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Casado, 44 anos, pai de duas filhas, o advogado Jarbas Vasconcelos dá de ombros quando lhe perguntam se não tem medo de ficar “marcado” pelos desembargadores paraenses:
“Sei que os homens são dados a represálias. Mas estou numa posição que não posso recuar. Sinto muito. Vai ser assim”.
A pergunta vem a propósito das ações da Seccional paraense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PA) contra suposto nepotismo cruzado entre o Governo do Pará e desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado (TJE). Além de uma campanha na internet para receber denúncias contra essa prática nefasta, a OAB ajuizou processo no Tribunal Regional Federal (TRF) contra a desenfreada contratação de assessores especiais pelo Governo e protocolou reclamação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que já resultou, inclusive, na abertura de sindicância.
A atitude da OAB paraense ganhou as páginas dos veículos nacionais de comunicação, como a Revista Isto É e o jornal Folha de São Paulo.
Provocou um bafafá no TJE, com manifestações indignadas de magistrados e da associação dos juízes paraenses, a Amepa; gerou críticas públicas de um conselheiro da Ordem, o advogado Mauro Santos, que advogou para os tucanos, na última campanha eleitoral.
Também valeu a Vasconcelos uma enxurrada de ataques na blogosfera paraense, que apontam motivação partidária em tais ações, devido à ligação dele ao PT, partido ao qual pertenceu durante quase três décadas e do qual só se desfiliou, no ano passado, ao assumir a presidência local da OAB.
Na noite de domingo, Vasconcelos recebeu a Perereca em seu apartamento, no centro de Belém, para falar sobre essas ações inéditas da OAB paraense, contra o nepotismo no Judiciário.
Rebateu as críticas e lembrou que inexiste o “paradigma do pior” - espécie de “autorização” para a prática de irregularidades, porque também cometidas por governantes anteriores.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Perereca:O senhor tem sido muito criticado devido a essa ação da OAB contra suposto nepotismo no TJE. Por que é que o senhor nunca reclamou disso no governo da Ana Júlia?
Jarbas: Eu assumi a Ordem em janeiro de 2010. Fui candidato a presidente em 2000, quando liderei um grupo chamado “OAB de Todos”. Nas eleições de 2009, fizemos uma composição com o grupo que administrava a Ordem, liderado pelo doutor Ophir (Ophir Cavalcante, presidente nacional da OAB), de modo a viabilizar a eleição dele à presidência do Conselho Federal. Portanto, eu não era dos quadros da Ordem até janeiro de 2010. E quando assumimos a Ordem, tínhamos muita clareza de que havia um horizonte ético a ser cobrado em relação a todos os Poderes, especialmente o Poder Judiciário, que, entre os Poderes da República, depois de todos estes anos de Democracia, ainda é o mais distante, o mais difícil e o mais avesso ao controle social. E a Ordem, para mim, sempre teve esse papel: é a instituição da sociedade mais próxima do Poder Judiciário e é dever da Ordem exigir dele que seja transparente à sociedade. De modo que quando assumimos a Ordem, a primeira campanha que fizemos, no ano passado, foi a chamada “Operação TQQ” – uma blitz, logo depois do Carnaval, em todas as comarcas e fóruns, da capital e do interior, para verificar a assiduidade e a presença dos juízes. E constatamos que 65% deles, no interior, mesmo depois do Carnaval, não tinham retornado às suas comarcas. Na capital, igual percentual de juízes também não chegaram ao trabalho de forma assídua, ou seja, até às 8, 9 da manhã. Isso é o quê? Em última instância é um problema ético.
Perereca: Por que é que o senhor acha que o Judiciário é o mais avesso dos Poderes ao controle social?
Jarbas: Veja bem: nos outros Poderes, você elege os deputados, os senadores e o chefe do Executivo. No Judiciário, o juiz faz concurso. E acha, porque fez concurso, que não tem de prestar nenhuma satisfação à sociedade. Quer dizer: ele se coloca na posição de administrar os conflitos da sociedade, mas não se coloca na posição de prestar justificativa à sociedade. Por isso é que há essa frase máxima de que “decisão de juiz não se discute; se recorre”. Mas, na Democracia, decisão de juiz se discute, sim. Porque ela influencia na sociedade, na minha vida, na sua vida, na vida de todos. E nós, sociedade, não vamos discutir? Vamos sim.
Perereca: O senhor não acha que isso também tem a ver com o fato de muitos juízes pertencerem a uma espécie de oligarquia, pelo fato de virem de famílias tradicionais?
Jarbas: Também há esse componente de famílias, de nomes, de sobrenomes, de gerações de juristas... Há um viés conservador nisso, uma formação cultural. Mas o problema é o seguinte: a Magistratura não pode fugir do fato. A gestão do Poder Judiciário é uma gestão da coisa pública. Portanto, é uma gestão política. E deve dar satisfação. Então, a OAB, desde a Constituinte, em 1988; desde a época dos militares, do processo de transição para a Democracia, tinha uma proposta, que era o controle externo do Poder Judiciário. Não conseguimos isso. O que conseguimos, já na gestão do ministro Márcio Tomaz Bastos, que foi presidente da OAB, foi inserir, na reforma, na emenda 45 da Constituição, em dezembro de 2004, o Conselho Nacional de Justiça, que é um órgão formado predominantemente por integrantes da Magistratura. Temos dois representantes do Conselho Federal da OAB – dois! – e o nosso presidente. Temos dois representantes do Congresso. Os sete outros integrantes são todos membros do Poder Judiciário. O que nós avançamos em transparência do Poder Judiciário... Antes, o cidadão não sabia quantas sentenças o Judiciário emitia no mês, no ano; não sabia quanto ele gastava; os salários dos juízes, dos desembargadores, o orçamento, nada. O CNJ passou a abrir essa situação; passou a expor à sociedade aquilo que ela sempre exigiu, porque o Judiciário é uma comunidade de seres humanos.
Perereca:É, mas você ainda continua tendo denúncias graves, de compra de sentenças, de nepotismo e de tantos outros problemas...
Jarbas: Sim. O que acontece é que, hoje, as associações vêm a público atacar a Ordem, atacar as nossas iniciativas, como se estivéssemos ofendendo a dignidade deste ou daquele juiz. Na verdade, estamos é defendendo a dignidade da Magistratura. Creio que a maioria dos magistrados não tem filho empregado no Estado. Creio que a maioria dos magistrados são pessoas sérias, que não vendem as suas sentenças, as suas decisões. Tenho certeza que a maioria dos magistrados não dá curso a tráfico de influência. Nós, advogados, também temos nossos problemas éticos. E aqueles que forem apanhados, que sejam expostos, sim, publicamente; que respondam aos processos. E não há que se ver nisso nenhuma anormalidade. Ao contrário: isso significa que o sistema está funcionando – e funcionando bem. É por isso que amanhã (segunda-feira), em Brasília, faremos um ato em defesa do Conselho Nacional de Justiça. Por que o que é que está posto, hoje? O Supremo Tribunal Federal deu algumas decisões liminares dizendo assim: “olha, o CNJ é um órgão extraordinário. Então, se não funcionarem as corregedorias, aí sim, o CNJ poderá funcionar”. Essa é uma visão completamente em desacordo com o espírito da Emenda 45.
Perereca: O senhor acha que seria possível investigar e punir juízes nos próprios tribunais de origem?
Jarbas: Olhe, eu vou lhe dizer a minha experiência, neste um ano e três meses em que estou à frente da Ordem: a maioria dos casos que denunciamos – uns 90% - se não houvesse CNJ, sabe o que teria acontecido com todos eles? Arquivo.
Perereca:Por quê?
Jarbas: Pelo espírito de corpo. Vou lhe dar dois exemplos. A juíza Clarice, do caso da menina de Abaetetuba, que foi acusada de ter ido lá, visto a menina, ela ter clamado à magistrada pela sua situação de menor, na cela, e ela nada fez. A OAB fez uma representação contra a juíza Clarice. E o tribunal daqui, ao se reunir, fez um ato de desagravo à juíza Clarice e arquivou a representação da Ordem. A Ordem recorreu ao CNJ e o CNJ deu a pena de aposentadoria compulsória à juíza Clarice. Há muitos exemplos, mas eu vou lhe dar um exemplo recente. A OAB fez uma representação contra a doutora Vera e a doutora Marneide, no caso do Banco do Brasil, dos R$ 2,3 bilhões que, por pouco, não foram pagos pelo Banco do Brasil – e ninguém, em sã consciência, daria curso àquela ação. A OAB pediu a punição tanto da juíza, quanto da desembargadora. Sabe o que o tribunal fez? Instaurou processo administrativo preliminar, sem a participação da OAB, por entender que processo administrativo preliminar é secreto. Então, veja bem: aqui, o tribunal, quando não quer punir, faz um processo administrativo prévio, que é para dizer o seguinte: “ninguém participa, nós vamos verificar e, ao final, vamos concluir o seguinte: olha, nada foi apurado. Arquive-se”. Quando ele quer apurar, faz um processo administrativo disciplinar, com a participação de todos. Então, não podemos ter isso. Temos de ter uma conduta ética inflexível do Poder Judiciário. Veja: na Democracia, o Poder Judiciário é o último Poder; de certo modo, é o Sobrepoder, porque controla os demais. Então, um desvio ético, um fato que é grave em outro Poder, no Judiciário é muito mais grave. Veja esse caso que estamos discutindo agora: imagine que eu sou um cidadão e não sei que um desembargador tem um filho, a esposa ou um irmão que é assessor do governador. E eu vou lá com esse desembargador postular um mandado de segurança, uma liminar, numa questão delicadíssima pra mim. É a minha vida que está em jogo e, do outro lado, está o interesse do Governo. Esse magistrado tem isenção para me julgar? Eu estou batendo na porta da Justiça porque nada mais me resta de entendimento, de conversa, de negociação. E aquele desembargador tem um filho, tem a mulher que é assessora do Governo do Estado. Há toda a evidência que a possibilidade desse desembargador agir com isenção é próxima de zero.
Perereca: Mas há quem diga que essa questão do nepotismo sempre existiu; que não é de agora, que é secular...
Jarbas: Deixa eu te dizer uma coisa: eu sempre digo que não existe, seja no mundo jurídico, seja no mundo da moral, o paradigma do pior. Às vezes, nós, brasileiros, temos uma cultura de dizer assim: “ah, mas o outro fez!” Isso é de uma falta de ética, esse argumento; ontologicamente, é de uma falta de ética, eu querer ser, ter para mim, aquilo que o outro tem, e tem de modo errado pra si. Eu quero para mim aquilo que de certo e de bom o outro tem pra ele. Isso é que é o comportamento ético adequado. Então, não existe o paradigma do pior. E eu me defronto, agora, com esse tipo de argumento: “olha, assessor especial sempre teve em todos os governos”; “olha, os juízes sempre tiveram parentes no Estado”. E por que sempre tiveram, não vamos fazer nada? Será que há um direito adquirido à imoralidade neste País? Não. Nós temos, em algum momento... E a Democracia é isso: é a construção do dia a dia; a cada dia, colocamos uma peça a mais, um cimento a mais, que vai fortalecendo a nossa Democracia. Eu quero lhe dizer que essa situação precisa acabar. Nesta semana, quando fui ao supermercado, ao mercado, ao clube, pessoas do povo vieram me cumprimentar, cumprimentar a OAB, pela coragem de estar discutindo isso. E essas pessoas exigem que continuemos a nos conduzir assim, porque não aceitam isso. Esses atos que alguns dizem que são “razoáveis”, porque já existiam; essas pessoas deveriam pegar um ônibus, um táxi, ir à feira, ao clube, e perguntar o que é que os seus colegas, os seus amigos, os seus conhecidos acham disso. Com certeza que essa é uma questão que está ferindo a consciência moral da nossa sociedade.
Perereca: O senhor falou há pouco de punições. Quantos juízes foram punidos pelo TJE até hoje?
Jarbas: Punição com demissão, da Rosileide e da Clarice – exoneração pelo CNJ. Mas já tivemos outros casos em que o TJE puniu juízes, que foram aqueles que envolveram os TDA (títulos da dívida pública). Salvo engano, o TJE puniu três ou quatro juízes.
Perereca: E quando é que chegam os juízes do CNJ, que vêm apurar as denúncias de nepotismo?
Jarbas: Foi dado o despacho na sexta-feira e a informação que tivemos extra-oficialmente é que amanhã (segunda) eles iriam se reunir, em Brasília, para saber quando viriam para cá. E quem vem para cá, também, é a ministra Eliana Calmon, na terça-feira, às 18 horas, que vem fazer uma palestra comemorativa ao Dia da Mulher.
Perereca: Já chegaram outras denúncias de nepotismo?
Jarbas: Temos novas denúncias. Só para você ter idéia, na sexta-feira tivemos duas. Criamos o site, você sabe, “Nepotismo Não”. Pedimos que as pessoas denunciassem e, realmente, as denúncias estão chegando na Ordem. Temos uma meia dúzia de denúncias referentes a novos desembargadores.
Perereca: Quer dizer: já há denúncias sobre mais seis desembargadores?
Jarbas: Não sei exatamente se são cinco ou seis desembargadores. Mas é uma meia dúzia de denúncias relativas a desembargadores. Todas as que eu vi se referem à contratação de parentes.
Perereca: O senhor falou há pouco da importância do Judiciário, que, na realidade, controla os demais Poderes. O senhor acha que é possível melhorar a sociedade, moralizá-la, ultrapassar a corrupção, com um Judiciário que não funcione como deve funcionar?
Jarbas: Com certeza que não; definitivamente, não. Veja bem: para a OAB, pouco importa quem é governo, quem é o governante, o partido; os atos do dia a dia do governo, as questões menores. A OAB passa a se preocupar com o governo quando as decisões ou as omissões dele interferem no bom funcionamento do Estado. Essa questão, para nós, não é uma questão de governo: é uma questão de Estado. Se eu for colocar isso como questão de governo, vou dizer, simplesmente, o seguinte: todos os governadores que passaram pelo Pará se beneficiaram do fato de não existir uma lei prevendo cargos de Assessoria. E por que é que eu digo que se beneficiaram? Porque é muito cômodo: como não tem lei, eu coloco quem eu quero, como eu quero, à revelia do olhar do povo. Portanto, isso é um comportamento absolutamente antiético do governante.
Perereca: Agora, dizem que a ex-governadora Ana Júlia Carepa colocou muito mais assessores que o Jatene...
Jarbas: O que temos hoje, na Ordem, de informações, nessas duas semanas, dão conta que o perfil disso é mais ou menos assim, seja da Ana Júlia, seja do Almir Gabriel - e vamos parar por aqui, porque isso já envolve o Jatene e já estamos falando, praticamente, de 20 anos de governo... É o seguinte: quando o governador entra, ele contrata 500. Quando tem eleição municipal, ele chega a mil. Quando chega na eleição dele, vai aos 1.500, dois mil. Depois, reflui. Para você ver que o aumento ou diminuição desse número de assessores varia de acordo com o momento político, e com a conveniência política que tem o governador de cooptar mais ou menos gente, para a sua base eleitoral. E aí, quando falo isso, estou falando de um princípio que fica ferido, que é o princípio republicano. O governo tem de tratar igual a todos: a ninguém é dado o direito de usar em seu benefício pessoal a máquina pública e o dinheiro público. E esse fato que estamos conversando, deixa claro que eu aumento ou diminuo os contratados de acordo com a conveniência e o interesse pessoal do governante e de seu partido. Isso é uso privado da máquina pública e fere o princípio republicano. Por isso é que é uma questão de Estado.
Perereca:Agora, por que é que o senhor não fez isso durante a campanha? Parece que pegou mal o senhor dizer que não fez porque era época de campanha...
Jarbas: Se você acompanhasse a nossa gestão na Ordem... No ano de 2010, ela foi uma gestão muito dinâmica, ativa. A Ordem voltou a se protagonista de muitas questões sociais. E quando ela volta a ser protagonista de questões sociais, é preciso ter uma pauta, uma agenda, um contexto. Eu lhe diria que, no momento de eleição, não havia esse contexto que há num início de governo, quando as nomeações e demissões pululam; quando cresce a visão da sociedade para esse problema. Então, é preciso haver contexto para se tomar certas iniciativas. Agora, a minha isenção na Ordem é reconhecida por todos. Não tivemos na OAB, na minha gestão, nenhuma semana em que a Ordem, nas suas diversas instâncias, deixasse de criticar aspectos do governo da Ana Júlia.
Perereca:Mas dizem que o senhor, além de nada fazer durante o governo da Ana, até doou R$ 100 mil para a campanha dela...
Jarbas: Vamos por partes. No Brasil, nós temos uma mania muito ruim, né?,de desqualificar o interlocutor. Para mim, que sou advogado, cada vez que vejo alguém se defender desqualificando o acusador, o interlocutor, significa que a pessoa está errada, porque ela não consegue ir ao mérito do problema. A Ordem, na nossa gestão, foi de uma isenção implacável com o Governo Ana Júlia – implacável! Até os últimos atos da governadora foram por nós questionados. Em dezembro do ano passado, a governadora Ana Júlia concedeu diferimento de ICMS sobre a cadeia do aço e do cobre, o que beneficia, fundamentalmente, a Vale. A OAB ameaçou ingressar na Justiça, notificou a Assembléia Legislativa e o projeto de lei foi recusado. A OAB se insurgiu contra a pensão dos ex-governadores. Aliás, todos os governadores recebem pensão, e o ato poderia parecer que era contra ela – e ela, inclusive, deu manifestações como se a OAB a estivesse perseguindo. E o fato é que entramos com a ação, que está no Supremo Tribunal Federal. No meio do processo eleitoral, denunciamos a governadora ao Ministério Público, com relação à contratação dos carros da Delta. E esse fato teve uma repercussão pública muito grave. Denunciamos o problema da falta de comida nos presídios, fizemos um trabalho levantando todo o sistema de custódia de adolescentes, em todo o estado do Pará, para mostrar as deficiências. Quando a Prefeitura de Paragominas teve uma contenda de repercussão pública com o governo do estado, em torno do licenciamento de uma área que poderia ser destinada a uma carvoaria, a OAB foi a Paragominas se solidarizar com o prefeito – e isso em plena campanha eleitoral. E o prefeito de Paragominas, como você sabe, é do PSDB. Você sabe que eu tenho uma cunhada que é deputada, não é? – a deputada Josefina, que é do PMDB. E quem entrou com a ação contra os jetons dos deputados foi também a OAB. Quanto à doação para a campanha da Ana Júlia, ela foi feita publicamente, está no site do TSE. E, aliás, nunca ninguém falou sobre isso, até agora, apesar dessa doação, salvo engano, ser de agosto do ano passado. Tivemos episódios no processo eleitoral criticando o governo e ninguém falou nada – está se falando agora. O meu escritório e eu mesmo temos as nossas preferências. Achamos, no escritório, que deveríamos fazer – e fizemos.
Perereca:Isso não é incompatível, do ponto de vista ético, pelo fato de o senhor ser presidente da OAB?
Jarbas: Deixa eu lhe dizer uma coisa: eu não advogo para empresa nem para o governo. Ao contrário: advogo contra as empresas do governo. E não tenho nenhum impedimento, do ponto de vista ético, como presidente da Ordem ou pessoal, de realizar uma doação para ela. Doei legalmente, o que é mais importante, sem subterfúgios. Evidentemente que estão aí as críticas, mas também estão aí os fatos que comprovam a minha isenção. Mas o meu escritório fez uma opção política de doação. Isso é verdadeiro.
Perereca: Voltando à questão anterior: o advogado Mauro Santos contestou a sua ação contra as assessorias especiais. Pelo que entendi, ele acha que o senhor foi, ao menos, açodado, por não ter ouvido ninguém...
Jarbas: Eu vou lhe dar um exemplo... Pergunte a ele se eu fui açodado em todas essas outras ações... A Ordem, quando a doutora Maria das Graças deu uma série de 30 sentenças condenando aquelas pessoas que praticaram crimes de pedofilia, um dos condenados foi o irmão da governadora. E, na época, nós exigimos que o tribunal parasse com a enxurrada de liminares em HCs (habeas corpus), que estavam deixando essas pessoas soltas, em liberdade. Pedimos ao tribunal o julgamento dessas questões em regime de mutirão – aliás, questão pendente que será tratada agora, na primeira pauta da Ordem com a presidente do Tribunal de Justiça.
Perereca:Essa questão dos crimes de pedofilia?
Jarbas: Exatamente. Porque é preciso um combate do Estado. É o crime de maior número de ocorrências e é preciso que nos concentremos nisso; a OAB tem toda uma postura em relação a isso. Ora, isso afetava inclusive pessoalmente a governadora. Mas nem isso a Ordem, na nossa gestão, receou fazer.
Perereca:Mas então por que é que o Mauro Santos diz que o senhor agiu de moto próprio, que não consultou ninguém, e que está errada essa ação...
Jarbas: Deixe eu lhe dizer uma coisa: não sei quais as razões pessoais, políticas, ideológicas que levaram o Mauro a fazer o que fez. Apenas lhe digo o seguinte: presidente da Ordem age sempre ad referendum do Conselho. Listei aqui pra você não sei quantas ações da Ordem, de conhecimento público, e que a Ordem fez ad referendum do Conselho, da diretoria. E o que acontece, a praxe da Ordem, é que os atos do seu presidente são referendados pelo conselho. E, eventualmente, o caminho correto, quando um conselheiro se acha violado, contrariado na sua visão, é ele recorrer da decisão do presidente ou da diretoria ao próprio Conselho.
Perereca:E houve isso?
Jarbas: É claro que não! O doutor Mauro, na verdade de modo precipitado, foi manifestar o seu descontentamento, que deveria ter sido interna corporis, ao juiz federal que está com a competência de julgar a ação. É uma questão dele, respeito, nem por isso ele será mais ou menos conselheiro, melhor ou pior tratado dentro do nosso Conselho. Nosso Conselho é um conselho plural. A Ordem sempre brigou pelo pluralismo político. Temos comissões temáticas sobre todos os temas importantes à sociedade. E são integradas por advogados e por pessoas da sociedade que têm, também, perfis ideológicos distintos, plurais. Então, a Ordem debate, tem divergências e isso é normal. Mas quero lhe dizer que tenho o apoio da minha diretoria; posso lhe dizer que tenho apoio do Conselho, dos advogados, da sociedade.
Perereca:Essa divergência com o Mauro não tem a ver com a disputa entre tucanos e petistas dentro da Ordem? Não é uma disputa político-partidária, já que o senhor foi ligado ao PT, fez-se um acordo para o Ophir chegar lá e o senhor chegar aqui? Isso não é um esgarçamento dessa composição político-partidária dentro da OAB?
Jarbas: A nossa situação política interna é de muita tranqüilidade, harmonia. Estou indo amanhã (segunda) a Brasília para participar de um ato convocado pelo doutor Ophir em defesa do CNJ. Nossas relações são da melhor qualidade. Veja: quando assumi a Ordem, me desfiliei do PT. E também me desvencilhei, porque advogo na área eleitoral, de processos de líderes políticos importantes no estado do Pará. E por quê? Para me manter com isenção. E creio que é muito maldoso, e me fere profundamente a alma, esse questionamento, essa coisa de dizer que me falta isenção. É incrível: durante o ano de 2010, ninguém me acusou de falta de isenção com o governo da Ana Júlia – ninguém! E sabe por quê? Porque nós criticamos, como nunca a Ordem criticou um governo de estado. Nos primeiros dias do Governo Jatene, na primeira crítica que fazemos a um ato que não é do governo dele, é um problema do atraso do nosso estado, as vozes todas se levantam como se eu não tivesse agido com isenção. Quando eu disputei a eleição com o doutor Sérgio Couto, nunca escondi: fui filiado, durante 25 anos, ao Partido dos Trabalhadores. Disputei filiado e disse: o dia em que ganhar a eleição vou medesfiliar do partido e vou saber estar na Ordem com isenção. E creio que estou sabendo estar na Ordem com isenção. E a prova cabal disso é exatamente o último ano do Governo Ana Júlia. E vou lhe dizer o que já disse: quem mais se aproveitou da isenção da Ordem foram aqueles que ganharam as eleições. O senador Flexa, com a campanha da Ficha Limpa – e, sem a campanha da Ficha Limpa, tenho as minhas dúvidas se o senador Flexa teria sido eleito. E quem ganhou com isso foi também o governador Simão Jatene, porque, na época, não havia nem expoentes na oposição para denunciar com a voz, com a legitimidade da voz forte da Ordem, certas situações que denunciamos.
Perereca:O pessoal do PT não ficou meio mordido com o senhor por causa disso?
Jarbas: Veja só: também tenho ressentimentos de quadros que integraram a administração da Ana, pelas ações da Ordem. E para todos o que eu sempre disse é: o papel da Ordem é da defesa da Sociedade e do Estado. O papel da Ordem não se confunde com o governo e nem com interesse partidário. Só fala isso quem não sabe qual é o peso de sentar numa cadeira de presidente da Ordem. Muitas pessoas elencadas como praticantes de nepotismo eu conheço pessoalmente. Os diretores conhecem, os conselheiros se dão, têm relação pessoal. Mas como dizer que isso está certo? Como não fazer nada? Não é possível: a Ordem é uma instituição, não é uma simples associação de advogados. A Ordem é uma instituição sobre a qual a nossa Constituição e a Lei dizem: cabe à Ordem a defesa da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito.
Perereca:Pois é: a OAB teve um papel importantíssimo na história do Brasil e do Pará. Mas depois parece que sofreu um refluxo e ficou silente diante de muita coisa. Agora, desde o ano passado, é que volta a ser protagonista de determinadas ações. No caso do Pará, o que foi que aconteceu para haver esse refluxo?
Jarbas: Quem é observador atento da cena da Ordem, e quem não é, pode ler tanto o meu discurso de posse, quanto o do Ophir, que falava na retomada pela Ordem da defesa da moralidade pública. A defesa da moralidade pública foi uma questão central do discurso do Ophir e do meu. E nós temos procurado nos manter, creio eu, nessa linha. E, claro, vamos colecionando adversários – mas isso é normal. Veja: eu sei que as 800 pessoas que hoje são assessores do governador, todas elas devem estar ressentidas com a ação da Ordem. Mas creio que todas elas, também, lá no fundo da alma, naquele momento de reflexão, sabem o seguinte: que não é possível o Estado conviver com essa situação. Quer dizer: o Estado do Pará precisa de assessores de qualidade. Não acredito que o governador durma tranqüilo sabendo que há assessores seus, como eles disseram, que ganham R$ 500,00. Eu não creio na qualidade desse assessor do governador. Eu preciso de assessores de verdade. A Constituição diz: assessoria é para cargos de direção, de gestão, de assessoramento. Então, o que é que a Ordem quer? Inviabilizar os assessores do governador do estado? Não, em absoluto. A Ordem quer é que o governo faça uma Lei, de forma transparente, e diga: “olha, eu preciso de 100, 200 cargos de assessoria para a estrutura do Estado e vamos pagar remunerações compatíveis com a qualidade que queremos”. Isso é ser republicano. E nisso nós queremos ter um consenso. Na primeira audiência que tivemos com o governador Jatene, levamos uma pauta daquilo que a Ordem considera questões de Estado – e que ele concordou que são questões de Estado. Com isso, temos o dever – e é nosso papel - de colaborar com o Governo do Estado, seja no Jatene, seja em qualquer outro, porque precisamos defender o nosso estado. Por exemplo, na última quinta-feira, fizemos um seminário que, aliás, surgiu, em muito, do diálogo que tivemos com o vice-governador, Helenilson Pontes, sobre o novo marco regulatório do setor mineral. Nunca antes – e vou aqui plagiar o presidente Lula (risos) – o Pará havia discutido uma legislação antes de ela ser remetida para o Congresso. Pela primeira vez vieram os procuradores, os técnicos, para discutir uma questão importantíssima para o Pará – porque o Pará é minério e é energia – que são os royallties, e que pode, inclusive, catapultar a arrecadação do Estado. Ora, essa é uma questão que tem de unir todos nós. Porque se a senadora Marinor tiver uma proposta, o senador Mário Couto tiver outra, o deputado Zé Geraldo outra, o governador Simão Jatene outra, a OAB outra, vamos ser derrotados. É preciso que tenhamos uma proposta de consenso. Essa é uma visão estratégica da Ordem, que tem agido no sentido de fazer o Pará protagonista de políticas públicas. O papel da Ordem é este: é de defesa da sociedade. Mas isso não significa que a Ordem não vá colaborar com atos do governo que impliquem o interesse geral da sociedade, do Estado. Nós somos consenso e dissenso. É preciso que o governante de plantão tenha maturidade para entender isso. Eu espero que o governador tenha essa maturidade; que possa dizer a alguns assessores seus mais infantilizados que parem de desqualificar a Ordem e o seu presidente. Nós não estamos desqualificando nem o governador, nem os seus assessores...
Perereca: O senhor pretende entrar com alguma medida judicial em relação a isso?
Jarbas: Absolutamente. Acho que isso é fruto de imaturidade. Eu quero um Pará grande. Acho que temos muito a fazer, e muito deve ser feito no Pará. Temos uma cultura - e a gente vê a pauta do dia a dia, da nossa vida política, do comportamento dos nossos Poderes – de acabarmos brigando pelo que é secundário, nos preocupando com as divergências pessoais, e esquecendo os interesses maiores do nosso estado. Então, eu espero que a gente ultrapasse essa fase em que se procura desqualificar a presidência da Ordem, para que passemos a discutir o mérito do problema. E queria deixar registrada uma coisa muito relevante: a manifestação da Amepa e de alguns setores que falam em favor do governo, creio eu, é assim: “olha, não há nepotismo, não há mal nenhum de algum desembargador ter um parente dele nomeado para o governo porque não há parente do governador nomeado no gabinete do desembargador”. Ora, essa história do nepotismo cruzado com reciprocidade é o cúmulo da bandalheira, em bom português. Nepotismo é me prevalecer de ser integrante de um Poder e colocar meus familiares, que eu não posso colocar na minha administração, no outro Poder.
Perereca: Até porque o “retorno” do juiz não precisa ser, necessariamente, através de cargos, não é?
Jarbas: Evidentemente que não. Quer dizer... O fato é o seguinte: será que o filho de um desembargador, por mais competente que seja, concorre, em igualdade de condições, para ser assessor do governador, com o filho de uma família, que também é competente; que lutou, que estudou e que o pai, a mãe, às vezes até a avó, deu parte do seu salário para ele ir para a faculdade... Será que o filho dessa família que não tem nome concorre em condições de igualdade com o filho de um desembargador, para ser assessor do Governo do Estado? Evidente que não; todo mundo sabe disso. E é por isso que nós devemos combater o nepotismo, que é precisamente isto: é fazer com que alguém tenha condições de vantagem sobre o outro; é ferir o princípio da Igualdade.
Perereca: Mas, veja só: a questão dessa promiscuidade entre o Executivo e o Judiciário não envolve apenas nepotismo. Por exemplo: há o caso do desembargador Milton Nobre que aluga uma casa ao governo. Vocês não pretendem incluir outros casos, inclusive o do desembargador Milton Nobre, nessa denúncia ao CNJ?
Jarbas: Eu lhe disse, no início da nossa conversa, que quando assumimos a Ordem dissemos que íamos agir, e agimos, dentro de um horizonte ético, de cobrar eticidade e comportamento ético do Poder Judiciário. Talvez essa alegoria de um horizonte ético, ou de um horizonte em que você pudesse enxergar comportamento ético no Judiciário, em que se enquadrou a operação TQQ, como outras questões... Então, eu acho o seguinte: isso ainda faz parte da insuficiência, do estágio em que estamos. Veja como é emblemático... Eu vi a sua matéria sobre o aluguel da casa do desembargador Milton. E nós estamos aqui, talvez, não sei...Você está aqui um passo à frente e eu estou um passo atrás, porque estou dizendo assim: olha, isso aqui é nepotismo, e estão querendo dizer pra mim que não é nepotismo. E eu estou um passo atrás e tenho consciência disso. Aí, isso é talvez a forma inequívoca da dificuldade em debater o Judiciário. Se você abrir a página da Ordem, há uma reivindicação explosiva. E você vai dizer assim: “mas seu Jarbas, isso não é explosivo, é normal”. Você acha isso e eu acho que a sociedade acha isso, e é bom que todos achemos isso, porque eu quero o apoio da sociedade. Eu estou dizendo assim: eu quero a produção mensal dos juízes e desembargadores. Quero saber quantas sentenças, quantos acórdãos, decisões os desembargadores e juízes produziram. E isso é explosivo. Eu quero só saber a produtividade - e isso é uma discussão! Vão dizer que estou me metendo na gestão, que quero controlar, que quero patrulhar, que é um absurdo, que o juiz é agente político... Então, você percebe que estou brigando até aqui, atrás de você; estou um passo atrás. É difícil brigar contra o Poder Judiciário. E vou lhe dizer uma coisa: é muito fácil a Ordem, e eu percebo isso, criticar a Assembléia, o governo. Sabe quando é que é polêmico? Quando a Ordem critica o Poder Judiciário. E o mais difícil é quando a Ordem, como agora, critica o Poder Judiciário nas suas relações não-republicanas com o Poder Executivo.
Perereca: O senhor não tem medo de ficar “marcado” pelos magistrados?
Jarbas: O nosso estatuto diz o seguinte: que o advogado não pode recear autoridades, nem ter medo de ficar impopular, na defesa da nossa instituição. Eu estou procurando cumprir um mandamento do nosso estatuto: não recear autoridades ou a impopularidade em defesa da nossa instituição. Dizia o pai da Ângela, o doutor Egídio (Sales), em 1967, que a Advocacia não é profissão de covardes. Essa, aliás, é a frase que está no nosso plenário, AldebaroKlautau, presidente que dizia o seguinte: que ninguém maior do que ele, quando ele estava embaixo da beca dele de advogado e de presidente da Ordem. Estou dizendo essas frases para lhe dizer o seguinte: é evidente que nós sabemos que os homens são dados a represálias e podem, evidentemente, fazer isso. Mas eu estou numa posição que não posso recuar. Sinto muito. Vai ser assim.
Postado por Ana Célia Pinheiro