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O jornalista brasileiro Luís Nassif presidiu, ontem (28) à tarde, o painel 6 da VI Conferência Internacional de Direitos Humanos da OAB, cujo tema foi “O combate à pobreza e redução das desigualdades regionais.” Com a experiência de ter sido colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Folha de S. Paulo, Nassif elogiou a atual gestão do Conselho Federal da OAB e suas respectivas seccionais ao conceder a entrevista exclusiva à assessoria de comunicação da OAB do Pará. Nassif disse que agora se sente confortável em falar de direitos humanos com a retomada de credibilidade da confiança e do respeito da Ordem perante à sociedade.
Confira na entrevista a seguir:
O que você está já acompanhou da conferência, o que você está achando do evento?
Luís: “É um evento fantástico! Mas antes de falar desse evento preciso dizer que os anos 70 foram tenebrosos e a OAB surgiu como uma luz, uma referência naquele momento de defesa dos direitos individuais. E agora, nós estamos vivendo momentos tenebrosos com esse avanço monumental da intolerância, do preconceito, essa maneira como a mídia passou a protagonizar a guerra fratricida. A partir da última gestão, a OAB está recuperando aquela função de ponto de referência, dos valores sociais, humanos e dos direitos coletivos. E esse evento aqui é uma consagração, com os temas tratados e audiências fantásticas.”
O que você achou da escolha de Belém do Pará para sediar essa conferência?
Luís: “Eu sou meio suspeito, porque tenho uma paixão antiga por Belém. Por coincidência, foi aqui que eu conheci a minha esposa. Desde o século XIX, Belém tem uma tradição de lutas populares, de acolhimento dos imigrantes. É uma terra que transborda brasilidade para todo lado, seja o Waldemar Henrique, seja o Nego Nelson. Então, o fato de ser aqui na ponta do Brasil, que já teve uma grande influência de outras colonizações, mas se firmou como brasileiro, inclusive na independência, tem um significado importante?”
No painel “Combate à pobreza e redução das desigualdades regionais”, qual é a grande mensagem que você vai repassar? Você acha que é importante para fomentar a discussão sobre isso?
Luís: “Quando se fala em desenvolvimento regional, está se entrando no próprio centro da democracia brasileira. Mesmo nos períodos democráticos não democráticos, o centro do anacronismo político esteve em São Paulo e Rio de Janeiro. Se fala muito do coronelato regional. No geral, São Paulo e Rio têm muito aquela visão superior: ‘nós somos a civilização, os outros estados são os coronéis que imperam’. Mas imperam em função de uma estrutura de poder estratificada em São Paulo e Brasília, que faz com que o Executivo fortaleça os coronéis regionais para poder ter sua base de apoio e os grupos de mídia consolidam esses coronéis regionais, criando essas redes, que nada mais são do que uma estrutura política a serviço de uma concentração de poder midiático.”
“Quando está se falando em regionalização, o que está em jogo é algo muito mais amplo, que é a descentralização do poder. É você ter um país mais equilibrado, os Estados saírem desse julgo das redes de emissoras, dos pactos políticos, para ganharem uma vida política própria. É você ter um olhar sobre os abusos contra os direitos humanos que ocorrem longe dos olhos da mídia. Tudo isso vem no bojo de uma revolução que tem na internet, na quebra da hegemonia da mídia o seu ponto central. Então, hoje é possível você ter acesso a informações do norte sem passar por todo aquele filtro jornalístico pesado, que antes impedia um arejamento de notícias e de ideias.”
Como é que você avalia o papel da mídia, dos veículos de comunicação - distinguindo os tradicionais e dessas novas mídias alternativas - dentro dessa função social de tentar diminuir as desigualdades sociais?
Luís: “Se for pegar as políticas sociais que ocorreram desde o ‘Bolsa Família’ até as cotas raciais, as maiores resistências vieram dos grupos de mídia. Ou seja, em vez de exercer um papel civilizatório, eles nadavam contra a corrente da modernização. Não estou falando de esquerda e direita, mas de civilização. Essa pressão monumental ocorreu do lado deles. Em 2005, houve um pacto dos jornais para impedir a entrada de novas mídias dos grandes grupos internacionais que resultou num estilo jornalístico de assassinato de reputações sem tamanho. Hoje, é um poder ainda muito influente, mas decadente. Desses grupos, sobrou a Rede Globo.”
“Vai ter que discutir a regulação econômica da mídia e democratização dos meios de comunicação. Há dois momentos na vida política do país: as eleições em que o povo se manifesta. E entre as eleições, que a opinião pública se manifestava muito - e até hoje - a Dilma é muito mais sensível ao que sai no jornal do que sai do lado dela. Então, pautavam as políticas públicas. Essa pauta das políticas públicas desde o início do século 19 fez essa concentração de recursos e de poder nesse eixo Rio-São Paulo, condenando o resto do país à estagnação. No começo do século, qualquer gasto com cafeicultura era gasto virtuoso. Qualquer gasto que fosse feito fora de São Paulo ou Rio era um gasto desnecessário ou antipatriótico.”
“Quando se rompe com esse modelo, isso faz parte desse vácuo político que nós temos hoje. Não se tem mais hoje referência no judiciário, nos partidos políticos e no executivo. Todo aquele modelo que criava mitos, direcionava, filtrava, ele se esmoruou. Do ponto de vista das redes sociais, é um caos ainda. Existe muita disputa política de blogs, mas é um universo muito restrito esse dos jogos políticos. Blog de esquerda fala para o cara de esquerda. Blog de direita fala para o cara de direita. Mas você tem no meio desse pandemônio da internet possibilidades hoje de visibilidade para grupos sociais que você nunca teve antes.”
“Quanto às questões indígenas, antes tinha um filtro. O índio era visto como uma figura anti-progresso. As demandas dos índios hoje estão presentes. Por exemplo, eu sou a favor de hidrelétrica na Amazônia, desde que cercado de todos os cuidados, respeitadas as condicionantes. Hoje, qualquer abuso que se cometa em relação a isso, há meia dúzia de blogs que publicam e vai para Europa. Isso é democracia. É contra isso que os jornais se insurgem, pois aquele poder absoluto de matar, de promover, a cada dia que passa, está ficando mais rarefeito.”
Qual sua avaliação sobre dois aspectos: o olhar diferenciado, criativo que a população usa para se manifestar, e a violência sofrida pelos jornalistas na cobertura dessas manifestações, que tem sido cada vez maior?
Luís: “Essas manifestações são contra toda forma de autoridade. Em junho de 2013, foi contra toda forma de regulação institucional. Ou seja, envelheceu tudo. O Executivo envelheceu, não consegue captar as demandas populares. O parlamento e a imprensa também. É um negocio difuso. A própria esquerda não tem uma visão adequada do que ocorre. Em março, eu tive grandes discussões com pessoas ligadas ao PT que diziam que as manifestações não tinham nenhuma proposta. Mas é claro que não tem proposta. Não é da rua que vem a proposta. O que a rua mostra é uma baita de uma insatisfação. E essa insatisfação é o elemento central. Se você não olhar bem essa insatisfação, como a Dilma não olhou em junho, e continua não olhando.”
“Isso ai vai obrigar a um aprofundamento da democracia social, é inevitável. Se demorar mais, é mais bagunça que vai ter. Com a internet, quando o cara clica, ele pensa que pode participar, porque antes a participação estava restrita a líderes de assembleias, a um pessoal mais ativista, mais profissional também. No dia a dia, ele dá o palpite para o grupinho dele. Quando ele começa a clicar, pensa que pode participar e quer mais. É preciso criar canais de participação. É um processo que exige um desprendimento da parte do governante muito grande, exige uma visão de futuro muito grande. Essas manifestações são caóticas sim, e disso vai sair um novo quadro político, que ninguém sabe qual é. Pode ser algum redentor, tipo Collor em 1989. Mas vai demorar um pouco.”
A parte
Ao final da entrevista, o jornalista enfatizou que a OAB recuperou a credibilidade perante a opinião pública, ao passo que a instituição virou referência na discussão e na defesa dos direitos humanos no país, culminando com a realização da VI Conferência Internacional no estado que registra grandes índices de violação desses direitos.
Luís Nassif salientou que Marcus Vinícius Coêlho e Jarbas Vasconcelos exercem altiva liderança junto aos advogados brasileiros e paraenses, respectivamente. “Nós precisamos de grandes estadistas, não somente no Estado, mas como na OAB e no Ministério Público também. E hoje, a OAB, tanto no Conselho Federal da OAB quanto nos estados, está muito bem servida de líderes, especialmente aqui no Pará, com Jarbas Vasconcelos.”, declarou.
Por outro lado, Nassif criticou a postura do ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante. “O Ophir foi o que de pior aconteceu na OAB. Ele representa o ponto mais baixo, menor, quase insignificante da atuação pública da instituição.”, afirmou o jornalista, lembrando que “o mais interessante é que quando a oposição começou a aparecer, com o atual presidente Marcus Vinícius, alguns veículos de comunicação – comprovando o que há de mais espúrio e medíocre na relação com a população conservadora brasileira – começaram a falar mal dele.”, lamentou Luís.
Foto: Yan Fernandes