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Ministra Eliana Calmon profere palestra sobre a mulher e defende a luta continuada em defesa da igualdade de gêneros

DSC_2098“Mulher, judiciário e CNJ são três ingredientes perfeitos para fazermos uma bomba atômica. Pois são altamente explosivas.” Essas foram as palavras que iniciaram o discurso da ministra e corregedora do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, ontem (22) no último dia da programação do mês da mulher, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Pará (OAB/PA).  A ministra veio a Belém a convite da Ordem para proferir a palestra “A mulher, o judiciário e o CNJ”. Na ocasião Eliana discutiu os assuntos que envolvem a mulher no contexto da política nacional, as dificuldades encontradas na luta pelos direitos e a implantação do CNJ como suporte para aplicação das leis de defesa da mulher, como a lei Mª da Penha, de 2006.

De início ela falou da satisfação que é discuti o assunto em prol das mulheres, em um contexto geral, e salientou a importância da iniciativa da OAB/PA em elaborar a programação do mês da mulher. “Esta noite nós mulheres estamos com a alta estima lá em cima. Foi uma grande iniciativa da OAB, pois nós temos a necessidade de reverter esse quadro de que a mulher é inferior e tentar elevar o padrão de igualdade de gênero neste país”, declara.

Calmon apontou também a evolução que a mulher vem adquirindo no contexto de participação na política nacional, afirmando que apesar das barreiras enfrentadas, a mulher adquiriu um lugar no processo cultural da sociedade e tem contribuído significativamente para o desenvolvimento da igualdade no país. “A mulher venceu barreiras, e assumiu um paradigma de igualdade, tomando papeis decisivos no contexto de nossa sociedade” relata.

Violência contra a mulher.

elianaUm dos primeiros assuntos a serem discutidos pela ministra na palestra foi o aumento da violência doméstica contra a mulher, relatando o crescente número de casos no país. “Nós temos um acréscimo muito grande nos percentuais de violência doméstica e não podemos fazer com que a luta acabe”, comenta. Calmon ressaltou a importância da existência do Dia Internacional da Mulher. Disse que se trata de um dia especial, pois enfatiza a luta dos movimentos feministas em prol dos direitos femininos e serve para “chamar a atenção da sociedade, pois temos a necessidade de provocar uma união na luta social com vista aos direitos feministas, tendo em vista principalmente a fragilidade da mulher, pois se por um lado estamos ganhando espaço na sociedade, por outro estamos sofrendo aumento significativo da violência doméstica”.

Analisando a violência doméstica como um problema jurídico e com uma tendência de aumento exagerado, Eliana fez uma provocação às magistradas do judiciário, afirmando que as mesmas ainda estão distantes do problema e tem uma participação muito pequena nos movimentos que exigem os direitos da mulher. “a mulher magistrada deveria ter maior participação nesses movimentos, parece que elas ainda não atentaram para a necessidade que se tem de lutar contra esses abusos e que o poder judiciário tem um papel preponderante na atividade contra a violência doméstica”, analisa.

Lei Maria da Penha

Dando continuidade ao discurso sobre violência doméstica, Eliana relatou as falhas do judiciário na interpretação e na aplicação das leis de proteção à mulher, ressaltando o fato de muitas mulheres fazerem as denúncias, mas não serem atendidas devido a incompreensão e resistência do poder judiciário na hora de aplicar as punições previstas na referida lei. “O objetivo primeiro da Lei Mª da penha é a proteção da família, pois a mulher é o baluarte familiar. E ela vem sofrendo dificuldade na aplicação devido a desentendimentos. Pois tem muita gente contrária aos propósitos dessa lei, por que ainda não evoluíram a um patamar de defesa da igualdade de gêneros e ainda defendem uma sociedade machista”, ressalta.

Desde sua criação, em 2006, a lei Mª da Penha tem enfrentado uma série de polêmicas relacionadas à sua aplicação. Eliana salientou essas brechas encontradas e atentou para a importância da não desistência da mulher em lutar pelos direitos e fazer com que os propósitos sejam aplicados da maneira correta. Não permitindo assim com que a Mª da Penha venha a ser confundida com outras leis anteriores, que previam apenas o pagamento de sextas – básicas ou fiança por parte do agressor. “Toda vez que a lei apresentar brechas, ela tem que ser ditada em favor da parte que tem mais fragilidade. No caso, a mulher. E isso deve ser uma responsabilidade do poder judiciário”, analisa.

A falta de interpretação da lei, referida pela ministra está ligada a jurisprudência que entende, por exemplo, que lesões leves dependem da representação da ofendida para que sejam tramitadas em processo e quem não tem união estável não tem direito a proteção da lei. Eliana relata que essas interpretações são equivocadas e que devem ser assumidas posturas diferentes por parte do judiciário. “A lei diz que não há necessidade da representação da agredida para que a denúncia seja instalada. As delegacias são obrigadas a remeter para a justiça todos os processos, sejam eles por lesões graves ou leves. Temos que continuar na luta, para interpretarmos a Mª da penha de maneira correta e não regredirmos a leis passadas”, conclui.

 

O CNJ

Por fim a ministra Eliana Calmon discutiu a importância e a necessidade da criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na luta contra a violência doméstica e na fiscalização dos processos que tramitam no Judiciário. O CNJ é um órgão federal que foi criado em 2004, com a finalidade de controlar o poder judiciário no Brasil e fiscalizar e contabilizar os processos. Foi um dos principais pontos da palestras, pois o CNJ tem lutado na justiça para aumentar o número de juizados nos estados brasileiros. Eliana defendeu a criação de mais juizados da mulher, afirmando que o CNJ está como parceiro da mulher na luta contra a violência. “É muito importante que nós tenhamos consciência da necessidade desse engajamento com os movimentos feministas pra darmos um final na violência que se instala no Brasil contra a mulher. A violência não é só aquela que deixa hematomas pelo corpo, mas também aquela que atinge a alma. O importante é o que possamos fazer por nós e por nossas companheiras.”, relata.

Veja na íntegra, o discurso da ministra sobre o CNJ

DSC_2079"O que é o CNJ? O CNJ é um órgão que ainda não está muito bem entendido pela população. Foi criado, em 2004, por que entende que o poder judiciário no Brasil não tinha qualquer controle. Todos os outros poderes, executivo e legislativo tem controle. Todos os cargos são renovados de quatro em quatro anos pelas eleições partidárias, onde o povo decide quem deve ficar e quem deve sair para dar espaço a outro. Podem até me dizer que o povo não sabe votar. E esse é mais um problema, pois o poder econômico pode falar mais alto e o eleitor pode ser influenciado na escolha do voto. Mas de qualquer forma, existe um mecanismos de renovação e no judiciário não existe, por quê? Temos meninos de 23 e 24 anos que acabaram de sair da faculdade e através de aprovação em concurso públicos assumem cargos de extrema importância sem qualquer experiência de vida. Sem qualquer informação sobre o funcionamento da sociedade e se tornam magistrados. Então passam a decidir sobre a vida alheia, sobre o patrimônio alheio e muitas vezes sobre os caminhos que a sociedade deve percorrer. Adotamos como exemplo uma magistrada recém-concursada que chegou a São Paulo e mandou lacrar um hospital público de onze andares. O hospital está lacrado há 06 anos sem a mínima necessidade. Agora a corregedoria verificou que o hospital foi lacrado com amostras de sangue e urina que ainda estão no laboratório do hospital. Não foi maldade, foi falta de experiência, mas aconteceu. Mas nós precisávamos de um direcionamento, de um apoio maior para fazer com que o poder judiciário não seja 27 ilhas isoladas no Tribunal de Justiça de cada estado, pois cada tribunal era administrado como bem entendesse o magistrado presidente, de maneira isolada, sem projeto e sem planejamento.

O CNJ veio para uniformizar as práticas de gestão, de administração, de finanças e direcionar, através de planejamento estratégico, planejamento plurianual, onde o presidente do Tribunal fique numa espécie de camisa de força dentro desses projetos, que seriam esses planejamentos. Desta forma teríamos uma administração jurisdicional equilibrada, eficiente e mais rápida. Esse é o objetivo.

E dentro desse objetivo, o CNJ começa a tratar dos projetos em torno de políticas públicas que estão ligadas a aplicação da justiça e em relação ao problema da violência doméstica, que contabiliza uma atuação significativa do poder judiciário, o CNJ tem uma parcela considerável de interferência na contabilidade em relação a aplicação da Lei Mª da Penha, aplicação de juizados, para sentir como está a evolução da justiça.

Hoje temos apenas 43 juizados especiais para atender ao Brasil inteiro. Ou seja, nós só temos 43 juízes de um universo tão grande de magistrados. 43 juizados especiais para atender a processos que dependem da lei Mª da Penha. Até hoje nós temos 278.861 processos, ou seja, é um contingente considerável. Esses números contabilizados pelo CNJ são importantes para fazer um diagnóstico final. Hoje nós temos 7.591 prisões por flagrantes e foram expedidos 1.542 mandados de prisão preventiva. Os processos que foram suspensos por aplicação da lei 8.099, foram 3.203, ou seja, 3.203 de sextas - básicas. Apenas 76.572 foram sentenciados. 85 % dos tribunais têm juizado, mas tem comunidades que não há juizados especiais para a aplicação da lei Mª da Penha.

O estado da Paraíba não tem juizado e o presidente acha desnecessário por que lá corre tudo bem. Ou seja, não existe violência doméstica no estado da Paraíba! No estado de Rondônia e Sergipe também não tem. O último estado a implantar o juizado foi o de Santa Catarina, onde a violência contra a a mulher é uma coisa séria. Temos uma ideia de que a violência é maior no norte e nordeste, mas quem atua nos movimentos feministas sabe que no sul também existe um contingente muito alto de violência doméstica. As mulheres nordestinas são mais valentes, enquanto as do sul se acomodam mais, são mais contidas. Elas querem mostrar para a sociedade que a família está bem.

É muito importante que nós tenhamos consciência da necessidade desse engajamento com os movimentos feministas, pra darmos um basta na violência que se instala no Brasil contra a mulher. Em 2010 o ceará registrou um número imenso de mulheres que foram assassinadas por seus maridos. Noventa e quatro mulheres assassinadas no ano. Além dessas, tivemos 50 no Rio de Janeiro, 40 no Rio Grande do Norte e um número elevadíssimo nos estados de Pernambuco e Santa Catarina. Esses números não são absolutos porque não há um levantamento eficaz.

Tem uma lei que diz que todos os hospitais, ao receber mulheres que sofreram qualquer tipo de violência, imediatamente comuniquem para as Secretarias de Segurança Pública. E 27% dessas mortes aconteceram dentro de casa. SP vem investindo na prevenção contra esse tipo de crime.  Desde de 99 a polícia tem uma atuação  muito forte, porque os casos chegaram a números estratosféricos.  Daí a importância dos movimentos feministas com apoio das secretarias estaduais e nacional. Temos que combater para diminuir a violência, o desemprego e apoiar a mulher para que haja mais denúncias. Diga não a violência!

O primeiro mandamento contra a violência é a denúncia. Denuncie e não espere que a morte os separe. A violência não é apenas aquela que deixa hematomas, ou seja, aquela que se pode fazer corpo de delito para comprovar. Existe aquela violência que agride a alma e da alma a gente não pode fazer corpo de delito. Não importa o que a história nos conta sobre o passado omisso da mulher, o que é importante é o que nós possamos fazer por nós e por nossas companheiras daqui por diante".

 

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