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REBELIÃO
Elas explicam que motim do último dia 13 foi decorrência de maus tratos sofridos
Comida repetida e sem sabor, falta de atendimento médico, de remédios na enfermaria e de oportunidade de trabalho para diminuir a pena e, ainda, morosidade processual - demora na apreciação dos pedidos de liberdade e, quando negados, na prolatação de sentença, progressões não concedidas, sentenças vencidas. Essas são as reclamações das detentas do Centro de Recuperação Feminino (CRF), no município de Ananindeua, que, em um intervalo de três dias, se revoltaram em duas ocasiões diferentes.Esses problemas estão no relatório elaborado pelo advogado Dorivaldo Belém, membro da Comissão de Atividades Policiais da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pará. Ele esteve naquela casa penal no dia do motim mais recente, ocorrido na tarde do último dia 13. Segundo o advogado, o CRF mantém cerca de 600 presas, a maioria delas provisórias (não foram levadas a julgamento) e com processos "demasiadamente retardados no Poder Judiciário". Ao observar as instalações físicas dessa unidade prisional, à exceção do novo Espaço Primavera, Dorivaldo Belém disse ter constatado que é uma cadeia com estrutura improvisada, sem condições de propiciar trabalho seguro de seus servidores e abrigo digno de pessoas presas.
Diz ele. "Percebemos que, devido sua estrutura e esse contingente populacional, o centro não possui condições de dar o correto cumprimento ao que preceitua a Lei de Execuções Penais a respeito da classificação de presas, seja por faixa etária, infração penal, primariedade, regime fechado, semiaberto ou aberto, configurando um verdadeiro abuso estatal o descumprimento das normas em vigor sobre o trato de pessoas presas. E, com isso, em vez de tentar regenerá-las, forma na verdade uma legião de revoltadas, o que em nada contribui para o almejado estado democrático de Direito", afirma.
Ao representante da OAB, as internas também reclamaram de uma servidora, que, quando está de plantão, “toca o terror na cadeia”, humilhando-as e também suas visitas, viola a intimidade das internas e não a deixa dormir. De acordo com o relatório, na segunda-feira do motim cerca de 130 internas do pavilhão D do Espaço Primavera estavam liberadas das celas para o banho de sol. Uma delas, Liliane Pinheiro Farias, aproveitando-se da entrada de uma agente prisional para retirada de uma presa que seria liberada, avançou sobre a funcionária, “a manietou pelos cabelos, e, armada com um estoque (arma feita artesanalmente com pedaço de ferro), tentava fazê-la refém”.
Outros agentes, percebendo o ataque, partiram em defesa da colega, livrando-a da agressão, “mas se excedendo na contenção, gerando revolta de mais internas e conseqüentes rebeliões”. Os funcionários se retiraram e as internas destruíram tudo que podiam. A agente prisional ficou com um ferimento leve (tipo arranhão) no pescoço, mas reclamava que Liliane tentou matá-la e que teve ajuda de outras internas. Dorivaldo Belém conversou com Liliane. Ela confessou a agressão. E disse que não queria ferir a funcionária, apenas fazê-la refém, para, assim, externar suas reivindicações. Liliane disse que aquela agente prisional a tratava mal e que, entre outras coisas, lhe negava remédio para uma hérnia.
REVOLTADA
De Juruti, no baixo Amazonas, Liliane foi presa dez meses ao tentar roubar um celular. Passou dois meses na delegacia local, depois foi transferida para Santarém, onde ficou 6 meses. Em seguida, foi transferida para Belém. Há dois meses está no CRF. A detenta reclama da morosidade processual, pois, somente em 24 de maio passado, teve sua primeira audiência com um juiz. Para tanto, foi levada de avião até Santarém e dali, de barco, até Juruti fazendo em seguida o caminho de volta sempre algemada.
Aos 20 anos ela é filha de pais separados e a mais velha de quatro irmãos. O pai policial em Manaus abandonou a mulher e os filhos ainda menores. Liliane estudou até o sexto ano e consumia bebida e drogas e era sustentada pela mãe, em situação miserável. Não tem qualificação profissional, sente-se abandonada pela família desde que foi transferida para Santarém e depois para Ananindeua.
Ela diz que, por estar revoltada, nada mais ter a temer ou a perder na vida por tudo que já passou dentro e fora do cárcere, premeditou o ataque para, fazendo a funcionária refém, ser porta-voz das reclamações de suas colegas. Liliane reclamou que apanhou muito dos funcionários, após ter sido dominada e que sentia fortes dores no corpo e na perna direita achando que estava quebrada. “Não vi lesões aparentes, mas observei que a interna não conseguia ficar de pé”, escreveu Dorivaldo Belém.
O advogado disse que verificou outras presas reclamava de lesões. Ele identificou duas delas, uma com ferimento. “Em forma de brecha sangrando na cabeça”. A outra com ferimento tipo queimadura na perna esquerda. Uma terceira mostrava perna ferida. Todas reclamavam maus tratos, antes e depois da rebelião. Dorivaldo Belém também menciona em seu relatório que não há sala ou qualquer outra instalação destinadas ao trabalho dos advogados no presídio feminino. “Há muito tempo, os colegas advogados, para falar com as presas, tem que se sujeitar a fazê-lo em pé, pelos corredores ou na portaria na frente dos funcionários, sem qualquer privacidade, e com presas algemadas”, disse.
Para resolver essa situação, ele lembrou que recentemente foi firmada parceria com a direção da casa penal, que se comprometeu em ceder uma sala e a OAB em terminar de reformá-la (pintura e forro) e equipá-la com mobiliário necessário para seu funcionamento.
Fonte: O Liberal (19.06.2011)