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A morosidade de nosso sistema é preocupação de todos, mas não se pode admitir o comprometimento dos provimentos jurisdicionais em função disso.
“O preço da liberdade é a eterna vigilância”. A frase, uma variação da sentença bíblica “vigilate et orate” (vigiai e orai – Marcos 14:38) é atribuída a autores diversos, mas o conteúdo é inequívoco: condiciona a manutenção dos avanços na conquista da liberdade a uma atenção permanente aos atentados contra eles praticados, por ignorância, arrogância, precipitação ou má-fé. Estabelece, enfim, que todos devemos ser cuidadosos e proativos, competentes e ágeis o bastante para prever problemas, necessidades ou mudanças, alterar eventos. Fazer acontecer, afinal, ao invés de apenas reagir.
Na campanha pelo restabelecimento das eleições diretas no país, Tancredo Neves advertia: – “Não há Pátria onde falta democracia. A Pátria é escolha, feita na razão e na liberdade. Não teremos a Pátria que Deus nos destinou enquanto não formos capazes de fazer de cada brasileiro um cidadão, com plena consciência dessa dignidade. Assim sendo, a Pátria não é o passado, mas o futuro que construímos com o presente. Não é a aposentadoria dos heróis, mas tarefa a cumprir. É a promoção da justiça, e a justiça se promove com liberdade. A liberdade é sempre esquiva conquista da razão política. É para mantê-la, em sua perene precariedade, que o homem criou as instituições de Estado, e luta constantemente para aprimorá-las”.
O raciocínio aqui exposto nos parece bastante adequado para registrar o décimo aniversário da Reforma de Judiciário, brilhantemente situada pelo presidente nacional Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, na entrevista concedida à TV Justiça. Ele alinhavou os avanços trazidos pela Emenda Constitucional 45/04, responsável pela reforma, com suas realizações e perspectivas. A emenda 45 surgiu a partir da CPI do Judiciário – lembrou ele – por iniciativa do jurista Márcio Thomaz Bastos, que já havia tentado, sem sucesso, inserir seu texto na Constituinte. “Foi aí que se tornou consenso na sociedade brasileira e dos poderes públicos a criação de um órgão de controle da atuação dos magistrados e dos tribunais”. O presidente nacional da OAB considera que a Emenda 45 é uma das inovações jurídicas mais vitoriosas e republicanas de nossa história. A criação do CNJ, do CNMP e de demais entidades surgidas com a reforma abriu o poder Judiciário de modo que a mudança não foi somente estrutural, mas cultural da Justiça brasileira.
Tomou-se a noção de que o Judiciário pode, sim, ser controlado pela sociedade. É este, afinal, o papel de um poder de Estado. O cidadão é o fundamento de existência do Estado. O CNJ trouxe controle ético, disciplinar e de transparência à atuação do magistrado. Situação semelhante ocorreu com o Ministério Público após a instituição do CNMP. – O país passou a contar com um instrumento eficaz de respeito às prerrogativas dos advogados, e a prova disso é o conjunto de diversas vitórias logradas pela OAB no âmbito destes dois conselhos quanto ao desrespeito do advogado em sua atuação profissional.
Em outras áreas também tivemos inovações, como é o caso dos Direitos Humanos. Os tratados internacionais sobre o tema passaram a ser institucionalizados como norma constitucional após a Emenda 45. Destaco, também, o estabelecimento da súmula vinculante, bandeira histórica da Ordem, que, embora polêmica, confere tratamento igualitário a cidadãos na mesma situação jurídica e o fim do nepotismo, com ela surgido em outra vigorosa campanha da OAB pela moralização e eficiência do Judiciário”. O pensamento de Marcus Vinícius remete para a abertura deste artigo ao advertir que a Reforma do Judiciário não pode ser vista como uma medida estanque. Ela constitui um marco do direito positivo, que trouxe mudança cultural à Constituição, mas é preciso sempre avançar mais. Ele vê o CNJ como um instrumento de melhorias do Judiciário que necessita ser muito bem utilizado. “Recentemente, a OAB propôs a proibição de atuação de um juiz em causa na qual esteja participando um escritório de advocacia que tenha em seu âmbito um parente deste juiz. A medida foi acolhida à unanimidade, o que é importantíssimo, pois o fato deste parente apenas não ter assinado a ação – mas participado de toda ela – possibilitava ao juiz julgar a causa normalmente. Assegura-se, assim, a paridade de armas. Este é apenas um exemplo da força e da importância de bem utilizar o CNJ”.
É fundamental, contudo, a permanente vigília para que, na busca por avanços instantâneos, não se cometa retrocessos desastrosos. Um exemplo pode ser observado no plano de metas do CNJ para 2015, que preconiza a aceleração das ações do judiciário praticamente a qualquer custo. A morosidade de nosso sistema é preocupação de todos, mas não se pode admitir o comprometimento dos provimentos jurisdicionais em função disso. Quando a determinação do plano de metas é a aceleração dos julgamentos, certamente haverá um momento em que alguém será prejudicado no procedimento. É uma questão preocupante, especialmente porque os reflexos são historicamente destinados à parte mais fraca, que é o cidadão comum, justamente aquele ao qual são destinados todos os nossos esforços em favor do aprimoramento institucional do país, dos direitos e garantias constitucionais, do pleno acesso à Justiça, da cidadania e da liberdade, enfim.
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* Andrey Cavalcante é presidente da OAB/RO.