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Desde o último dia 27 está em vigor a Lei 12.318/2010 que dispõe sobre a Alienação Parental, definida como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. Com o fito de garantir à criança e/ou adolescente o direito à convivência familiar, a lei trouxe inovações ao prever, entre outros aspectos, a prioridade na tramitação processual e a utilização de instrumentos processuais pelo magistrado visando coibir ou minorar os efeitos da alienação.
A lei em seu art. 2º deixa claro que a Alienação Parental não é promovida somente pelos genitores, mas também por terceiros. Contudo, é inegável que ocorre, em regra, após a separação do casal, onde o cônjuge detentor da guarda passa a manipular o filho para odiar o ex-parceiro visando romper os vínculos parentais existentes entre ambos.
Por certo, dificilmente um processo de separação ocorrerá sem mágoas, angústias e divergências, por isso, é frequente que um deles (ou ambos) seja tomado por um sentimento de rejeição ou quiçá de traição, usando o filho como instrumento de vingança, decorrente de um luto da separação ainda não elaborado.
Convém ressaltar que a Alienação Parental resta configurada após a prática reiterada, deliberada e conjunta de uma ou mais atitudes negativas com o fito de separar a criança e/ou adolescente do genitor alienado, do contrário, estaríamos diante de sua banalização. Neste sentido, para atingir seu desiderato, o alienante assume um padrão de condutas, as quais a nova lei elenca exemplificadamente: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; dificultar o exercício da autoridade parental; dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
A Alienação Parental é uma prática corriqueira, tendo sido nominada em 1985 pelo psiquiatra infantil Richard Gardner, classificando-a em três estágios: leve, médio e grave. No estágio leve a criança/adolescente é submetida a campanhas discretas de desmoralização do genitor alienado, com pouca ou nenhuma perturbação das visitas. No estágio médio, em razão da natureza repetitiva e intensa dos atos do alienante, os filhos apresentam-se confusos diante da “realidade” mostrada pelo alienante e daquela que ainda enxergam, além de apresentarem sentimentos de culpa em razão do sentimento nutrido pelo alienado. No estágio grave, a criança e/ou adolescente compartilha da mesma posição do alienante em relação ao alienado, colaborando com sua conduta. Não raro, o afastamento atinge seu ápice, ensejando o rompimento total dos vínculos, os quais podem não ser restabelecidos.
A lei determina que havendo indícios da alienação, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial realizada por perito ou equipe multidisciplinar, devendo o laudo compreender “entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.”
Neste contexto, a lei afastou um dos maiores receios dos litigantes acerca do perito ou da equipe designada para preparação do laudo, ao prever que tais profissionais, conforme o caso, deverão comprovar aptidão mediante histórico profissional ou acadêmico para detectar a alienação parental, evitando possíveis equívocos. Recentemente foi veiculado o caso da menina Joanna Marins, falecida no último dia 22, a que tudo indica vítima de maus-tratos, cujo principal suspeito é seu próprio pai – que ganhou sua guarda após suposta prática de alienação parental pela mãe da criança. A juíza responsável pela decisão afirma que baseou-se em estudos psicológicos realizados no processo que concluíram pela necessidade de "restabelecer com urgência o convívio da criança com o pai" e "sem a interferência da mãe". O caso está sob investigação, já que existia notícia de maus-tratos em 2007 que resultou na suspensão das visitas do pai por nove meses.
Em razão de a Alienação Parental consistir em verdadeiro atentado ao princípio da convivência familiar, a nova lei determina que, uma vez declarado indício de sua prática, o juiz poderá – a requerimento ou de ofício, em qualquer fase processual, seja mediante ação autônoma ou incidental e, após ouvido o Ministério Público – determinar, em caráter prioritário, as medidas necessárias para preservar a integridade psicológica da criança e assegurar a convivência familiar.
O magistrado poderá, ainda, uma vez caracterizado atos típicos de alienação parental, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e, em conformidade com o estágio da alienação parental, declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; declarar a suspensão da autoridade parental.
A lei é uma tentativa de evitar uma das mais trágicas e nocivas condutas do alienante ocorridas na fase grave, ou seja, à falsa acusação de abuso sexual, consumada através da “implantação de falsas memórias”, onde as crianças de até 06 anos são as maiores vítimas, pois tendem a acreditar naquilo que lhes é repassado pelo alienante. Por certo, há que se determinar a realização de um criterioso estudo psicossocial, em caráter prioritário, com o fito de evitar medidas equivocadas e injustas.
Muitos casos de denunciação caluniosa já foram detectados, e aí, os prejuízos já foram causados não somente ao alienado, mas também à criança, que poderá agir como se de fato tivesse sido vítima de abuso. A responsabilização criminal e civil pela falsa acusação de abuso sexual, evidentemente, está muito aquém de compensar o tempo perdido e de restabelecer os laços fragilizados ou mesmo rompidos. Não à toa a preocupação do senador Magno Malta, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia no Senado, ao divulgar que incluirá a alienação parental no relatório final da comissão em razão de triste estatística, pois de cada 10 casos de denúncias de abuso sexual contra pais, seis eram falsos.
A criança cuja síndrome da alienação parental já se encontra instalada, não deseja manter qualquer contato com o genitor alienado, a quem passa a atribuir somente pontos negativos, podendo apresentar isolamento, ansiedade, nervosismo, depressão, agressividade, transtornos no sono e alimentação, e até mesmo o suicídio, etc.
Não raro, a mídia vem noticiando casos em que o alienado, em ato de grande desespero, sequestra o filho, o mata e se suicida. Por isso, cabe ao Judiciário, uma vez instado, agir com cautela com o intuito de identificar os elementos caracterizadores da alienação parental e tomar as medidas que se fizerem necessárias para evitar suas nefastas consequências.
A lei sofreu dois vetos do presidente Lula, o art. 9º que tratava sobre a mediação para a solução amigável de conflitos foi vetado sob a justificativa de que a Constituição Federal estabelece que a mediação só pode ser feita perante um juiz. O texto previa que "as partes, por iniciativa própria ou sugestão do juiz, do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, poderão utilizar-se do procedimento da mediação para a solução do litígio, antes ou no curso do processo judicial". Lula também vetou o art. 10 que previa pena de prisão de seis meses a dois anos para o parente que apresentasse relato falso a uma autoridade judicial ou membro do conselho tutelar que pudesse “ensejar restrição à convivência da criança com o genitor”, justificando que tal pena é contrária aos interesses da criança.
Cuidemos, pois, de promover a conscientização de toda a sociedade civil no sentido de preservar o direito da criança e adolescente à convivência familiar, comumente cerceada em um contexto de separação conjugal, onde os parceiros não conseguem preservar os vínculos parentais.
Arlene Mara de Sousa Dias
Advogada e psicóloga, graduada em Direito e Psicologia – Bacharelado e Formação de Psicólogo (UFPA), especialista em Direito Processual Civil (FAP); representante da APASE no Pará; membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB⁄PA; membro da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica e membro da Associação Brasileira de Advogados de Família.
Contato: http://arlenemaradias@blogspot.com
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