentes em benefício das pessoas com deficiência, tais como direito ao trabalho, direito à promoção da acessibilidade/locomoção; direito à reabilitação profissional entre outros.
Especificamente retratando a legislação internacional, Maria Aparecida Alkimin (18) explica que organismos internacionais, sob a liderança da Organização das Nações Unidas (ONU), tiveram a preocupação de instituir normas de proteção aos direitos das pessoas com deficiência, dentre as quais estão as convenções, declarações, resoluções, entre outras (19).
Por outro lado, a legislação internacional servira de base ideológica para a promulgação da atual Constituição brasileira e demais leis infraconstitucionais que passaram a assumir o compromisso de garantir e defender o direito dos trabalhadores com ou sem deficiência contra qualquer atitude discriminatória dos tomadores de serviço que conduzisse à realização de um trabalho degradante. Por conta disso e considerando as constantes mudanças ocorridas no cenário internacional em defesa dos direitos humanos dos grupos menos favorecidos da sociedade capitalista, a exemplo das pessoas com deficiência, estas obtiveram a consolidação dos seus direitos fundamentais sociais com o advento da Carta Magna de 1988, tendo em vista que:
“Deixou de lado um modelo assistencialista, antes vigente, para dar lugar a uma integração social da pessoa portadora de deficiência, facilitando-lhe o acesso aos meios de transporte, aos edifícios, às escolas e ao mercado de trabalho.” (20)
Em virtude do abandono do modelo assistencialista, ampliaram-se os direitos fundamentais sociais em prol dos cidadãos com deficiência. Dentre esses direitos, cita-se, como exemplo, o direito à acessibilidade às cidades, às edificações e aos transportes coletivos, presente na regra dos artigos 227, § 2º (21) e 244 (22) da CF/88; o direito à habilitação e reabilitação profissional, presente na regra do artigo 203, IV (23), CF/88; o direito ao trabalho, cujo artigo 7º, XXXI, CF/88, estipula “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”; o direito à saúde, presente na regra do art. 196 (24), CF/88, além do direito a educação (25) e assistência social (26) como outros direitos garantidos às pessoas com deficiência. Quanto à legislação infraconstitucional, os Decretos-leis 3.298/99 (27) e 5.296/04 (28) também foram criados em prol da defesa dos direitos das pessoas com deficiência, além de algumas leis federais, tais como a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989 (29); a Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 (30); a Lei 8.069/90, referente ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (31), cujo artigo 66 obriga que a sociedade brasileira atente para a proteção do trabalho do adolescente com deficiência, a fim de possibilitar sua integração adequada na sociedade, afastando-o da marginalidade e da exclusão social; a Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (32); a Lei 10.048, de 8 de novembro de 2000 (33) e a Lei 11.788, de 25 de setembro de 2008, referente ao estágio dos estudantes, que também veio contemplar os estudantes com deficiência. Dentre os direitos garantidos a esse público alvo, tem-se a regra do artigo 11 (34), que estabelece a duração do estágio de no máximo dois anos, salvo se o estagiário apresentar alguma deficiência, pois nessa situação, o prazo poderá ultrapassar o limite máximo.
Todavia, deve-se considerar que, mesmo com a promulgação da Constituição de 1988 e do surgimento de algumas leis infraconstitucionais mencionadas, atualmente, muitos trabalhadores com deficiência do setor terciário urbano brasileiro continuam tendo seus direitos fundamentais sociais infringidos por uma parcela de tomadores de serviço, ocasionando, com isso, a incidência do trabalho degradante quando é verificada, por exemplo, a prática da violência psicológica através do assédio moral ou da discriminação ao tipo específico de deficiência daquele trabalhador (35) no interior dos ambientes laborais; quando há o descumprimento legal no que tange à reserva de vagas para pessoas com deficiência dentro daquele percentual estipulado pela lei de cotas da previdência; quando não há o fornecimento de equipamentos de segurança e proteção individual (EPIs) para aquelas atividades laborais de riscos à saúde; quando há a restrição à acessibilidade/locomoção do trabalhador com deficiência a seu ambiente laboral (36); quando há carência de investimentos para aquisição das chamadas “tecnologias assistivas” (37), entre outras infrações.
Dessa forma, considera-se que a presença de condições degradantes do trabalho o no setor terciário da economia brasileira, setor este que, atualmente, tem absorvido o maior contingente de mão de obra de trabalhadores com deficiência, está associada à ocorrência de alguns daqueles fatores apontados no parágrafo anterior, além de outros como: a ausência do poder público em promover maior fiscalização eintervenção no combate ao trabalho escravo urbano, ocasionando, na maioria das vezes, a impunidade dos infratores; a falta de aparelhamento no que se refere à carência de investimentos em equipamentos de segurança, qualificação profissional etc., perante os órgãos de fiscalização/repressão como as DRTs, Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho, entre outros; a ausência de parceria entre o poder público com a iniciativa privada para realização de ações afirmativas (38) de inclusão social direcionadas à modernização da infraestrutura dos ambientes laborais, na aquisição de equipamentos adaptados aos tipos específicos de deficiência dos trabalhadores, na realização de cursos de capacitação profissional, entre outros (39).
Por outro lado, ressalta-se que, atualmente, o trabalho escravo urbano é menos praticado em comparação ao trabalho escravo rural (40), muito embora haja semelhança entre ambos no que se refere ao desrespeito à dignidade da pessoa humana quando aquele trabalhador com deficiência se encontra em situação(s) de trabalho degradante. Dentro desse panorama de conturbação social, o trabalho degradante passa a ser avaliado sob dois importantes fatores que são o axiológico e factual, sendo que o descumprimento de qualquer um deles contribui para a ocorrência do trabalho degradante.
Seguindo os ensinamentos de Herrera Flores (41), o fator factual tem a preocupação de adequar uma relação de trabalho concreta à determinação legal incidente sobre tal relação, isto é, nesse tipo de fator, o tomador de serviços cumpre com os direitos pré-estipulados na Constituição federal e nas leis infraconstitucionais em prol de uma relação de trabalho que beneficie os trabalhadores com deficiência, visando evitar a prática do trabalho degradante, a exemplo da lei de promoção à acessibilidade (Decreto 5.296/04), quando há preocupação, por parte do empregador, de adequar o espaço físico laboral para atender o tipo específico de deficiência do trabalhador mediante a eliminação de barreiras/obstáculos, além de investimentos em ajuda técnica (42). Com relação ao fator axiológico, respeita-se o conceito de dignidade da pessoa humana do trabalhador com deficiência, associada a outros valores como liberdade e igualdade. Destarte, entende-se que o fator axiológico se direciona para o próprio ser humano, independentemente se ele apresenta ou não alguma deficiência, ao mesmo tempo em que é contrário a qualquer tipo de atitude(s) discriminatória(s) promovida por um tomador de serviços, a fim de que possa ser responsabilizado caso venha contribuir para ocorrência do trabalho degradante em seu empreendimento de negócio.
4. O respeito à “dignidade” do trabalhador com deficiência contra a neoescravidão urbana
Além da legislação de proteção aos direitos humanos em prol das pessoas com deficiência, tem-se também o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana que considera o ser humano como centro de todas as ações. Mesmo que uma pessoa apresente alguma limitação biológica ou adquirida, porém, isso não é obstáculo para que a impeça de conviver harmonicamente em sociedade, usufruindo dos direitos de cidadania estabelecidos pela Constituição e legislação infraconstitucional (43). É importante relembrar que o termo “dignidade” passou a ser considerado como elemento principal do art. 149 do Código Penal, após a promulgação da Lei 10.803/03 que redefiniu e ampliou a definição de trabalho escravo, trazendo consigo novos elementos caracterizadores. Dessa forma, o fundamento maior para a proibição do trabalho análogo ao de escravo, atualmente, é a dignidade, cujo significado não é estático, pelo contrário, é constantemente analisado e discutido perante os doutrinadores os quais atribuem diferentes interpretações.
O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser considerado como “o fim supremo de todo o direito; logo expande os seus efeitos nos mais distintos domínios normativos para fundamentar toda e qualquer interpretação (44)”. Dessa forma, percebe-se que o princípio se apresenta como fonte suprema em comparação com os demais outros princípios normativos, além de direcionar suas atenções para o próprio indivíduo, respeitando sua dignidade. É importante ressaltar também que o conceito de dignidade humana surgiu em ocorrência de situações histórico-sociais negativas tais como a escravidão, o preconceito racial, o racismo, as perseguições políticas, a inquisição, o nazismo entre outros. Para ilustrar a infringência à dignidade humana, Fábio Comparato, a título de exemplo, informa que além de instituições penais ou fábricas de cadáveres, o Gulag soviético e o Lager nazista foram grandes máquinas de despersonalização de seres humanos no passado, uma vez que ao ingressar num campo de concentração nazista, o prisioneiro perdia não apenas a liberdade e a comunicação com o mundo externo, mas principalmente seu próprio ser, sua personalidade, com a substituição fortemente simbólica de seu nome por um número, muitas vezes gravado em seu próprio corpo, como se fosse uma marca de propriedade de um gado (45). E continua:
“Analogamente, a transformação das pessoas em coisas realizou-se de modo menos espetacular, mas não menos trágico, com o desenvolvimento do sistema capitalista de produção (...). Enquanto o capital é, por assim dizer, personificado e elevado à dignidade de sujeito de direito, o trabalhador é aviltado à condição de mercadoria, de mero insumo no processo de produção, para ser ultimamente, na fase de fastígio do capitalismo financeiro, dispensado e relegado ao lixo social como objeto descartável (...).” (46)
Observa-se nos comentários de Fábio Comparato que há uma redução humana à condição de trabalho escravo, a partir do momento em que o ser humano passa a ser tratado como simples mercadoria, a serviço da produção capitalista, sendo que, após ser utilizado para o trabalho, passa a ser descartado como se fosse um objeto sem mais nenhuma utilidade. Por conta disso, verifica-se uma afronta à dignidade da pessoa humana, pois uma das espécies caracterizadoras do trabalho escravo, no caso, as condições degradantes de trabalho, contribui para a negação das condições mínimas de trabalho, a ponto de equiparar o trabalhador a uma coisa ou a um bem (47).
Em virtude de tais acontecimentos, a dignidade, cuja finalidade primordial é promover o bem de todo e qualquer ser humano, independentemente de sua etnia, raça ou condição social, assumiu o propósito de proteger a natureza humana (48), mais especificamente, proteger o próprio homem enquanto ser social dotado com sua liberdade de pensar e agir. Dessa forma, a dignidade humana é um bem jurídico inerente e irrestrito a todo cidadão que visa promover o desenvolvimento e a preservação de valores, dentre os quais se encontra a intimidade e a vida privada para que se tenha uma vida feliz (49). Ainda com relação à natureza humana, Rizzatto Nunes assevera que a dignidade nasce com a pessoa, sendo-lhe inerente à sua essência. Contudo, nenhum indivíduo é isolado, haja vista que ele nasce, cresce e vive no meio social. E aí, nesse contexto, sua dignidade ganha um acréscimo de dignidade. Ele nasce com a integridade física e psíquica, mas chega um momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento, isto é, sua liberdade, sua imagem, sua intimidade, sua consciência religiosa científica, espiritual etc., tudo compõe o universo de sua dignidade (50).
Todavia, Ingo Sarlet considera que a dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (51).
Portanto, pode-se observar que a dignidade não está relacionada apenas com aspecto moral-subjetivo de cada ser humano, mas também ela repercute no plano jurídico-material, mediante a intervenção do poder público na vida da sociedade, pois é a própria dignidade que deve realizar a produção dos efeitos também no plano material, como fator responsável que impõe obrigações ao Estado e a toda a sociedade. Por conta disso, não se pode falar em dignidade da pessoa humana se isso não se materializa em suas próprias condições de vida, ou seja, como falar em dignidade sem direito à saúde ou a um trabalho digno, por exemplo, enfim, sem o direito de participar da vida em sociedade com um mínimo de condições essenciais de sobrevivência? (52)
5. Conclusão
Em face das diferentes opiniões retratadas nesse artigo acerca do trabalho escravo urbano, é importante que o poder público, os empregadores e a sociedade civil estabeleçam juntos o compromisso de tratar qualquer cidadão, independentemente se ele estiver na condição ou não de pessoa com deficiência, com dignidade e respeito, ou seja, como verdadeiro ser humano capaz de concepções inteligentes sobre a forma pela qual sua vida deve ser vivida, e de agir de acordo com a liberdade sobre ela. Agindo dessa forma, contribui-se para evitar a ocorrência da neoescravidão urbana, tendo em vista que, primeiramente, está se valorizando a própria condição de dignidade inerente à pessoa humana.
6. Referências
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7. Citações
(1) ( Disponível el <http://www.mte.gov.br/caged_mensal/atual/arquivos/br.pdf >. Acesso em: 04 set. 2011.
(2) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração do trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno. 2.ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 61.
(3) ROMITA, Arion. Direitos fundamentais na relação de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 253.
(4) REZENDE, Gervásio Castro. Uma crítica à crença generalizada de que existe “trabalho escravo” na agricultura brasileira. Revista Jurídica Consulex. Brasília, ano XIII, n. 294, 15 abr. 2009, p. 25.
(5) Referem-se às Convenções que foram criadas com o propósito de combater todas as formas de trabalho escravo ou forçado, obrigando todos os países signatários a adotarem medidas legais de erradicação do trabalho escravo. A OIT preferiu utilizar a nomenclatura “trabalho forçado ou obrigatório”, conceituando-o na regra do artigo 2º da Convenção n. 29 como “(...) todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. Quanto a Convenção n. 105, esta veio ampliar o conceito de “trabalho obrigatório ou forçado”, obrigando os países que a ratificaram a buscar meios suficientes para eliminação de toda forma de trabalho forçado oriundo de sanção, castigo, medida de coerção ou educação, falta disciplinar, entre outras, de acordo com que estipula a regra do seu artigo 1º. Disponível em: <http://www.oit.org.br/prgatv/in_focus/trab_esc.php>. Acesso em: 03 jul. 2011.
(6) É dentro desse contexto que “o trabalho escravo surge como a negação absoluta do valor da dignidade humana, da autonomia e da liberdade, ao converter pessoas em coisas e objetos”. In: PIOVESAN, Flávia. Trabalho escravo e degradante como forma de violação aos direitos humanos. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Marcos Neves (Coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTr, 2006, p. 164.
(7) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga à de escravo: análise a partir do trabalho decente e de seu fundamento, a dignidade da pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Op. cit., p. 133.
(8) RAMOS FILHO, Wilson. Trabalho degradante e jornadas exaustivas: crime e castigo nas relações de trabalho neoescravistas. Revista Direitos Fundamentais e Democracia - Unibrasil. Curitiba, v. 4, p. 3, set. 2008.
(9) Ibidem, p. 4.
(10) Seguindo a linha de raciocínio: “o trabalho escravo se manifesta quando direitos fundamentais são violados, como o direito a condições justas de um trabalho que seja livremente escolhido e aceito, o direito à educação e o direito a uma vida digna”. In: PIOVESAN, Flávia. Trabalho escravo e degradante como forma de violação aos direitos humanos. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Marcos Neves (Coord.). Op. cit., p. 164.
(11) VIANA, Márcio Túlio. Trabalho escravo e “lista suja”: um modo original de se remover uma mancha. Revista LTr: legislação do Trabalho, São Paulo, v. 71, n. 8, p. 927, ago. 2007.
(12) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga à de escravo: análise a partir do trabalho decente e de seu fundamento, a dignidade da pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Op. cit., p. 133.
(13) Nesse sentido, é importante ressaltar que: “(...) um homem não pode ser considerado moralmente inferior com base em alguma característica física, racial ou em um outro tipo de característica que ele não pode evitar ter (...)”. In: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 386.
(14) JARDIM, Phillippe Gomes. Para uma crítica ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil: dos direitos humanos à neoescravidão apud RAMOS FILHO, Wilson. Op. cit., p. 15.
(15) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga à de escravo: análise a partir do trabalho decente e de seu fundamento, a dignidade da pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Op. cit., p. 128.
(16) É dever do poder público promover a inserção do trabalhador com deficiência ao mercado de trabalho, e, quando lá estiver, que sejam garantidos seus direitos trabalhistas, conforme é apresentado pelo Decreto nº. 3.298/99, cuja redação do art. 2º informa que: “cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar à pessoa portadora de deficiência, o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho (grifo nosso), ao desporto, ao turismo, ao lazer, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à edificação pública, à habitação, à cultura, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico”. O artigo 35, § 2º, do mesmo decreto, informa: “consideram-seprocedimentos especiais os meios utilizados para a contratação de pessoa que, devido ao seu grau de deficiência, transitória ou permanente, exija condições especiais, tais como jornada variável, horário flexível, proporcionalidade de salário, ambiente de trabalho adequado à suas especificidades, entre outros (grifo nosso)”.
(17) De acordo com a doutrina majoritária, entende-se que os direitos humanos, uma vez positivados no ordenamento jurídico dos países, dão ensejo aos chamados “direitos fundamentais sociais”.
(18) ALKIMIN, Maria Aparecida. A violência na relação de trabalho e a proteção à personalidade do trabalhador. 2007. 284f. Tese (Doutorado em Direito das Relações Sociais), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, p. 157.
(19) Normas internacionais de proteção aos direitos das pessoas com deficiência disponíveis em: <http://www.portaldeacessibilidade.rs.gov.br/portal/index.php?id=legislacao&cat=6>. Acesso em: 02 set. 2011.
(20) LOPES, Gláucia Gomes Vergara. A inserção do portador de deficiência no mercado de trabalho: a efetividade das leis brasileiras. São Paulo: LTr, 2005, p. 53.
(21) Art. 227- É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão: § 2º- A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 29 jun. 2011.
(22) Art. 244 - A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.
(23) Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária.
(24) Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
(25) Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
(26) Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária.
(27) Veio regulamentar a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm>. Acesso em: 02 set. 2011.
(28) Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.
(29) Veio dispor sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7853.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.
(30) Veio ressaltar os Planos de Benefícios da Previdência Social, beneficiando também as pessoas com deficiência. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8213cons.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.
(31) Art. 66 - Ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho protegido. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.
(32) Foi criada com o propósito de estabelecer normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L10098.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.
(33) Dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10048.htm>. Acesso em: 04 set. 2011.
(34) Art. 11 - A duração do estágio, na mesma parte concedente, não poderá exceder 2 (dois) anos, exceto quando se tratar de estagiário portador de deficiência. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11788.htm>. Acesso em: 04 set. 2011.
(35) Verifica-se que há empregadores realizando a prática discriminatória de preferir um trabalhador com deficiência em detrimento de outro, ou seja, é possível uma pessoa com deficiência auditiva, por exemplo, não ser contemplada por aquela vaga ofertada de trabalho em uma determinada empresa e, no seu lugar, vir ocupar uma pessoa com deficiência física. Muito embora sabe-se que o critério de oferta de vagas de trabalho seja relativo, dependendo do tipo de atividade laboral a ser realizada naquela determinada empresa ou empreendimento, contudo, a preterição de uma pessoa com deficiência em detrimento de outra não deixa de ser considerada uma atitude discriminatória por estar infringindo a igualdade de tratamento e acesso ao mercado laboral e, acima de tudo, a própria dignidade da pessoa humana.
(36) Exemplo de descumprimento da norma legal da acessibilidade, pelo setor empresarial lojista, foi constatado em alguns estabelecimentos comerciais da capital Cuiabá-MS, cujos alguns lojistas foram intimados pelo Ministério Público Estadual, a fim de que tais empregadores adéqüem e encontrem mecanismos que garantam a segurança e a acessibilidade, em especial aos seus empregados com deficiência física e demais pessoas com deficiência, nos ambientes comerciais, a exemplo dos corredores das lojas que normalmente são ocupados por mostruários dificultando a locomoção. In: CAMPOS, Dana. MPE discute falta de acessibilidade. Arquitetura.com.br. Disponível em: <http://www.arquitetura.com.br/noticias/noticia.php?idNot=153>. Acesso em: 08 set. 2011.
(37) No Brasil, o Comitê de Ajudas Técnicas - CAT, instituído pela Portaria n° 142, de 16 de novembro de 2006 propõe o seguinte conceito para a tecnologia assistiva: “Tecnologia assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social”. Os recursos podem variar de uma simples bengala a um complexo sistema computadorizado. Estão incluídos brinquedos e roupas adaptadas, computadores, softwares e hardwares especiais, que contemplam questões de acessibilidade, ao passo que os serviços são aqueles prestados profissionalmente à pessoa com deficiência visando selecionar, obter ou usar um instrumento de tecnologia assistiva. Como exemplo, têm-se as avaliações, experimentação e treinamento de novos equipam entos. In: SARTORETTO, Mara Lúcia; BERSCH, Rita. Assitiva: tecnologia e educação. Disponível em: <http://www.assistiva.com.br/tassistiva.html>. Acesso em: 09 set. 2011.
(38) A importância da concretização da(s) ação(s) afirmativa(s) tem por finalidade congregar “medidas que venham implicar na supressão das desigualdades de fato, capazes de ampliar as oportunidades de formação das pessoas com deficiência, com reflexos nas suas condições de trabalho”. In: MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional da igualdade: ação afirmativa. São Paulo: LTr, 2004, p. 133.
(39) Em pesquisa realizada no período de janeiro a julho de 2010, no ambiente laboral de duas empresas privadas do setor empresarial lojista, constatou-se que os trabalhadores com deficiência com baixo nível de escolaridade, ou seja, com nível fundamental completo e médio incompleto, constituíram-se como a maioria, além de receberem baixa remuneração de até um salário mínimo e desenvolverem atividades inferiores comparado aos demais trabalhadores sem deficiência. In: SOUSA JUNIOR, Ariolino Neres. O sistema de cotas de acesso ao mercado de trabalho para pessoas com deficiência. Brasília: Consulex, 2011, p. 149-150.
(40) Disponível em: <http://www.reporterbrasil.org.br/conteudo.php?id=9#6>. Acesso em: 09 set. 2011.
(41) HERRERA FLORES, Joaquin. La reinvención de los Derechos Humanos. Sevilla: Ed. Atapasueños, 2008, p. 129.
(42) De acordo com a regra do art. 8º, inciso V, do Decreto n. 5.296/04 conceitua “ajuda técnica” como: “os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida”.
(43) PASTORE, José. Oportunidade de trabalho para portadores de deficiência. São Paulo: LTr, 2001, p. 225.
(44) SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direitos fundamentais e o contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 21.
(45) COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 23-24.
(46) Ibidem, p. 24.
(47) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Op. cit., p. 72.
(48) Com relação à natureza do ser humano, apresenta-se o comentário de Félix Ruiz Alonso: “A natureza do ser humano mostra dois grandes grupos de atos, em sua atividade: de um lado os atos do homem e, de outro, os atos humanos. Os primeiros são os atos biológicos ou fisiológicos, como a mitose, as batidas do coração, a digestão, etc., ao passo que os atos humanos são aqueles realizados devido às faculdades superiores (inteligência, vontade) como a capacidade de raciocínio, de se socializar com outros homens, de sorrir, de cantar, etc. Portanto, todos os atos, tantos os humanos quanto os do homem são da pessoa (...). A atividade toda é realizada pela natureza da pessoa. O Direito alude à natureza humana para se referir os atos humanos, as mais das vezes e, também, os atos do homem (...)”. In: ALONSO, Félix Ruiz. Dignidade da pessoa e a inviolabilidade da vida. In: AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do. et al. (Coord.). Princípios constitucionais fundamentais: Estudos em homenagem ao professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Lex Editora, 2005, p. 417.
(49) MARQUES, Christiani. Discriminação no emprego. In: ARAUJO, Luiz Alberto David (Coord.). Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 111.
(50) NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.
(51) SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 60.
(52) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Discriminação no trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 34.