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Roberto Busato era o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na época em que estourou o escândalo do Mensalão. No Pará desde o dia 31 de outubro passado, ele tem agora uma difícil missão: tirar a Ordem local do fundo do poço - onde ela mergulhou de cabeça em meio a uma crise que levou ao afastamento do presidente Jarbas Vasconcelos, de outros quatro diretores, e a um doloroso processo de intervenção, inédito na história da entidade nacional em mais de 80 anos de sua existência. Pouco mais de quatro meses no cargo e menos de três para concluir o mandato de interventor, Busato confessa nesta entrevista exclusiva ao DIÁRIO que gostaria de ter tido tempo para “fazer mais”.
Ele recebeu a Ordem com R$ 30 mil em caixa para despesas de R$ 200 mil. E conseguiu, graças a um regime de austeridade financeira imposto pelas circunstâncias, colocar a casa em ordem, apesar da crise que afetou a credibilidade da instituição junto ao povo e aos próprios advogados. Quase metade dos que pagavam suas anuidades normalmente deixaram de fazê-lo. Os meses de novembro e dezembro foram duros, mas Busato não se abalou. Hoje, garante que deu a volta por cima, conseguindo reverter um déficit total de R$ 500 deixado por Jarbas Vasconcelos.
Perguntado se pretende continuar no cargo, em caso de prorrogação da intervenção pelo Conselho Federal, ele é taxativo: “99,9% da minha missão está cumprida no Pará”. Busato acredita que com o retorno de dois diretores afastados - o vice, Evaldo Pinto, e o secretário-geral-adjunto, Jorge Medeiros, que foram inocentados pelo Conselho Federal de qualquer responsabilidade pela venda do terreno da OAB de Altamira - há clima até para que um interventor paraense continue o trabalho por ele iniciado até novembro deste ano, data de eleição para nova diretoria. Confira a entrevista:
P: O senhor veio para Belém para colocar a OAB-Pará em ordem, restabelecer a normalidade administrativa e financeira e também apaziguar os ânimos após a intervenção que apeou do poder o presidente Jarbas Vasconcelos. Como o senhor recebeu a Ordem?
R: A Ordem que eu sempre vivenciei e vivi sempre foi presente na mídia, mas na mídia positiva, de realização em prol da cidadania e da República. Em face das divergências na entidade aqui do Pará, encontrei uma Ordem exposta ao público de forma totalmente diferente da tradição da OAB. A situação não era nada boa. Um clima interno muito difícil, de intranquilidade. Externamente, a Ordem perdendo muito de sua autoridade e honorabilidade, como instituição que representa a sociedade civil deste Estado.
P: O senhor foi bem recebido?
R: Em geral, não fui mal recebido. Houve um apoio forte de um segmento. Do outro, liderado pelo presidente Jarbas Vasconcelos, houve respeito. Tive um diálogo com ele e com alguns de seus membros, explicando que tinha vindo para uma missão institucional.
P: Não veio caçar bruxas...
R: Não, não vim caçar bruxas e nem disputar qualquer tipo de poder. Minha biografia dentro da Ordem estava pronta. Não tinha mais o que provar e nem escrever mais uma página.
P: O que o senhor encontrou, o assustou?
R: Eu já tinha conhecimento da situação. Quando cheguei, o problema do terreno [da OAB de Altamira, vendido para um conselheiro da própria OAB paraense, que deflagrou todo imbróglio, culminando com a intervenção pelo Conselho Federal] já tinha sido resolvido. O negócio havia sido anulado. Ocorre que havia uma interrupção na parte administrativa e financeira da Ordem, a partir do segundo semestre. Uma atuação absolutamente diversa. Em agosto, setembro e outubro a Ordem teve uma retração financeira vertical. Foi uma queda violenta, com uma perda de credibilidade muito grande. Deixaram de entrar aqui até representações por infrações disciplinares de advogados. Isto demonstrava a falta de credibilidade da população. O foco da administração acabou mudando de lugar, cuidando mais do problema político e da crise que havia entre os grupos.
P: A Ordem ficou abandonada?
R: Eu diria que ficou ao relento. Isto causou um desconforto ao quadro funcional, aos advogados que assistiam a estas cenas terríveis, além das finanças da Ordem.
P: Muitos advogados deixaram de pagar as mensalidades, desgostosos com a crise. Quase a metade dos que pagavam deixaram de pagar, em sinal de protesto...
R: É verdade, mas não tenho ainda os números. Estamos concluindo uma grande auditoria nos próximos dias. Ela trata da situação administrativa e financeira que enfrentamos em 2011. A Ordem, que no começo do ano estava numa situação sólida e estável, chegou ao mês de outubro numa situação instável, insolvente e que exigiu um freio de arrumação muito forte nos campos administrativo, financeiro e até mesmo institucional, para corrigir os rumos da locomotiva.
P: Advogados comentam que esse abalo nas finanças teria deixado um rombo de R$ 800 mil. Isto procede?
R: Não. Mas o déficit ficou em torno de R$ 500 mil no exercício de 2011, o que foi coberto com auxílio do Conselho Federal. Hoje, em 2012, a situação é diferente. A casa está saudável, os advogados estão acorrendo à instituição, pagando anuidades, mantidas aos mesmos números do ano passado.
P: O senhor recebeu a Ordem com dinheiro em caixa ou recomeçou do zero?
R: Recomeçamos do zero, menos alguma coisa. Pegamos a casa com o pagamento dos funcionários já no último dia, pago. Mas ainda havia despesas, no valor de R$ 200 mil, para um caixa de R$ 30 mil.
P: Houve gastos desnecessários?
R: Houve. Um exemplo foi a Conferência Estadual dos Advogados, um grande evento programado no segundo semestre. O fato é que as despesas desse eventos, talvez em função da crise, se avolumaram muito acima do estimado, enquanto as receitas foram superestimadas. O prejuízo foi grande.
P: Em abril próximo termina o período da intervenção. A partir daí, o que irá acontecer?
R: A casa estará arrumada, nos aspectos administrativo e financeiro, e deverão surgir vários cenários. Vamos entregar a Ordem com solidez muito boa, sem nenhum problema para quem assumi-la. A solução política, segundo me parece, deve ir um pouco além, apenas nas próximas eleições.
P: Mas a eleição é em novembro e a intervenção acaba daqui a pouco mais de dois meses. Teremos aí um vácuo de sete meses...
R: A intervenção só poderá ser prorrogada por ato pleno do Conselho Federal. Em abril, isto será decidido em uma sessão. Não depende da OAB do Pará, mas do Conselho. Se ele quedar-se, inerte, é claro que retornarão os diretores afastados.
P: Isso não seria ruim para a OAB paraense, a volta dos diretores afastados?
R: Se eles voltassem e continuar o clima de guerra dentro da instituição, é evidente que seria muito ruim, um violento retrocesso.
P: Se fosse prorrogada a intervenção, o senhor aceitaria continuar no cargo?
R: Se eu tivesse que dar uma probabilidade, diria que 99,9% da minha missão aqui está extinta. Acho que a própria OAB do Estado poderia encontrar uma solução, com um interventor paraense, para ficar até novembro.
P: O presidente afastado, Jarbas Vasconcelos, tem dito a amigos que os direitos humanos dele foram violados com a intervenção. O senhor já representou o Brasil em Haia, atuando na área dos direitos humanos...
R: Não concordo. Esta talvez seja uma figura de defesa que o presidente está usando. Não houve com relação a ele qualquer violação de direitos humanos, nem ofensa ao seu direito de defesa.
P: O senhor sairá com a sensação do dever cumprido ou com a frustração de que poderia ter feito mais?
R: A intervenção termina em abril, mas até agora eu tenho a sensação do dever cumprido. O que eu me propus a fazer está dando resultado. Evidentemente eu exerço uma administração precária. Quando cheguei não tinha certeza se iria ficar aqui no Pará por uma semana. Se o presidente Jarbas tivesse obtido sucesso em alguma liminar, ele teria retornado ao cargo. Em razão disso não pude tomar nenhuma medida de longo alcance. Como já exercia vários cargos na administração da OAB, lamento apenas não ter tido tempo de fazer mais. Gostaria de fazer uma reforma completa no casarão da OAB, que é um marco da cultura jurídica doPará. O casarão está em um estado precário.
P: O senhor era o presidente nacional da entidade na época do Mensalão e sua atuação, cobrando apuração rigorosa e punição dos culpados o levou a ser considerado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva o principal crítico do governo. Que avaliação o senhor faz sobre o maior esquema de corrupção na história do país, comandado por petistas?
R: Foi um acontecimento lamentável na vida do país, e que deixou a nu os grandes personagens políticos da época. Oito anos depois, o esquema de corrupção continua estabelecido e inegavelmente operando.
P: A Ordem teve um papel relevante no Mensalão, contribuindo para que o caso fosse apurado e chegasse ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde está prestes a ser julgado...
R: De fato, a Ordem falou e destemidamente denunciou todas as manobras para encobrir o acontecimento. Também denunciou outros escândalos que vieram ao reboque do Mensalão, como o dos sanguessugas. A Ordem foi protagonista, sopesando o poder das autoridades brasileiras corrompidas.
P: O senhor acredita que o STF vai condenar os envolvidos?
R: Em um processo com inúmeros réus tudo pode acontecer. Desde o começo, eu dizia que havia muito temor em não julgamento pelo decurso do tempo, que o delito fosse alcançado pela prescrição. Quem viveu tudo isso como eu, entre 2003 e 2007, tem a esperança de que o Supremo atente aos interesses da cidadania, da República, e puna exemplarmente aqueles que denegriram a função pública no país.
(Diário do Pará)