Home / Notícias
“Reforma do Código Penal e o Controle Social: aspectos fundamentais”. Esse foi o tema da segunda palestra da primeira noite do I Seminário de Direito Penal “Anteprojeto do Código Penal: Análises e Perspectivas”, realizado no auditório David Mufarrej, da UNAMA Alcindo Cacela.
A palestra foi ministrada pelo juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Pará, Elder Lisboa - Doutorando em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal) e professor de Direito Penal da UNAMA.
Em entrevista exclusiva concedida à Assessoria de Comunicação da OAB - Ascom, o juiz fez uma análise do anteprojeto do código sobre a ótica do controle social. Segundo o palestrante, o debate sobre a reforma só vai ter êxito quando a sociedade civil organizada estiver incluída e afirmou: "Enquanto os congressistas estiverem fazendo isso a portas fechadas, sem ouvir a academia, sem ouvir a população, sem ouvir os órgãos interessados, vai ficar muito difícil fazer uma reforma profícua no código."
Ascom - Qual a importância de evento como este?
Elder Lisboa - Eu acredito que esse tipo de discussão tem muito a avançar, principalmente por que existem situações em que o Código do Direito Penal ainda interfere diretamente, como nos casos de adultério e outros crimes, como introdução de animais em pastos de fazendeiros. Isto está dentro do Código Penal e a gente acredita que deva ser retirado com a reforma. È importante também para debatermos questões como a redução da maioridade penal, a questão dos crimes graves cometidos por psicopatas, que ainda não temos uma solução pra isso. Então esse tipo de evento é muito bem vindo e a OAB está de parabéns.
Ascom - Sobre os crimes graves, quais aspectos o senhor considera importante destacar sobre esse aspecto dentro do Código?
Elder Lisboa - A questão dos crimes graves passa pelo ponto de identificarmos aquelas pessoas da sociedade, que são cidadãos, mas se desvirtualizaram pelo caminho do crime. Para tipificar o crime precisamos saber o porquê essas pessoas cometem crimes: se eles estão mais próximos da escola Durkheim, onde o crime depende do fator social ou se, de fato, nós estamos nos aproximando da escola de Lombroso, onde diz que as pessoas são doentes realmente. Um exemplo disso é o mérito da questão do aborto para mulheres e usuárias de crack. Não podemos avaliar o caso isoladamente, já que os filhos dessas mulheres já nascerão doentes, drogadas, clinicamente falando. Então são coisas que nós, penalistas e criminólogos vamos ter que discutir e avaliar. Em outras palavras, Direito Penal não pode andar separado da criminologia, que existe para auxiliar o debate sobre o direito penal.
Ascom: Qual a sua avaliação sobre o controle social realizado pela ótica do anteprojeto? Qual o tratamento dado pelo anteprojeto a esse tema?
Elder Lisboa: O anteprojeto pode errar no sentido de que, trazer para uma discussão jurídico penal, assuntos que não são do Direito Penal. Nós queremos que o Direito Penal faça o controle da sociedade, de uma sociedade doente, de famílias desestruturadas, de famílias que não tem o mínimo apoio social, de mães com cinco, dez filhos e que já são criados na marginalidade. Não podemos querer que o direito penal concerte isso, pois é impossível. É como falar da Maieútica Socrática, que é justamente, quando a gente devolve para a sociedade as perguntas para as quais elas procuram as respostas, ou seja, será que é o Direito Penal que tem que fazer o controle social disso? Não podemos exigir que o direito penal resolva, de primeira mão, uma questão que tem que ser resolvida po rmoutros meios. O direito penal deveria ser a última alternativa. Hoje, o direito penal sofre uma crise de legitimação, ou seja - o que o professor Luis Flávio inclusive fala no prefácio do meu livro - hoje o Direito Penal hoje não cumpre com o papel que ele deveria cumprir na sociedade: estamos prendendo as pessoas , colocando dentro do sistema e, elas saem piores e o resultado disso é que os índices de reincidência estão cada vez maiores. Na verdade nós estamos prendendo por prender, punindo por punir e, se realmente esse for o único objetivo do direito penal, ele está falido. Então o anteprojeto precisa buscar novas soluções, novos mecaniscmos, novas formas de conseguir esse controle social, que muitas vezes passam por outros campos dos direito.
Ascom - O Código é de 1941, é um código antigo que há tempos precisava ser rediscutido, repensado, refeito. O que que você destaca como ponto positivo dessa discussão?
Elder Lisboa - O Código Penal surgiu em um Estado de Guerra, ele é de 1941 - um código historicamente cunhado em um código alemão extremamente patrimonialista. Todavia, o que se percebe é que o legislador não acompanha o avanço da sociedade, ele é muito lento, a sociedade já urge por essas soluções. A reforma do código já vem tarde. Estamos no século XXI, avançamos muito e o Direito Penal ainda não consegue resolver muitas questões. Nós temos que nos aproximar também da “teoria da imputação objetiva”, que é a questão do dano e etc. Então, a reforma ela já vem tarde, por que a sociedade avançou muito e a lei é a mesma.
Ascom - Avanços tecnológicos: hoje se fala muito desses crimes cometidos pela internet . No anteprojeto contempla isso?
Elder Lisboa - Contempla, o bullying , crimes cometidos pela internet, entre outros. Mas a grande questão, é o modelo de penalidade. O nosso modelo é o Finalista, de Hans Welzel que cunhou isso em 1940/ 1941. Diante desses crimes nós temos que sair um pouco do finalismo e passar um pouco para a imputação objetiva, criada pelo Roxin de Adamo, para determinar os tipos de crimes estabelecidos no código penal. O finalismo perquire dolo e culpa. Isso na década de quarenta era muito sintomático e só se podia agir dessa maneira. Hoje, com o avanço das tecnologias e com o avanço da sociedade, não se pode mais perquerir somente a culpa ou dolo para a questão da imputação penal, mas sim imputar o dano a quem o causou. Isso é fato. É uma nova roupagem, uma nova forma de punição, uma nova forma de ver o direito.
Ascom – O senhor acha que a sociedade está preparada para essa discussão do anteprojeto e para as mudanças que ele pode trazer?
Elder Lisboa - A sociedade tem que está preparada sim. Obviamente que conhecemos as limitações relativas ao conhecimento científico que os legisladores têm, que os acadêmicos também têm. Todavia, ela tem que está preparada, por que é ela que sofre quando a lei não alcança o objetivo em relação a punição efetiva dos crimes, que estabelecem hoje o nosso ordenamento jurídico. Então a sociedade tem que está preparada de qualquer maneira porque os avanços surgem e a gente tem a necessidade de punir esses crimes.
Ascom: Então as penas previstas hoje, no anteprojeto do código penal, ainda não acompanham o anseio da sociedade?
Elder Lisboa - Isso é uma questão sistêmica, por que as penas podem até adequadas. A pena tem um caráter triple, ou seja, ela tem um caráter de prevenir, ela tem um caráter de retribuir e tem um caráter de ressocializar. A pena hoje estabelecida, quer pouco ou muita, não tem mais o viés de ressocializar e nem de prevenir. Atualmente, a pena está unicamente para punir, e como punição ela não tem qualquer tipo de serventia ao preso, pois o mesmo volta a delinquir novamente, elevando ainda mais os índices de reincidências de crimes. Por isso,é necessário não somente uma reformulação na lei penal, mas também na parte criminológica e na parte da execução penal. Só reformar o código penal não vai adiantar. Tem que haver ações conjuntas.
Ascom: Faça suas considerações finais
Elder Lisboa – Espero que esse seminário contribua efetivamente para que nós tenhamos um conjunto de ações , não só do Direito Penal, mas como também dos criminólogos, psicólogos, psiquiátras e todo o aparelho da execução penal, que possam corroborar no sentido da gente ver realmente onde o direito penal tem que agir com rigor para crimes graves e onde o direito penal tem que se retirar, como crimes menos graves, como menos penas privativas de liberdade para que o acusado não vá para o cárcere, já que uma vez no cárcere, comprovadamente, de lá ele não volta melhor. Fazendo essa mudança de paradigma de prisão pra quem realmente merece, a gente vai ter um direito penal melhor.
Fotos: Paula Lourinho