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Diário do Pará - 10/05/2011
Mauro Bonna entrevista Leonardo da Silva
Advogado e professor, mestre em Direito Constitucional, com enfoque em Direito de Família, fala dos direitos trazidos às uniões homoafetivas, em decorrência do inédito julgamento do STF.
O STF conferiu direito às pessoas que vivem em uniões homoafetivas, mas que direitos? É lei? É súmula?
Leonardo da Silva – Não. Nem uma, nem outra. O que o STF reconheceu foi submeter a regra contida no art. 1.723 do nosso Código Civil – que trata do reconhecimento com entidade familiar da união formada pelo homem e pela mulher – a técnica de interpretação conforme a Constituição, isto é, vai reconhecer os mesmos direitos conferidos às pessoas que vivem em união estável – legalmente reconhecida às pessoas de sexos distintos – àquelas que cultivam uma união homoafetiva – formada entre pessoas do mesmo sexo.
Assim, pode-se, agora, denominar a união homoafetiva de união estável?
Leonardo – Do ponto de vista legal, não. A União estável foi a nomenclatura trazida no art. 226, parágrafo 3º da Constituição Federal, repedida no Código Civil. Portanto, entendemos que para se conferir citada nomenclatura às uniões homoafetivas, só poderíamos fazê-lo através de Emenda Constitucional, o que não ocorreu até o momento. Nem mesmo lei temos. Aliás, no julgamento do STF, os ministros deste, como membros do Poder Judiciário, chamam a atenção do Poder Legislativo para que apressem a elaboração de uma lei sobre a matéria; ou coloquem, na pauta do dia, a votação do Projeto de lei nº 6.874/2006, que dispõe sobre o contrato civil de união homoafetiva. É bom lembrar que já existiu, em 1995, outro projeto de lei nº 1.151/1995, da ex-deputada Marta Suplicy, também sobre a matéria, que acabou não vingando.
Em termos práticos, que direitos são estes?
Leonardo – Principalmente, a união homoafetiva passa a ser reconhecida como família; direitos a alimentos; à previdência; à adoção; direitos sucessórios; a presunção do regime da comunhão parcial de bens nas relações homoafetivas em que não há a minuta de um contrato; a possibilidade de se fazer contrato ou escritura pública optando por qualquer um dos regimes de bens admitidos em direito. Enfim, todos os direitos que a lei confere às pessoas que vivem em união estável. Inclusive, induz ao entendimento de qualquer matéria a ser discutida no Judiciário tenha que ser feita nas varas de família, e não mais nas varas cíveis, como oriundas do direito obrigacional.
Esse tipo de reconhecimento já se verificou em outros países?
Leonardo – Sim. O Brasil, lamentavelmente, confere com muito atraso o reconhecimento da união homoafetiva. Os países pioneiros foram os nórdicos, na década de 80: Noruega, Dinamarca, Suécia já reconheciam referido direito para fins de benefícios sociais, aposentadoria. Países mais conservadores, como Argentina e Portugal, já reconhecem para fins de direito. Até alguns estados dos Estados Unidos, considerando que lá os estados tem uma maior autonomia legislativa, já conferiram leis sobre o assunto. E o Brasil, que nem lei tem, passa agora, pelos menos, a submeter às regras da união estável a interpretação conforme a constituição. Já é um avanço.