Home / Notícias
Para marcar posição em relação ao problema, a OAB/PA e a Atep articularam uma mobilização para o dia 14 de abril deste ano, a partir das 10h, na Praça Brasil, em frente à sede do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. Será o “Dia de Luta contra o Jus Postulandi”. Já está confirmada a presença do advogado Valdetário Andrade Monteiro, presidente da OAB do Ceará e Coordenador do Colégio de Presidentes da OAB Nacional. “É uma forma de esclarecer a população, os advogados e sensibilizar o próprio TRT8”, resumiu André Serrão.
Depois de debaterem a temática de maneira criteriosa, diretores e membros da Ordem e da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Pará reforçaram a convicção de que o Artigo 791, da CLT (Carta de Leis Trabalhistas), foi revogado pela Constituição de 1988 e não está mais em vigor, fundamentando juridicamente que a prática do Jus Postulandi prejudica jurisdicionados, advogados e magistrados.
Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB e diretor da Atep, o advogado André Serrão é um dos profissionais que conhece a nocividade dessa prática para os cidadãos e operadores do Direito. “A CLT é década de 1940, da época do presidente Getúlio Vargas. O artigo 791 não acompanhou a evolução do Poder Judiciário, a dinamização das demandas. E o artigo 133 da Constituição de 1988 diz que o advogado é indispensável à administração da Justiça”, observa.
Realidade
Conforme previa o artigo 791, o Jus Postulandi permitia ao cidadão acessar o Poder Judiciário sem a necessidade da intermediação de um advogado, sendo atendido por um servidor da Justiça, que toma a atermação, reduz a termo o que o trabalhador relata. “O risco é o servidor, que muitas vezes não é formado em Direito, calcular um valor acima do que o trabalhador merece, principalmente por chegar à audiência e não dispor de testemunha”, alerta.
Nesse contexto, segundo Serrão, o juiz propõe um acordo em valor bem abaixo do que o trabalhador imaginava ter direito e o reclamante não possui ninguém para orientá-lo. "Com isso, o trabalhador acha que está sendo lesado. Já vi muitas vezes o juiz orientar o trabalhador a aceitar o acordo para não perder. Se o advogado estivesse presente, iria orientar que ele não possui testemunha e deveria aceitar o valor".
Na avaliação do diretor da Atep, o juiz perde muito tempo na sala de audiência para convencer o trabalhador que o valor previsto é justo. “Se um advogado estivesse presente, isso seria mais rápido”, pontua. De acordo com Serrão, outro problema é o servidor precisar atender diversas pessoas e não dispor de tempo para realizar uma consulta mais elaborada. “Ele não tem tempo de ver todas as questões pertinentes ao processo, de prestar um atendimento adequado, completo, acaba usando um modelo básico de atermação e utiliza para todos os pedidos”.
No geral, essa prática não é saudável para nenhuma das partes envolvidas, pois os advogados do reclamado perdem muito mais tempo e os advogados do reclamante ficam sem cliente. “Se o juiz sentenciar contrariamente ao direito do trabalhador, ele não sabe fazer um recurso. Muitas vezes, o trabalhador é até analfabeto. Como é que ele vai fazer o recurso? Ele acaba vendo o direito dele perecer, porque não possui advogado. O trabalhador não sabe nem que tem esse direito, não sabe qual é o prazo, qual a forma como pode fazer o recurso”, lamenta André.
Contradição
No entendimento do diretor da Atep, sempre que o trabalhador ou empregador buscar o Judiciário sem um advogado, seguramente está colocando em risco seus próprios direitos, pois sequer tem conhecimento de todos eles, tampouco saberá requerê-los. “Como um trabalhador conseguiria elaborar perguntas à parte contrária em audiência? Como poderia, sozinho, elaborar um recurso contra uma decisão que lhe foi contrária, haja vista que o próprio Tribunal Superior do Trabalho por meio da Súmula 425 já proíbe que sejam feitos recursos para a corte por trabalhadores ou empregadores desacompanhados de advogado. Porquê não estender a regra a todos os atos, na esteira do que foi estabelecido pelo legislador constitucional?”, indaga.
André classifica a decisão de ter editado a súmula estabelecendo que não cabe recurso para os tribunais superiores feito pelo próprio trabalhador muito contraditória. “O trabalhador já sucumbiu em 1º grau, teve seus direitos todos perdidos. Somente quando for necessário ir à Brasília recorrer é que ele vai ter que buscar um advogado para ressuscitar o processo, um paciente que já chega em estado terminal? É muito melhor que o advogado acompanhe o processo desde o início”, completa Serrão.
Para André, o acesso à justiça deve ocorrer com plenitude, de forma que o trabalhador consiga realmente brigar por seus direitos com consistência, fundamentação. “E só acompanhado de um advogado, o trabalhador vai conseguir isso. Quando surge um problema no coração, não se consulta um médico cardiologista? Na Justiça do Trabalho, você tem que procurar um advogado trabalhista”, exemplificou.
PJe
Com o advento do PJe (Processo Judicial Eletrônico), a preocupação se acentuou, uma vez que os advogados apresentam dificuldade enorme de militar na Justiça do Trabalho e ainda precisam dispor de computadores com os programas todos instalados, token, certificado digital para poder acessar o processo. “Como é que um trabalhador sozinho vai conseguir pleitear no PJe? Como vai conseguir fazer o recurso dele e peticionar? É uma ideologia muito distante da nossa realidade. Na época do processo eletrônico, não há mais como alguém tentar peticionar sozinho na Justiça”, ponderou.
Convênio
André Serrão aponta o convênio firmado entre o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região e a Fabel (Faculdade de Belém) como catalisador dessa problemática e está na contramão da realidade vivenciada em todo o país, ao passo que estrutura e fomenta o Jus Postulandi. “No entendimento da OAB e da Atep, o convênio é equivocado, pois o trabalhador se dirige ao TRT8, faz a atermação (petição inicial), sai com uma data de audiência e procura o Núcleo de Prática Jurídica da Fabel. A audiência é agendada e ele assina um documento tomando ciência de que o advogado e os estagiários só vão acompanhá-lo até a audiência inaugural”, descreve.
Nessa audiência, o advogado e os estagiários tentam a todo custo viabilizar um acordo, mesmo que não seja bom para o trabalhador, visto que não vão conseguir acompanhar o processo. “Se for para a sentença, o reclamante vai ter que procurar um advogado, porque a faculdade não está mais no processo dele. Que compromisso é esse que a faculdade está assumindo. Os direitos do trabalhador estão sendo resguardados?”, questiona André.
Serrão avalia que essa conjuntura é péssima para o estudante. “Ele não aprende a fazer uma peça, a fazer os recursos. E o estudante não assume aquela responsabilidade de ir com o processo até o fim, de brigar pelo processo”, lamenta. Para quem quer ser um bom profissional de advocacia, segundo André, “esse é um exemplo a não ser seguido por nenhum estagiário, pois configura abandono de causa, o que fere o Estatuto da OAB”.
Para o diretor da Atep, o ideal é que o estagiário acompanhe o advogado desde o atendimento, de modo que perceba o que realmente aquele cliente está precisando, qual o drama do trabalhador que está desempregado, que não recebeu suas verbas rescisórias. “Esse contato é bom para escutar e redigir a petição inicial, protocolar e acompanhar a audiência, avaliar se o acordo que está sem oferecido é bom ou não, se é um caso de prosseguir com o processo. E se a sentença for julgada improcedente, elaborar o recurso, até mesmo os cabíveis para os tribunais superiores”, acredita Serrão.
Outro fator negativo para o estudante é a cobrança da concepção de peça e recursos no Exame de Ordem. “Nada disso é exigido nesse convênio. Portanto, ele é muito mal elaborado, pois prejudica os estudantes, jurisdicionados, advogados e magistrados”, afirma. Em virtude disso, a OAB e a Atep defendem que o convênio só poderá ser mantido se contemplar todas as instituições de ensino, bem como deve estipular limitação do número de estudantes por advogado (para não prejudicar o aprendizado), que o estagiário deve estar regularmente inscrito na OAB e estabelecer número máximo de processos por advogado.
Foto: Sheila Faro