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Desaposentação. um direito a ser reconhecido - Marcela Braga

Marcela_CoelhoDesaposentação, um tema que vem sendo cada vez mais discutido no Brasil, tomando conta de horários nobres da mídia em nosso país. Uma discussão que interessa, principalmente, àqueles aposentados que não conseguem se acostumar com a inatividade ou, que em busca de manter melhores condições financeiras, voltam ao mercado de trabalho.

Mas qual seria o conceito desse neologismo que causa estranheza a tanta gente? Desaposentar-se, seria nada além de deixar de ser aposentado, abrir mão da aposentadoria, como o próprio nome sugere. Talvez essa afirmação cause uma certa dúvida, no sentido de questionar como renunciar algo que é fundamental à sobrevivência? Ocorre que a renúncia se dá em prol de uma nova aposentadoria, que pode ser muito mais benéfica.

Hoje, é comum em nosso país o aposentado continuar trabalhando. O retorno ao mercado de trabalho pode ter inúmeras causas. Pode ser conseqüência da necessidade financeira, tendo em vista que o valor recebido pelo aposentado, normalmente, obriga-o a diminuir consideravelmente seu padrão de vida, juntamente com sua família. Além disso, a necessidade de se sentir útil, de ter uma responsabilidade, uma ocupação, enfim, de sentir que ainda tem um papel importante na sociedade.

Vivemos em uma cultura que, com raras exceções, menospreza os mais velhos, não valoriza os idosos. É comum o sentimento de pena, de dó, de compaixão, de solidariedade. Entretanto, não há a concepção de que o idoso carrega uma carga de experiências e cultura muito grande, que necessita ser considerada. Não pensamos que o idoso de hoje foi o herói de ontem e que graças à luta deles, estamos aqui. Ignoramos que muitos brigaram, apanharam, foram presos, torturados ou, simplesmente fizeram suas obrigações no anonimato, mas necessitam hoje ser valorizados.

Não somos capazes, muitas vezes, de dedicar dez minutos para ouvir nossos familiares que já estão na melhor idade. Inventamos todos os tipos de desculpas possíveis para dizermos que estamos muito ocupados, que é difícil conversar porque não ouvem bem, ou que não podem sair de casa porque já não mais conseguem andar direito, que não podem ir ao cinema porque dormem no meio do filme, que não mais tem condições de concatenar as idéias e não mais se comunicam de forma inteligível, enfim, não medimos esforços para deixar o idoso apenas na frente da televisão, achando que com isso estamos fazendo o melhor para eles.

Todos nós um dia, se for da vontade de Deus, alcançaremos a melhor idade e vamos ter a oportunidade de vivenciar o que é ser um idoso neste país. Saberemos o que é não ter opções culturais para freqüentar, não ter praças e parques com programas específicos para a melhor idade, não poder andar direito nas calçadas por causa dos buracos, ter medo de atravessar as ruas, pois já andamos com certa dificuldade, enfim, saberemos o que é carregar nas costas o menosprezo e o sentimento de que somos descartáveis e uma hora vamos para o lixo.

Esta cultura que leva à discriminação e ao alijamento do aposentado não se coaduna com o que está preconizado no artigo 3º, da Constituição Federal, o qual afirma que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Independentemente do motivo, existe uma grande tendência no país atualmente, que é a do aposentado não ir imediatamente para a inatividade, ele continua no mercado de trabalho. E aí nos deparamos com uma situação interessante: o fato de continuar a contribuir para a Previdência Social e não poder ser retribuído desta contribuição.

Até 1994, a lei previa a existência do pecúlio, que consistia na devolução das contribuições previdenciárias realizadas após a aposentadoria, quando fosse comprovado o fim efetivo da atividade, por meio da apresentação da rescisão do contrato de trabalho. Ou seja, o segurado, ao contribuir novamente ao Órgão Previdenciário, o fazia com a certeza de que receberia aqueles valores de volta.

Com a extinção do pecúlio, o contribuinte não mais teria a possibilidade de retorno dos valores contribuídos ao INSS após a aposentadoria. Entretanto, não se pode admitir o fato de contribuir e não obter retorno. Assim é que a única forma de retribuição dos valores pagos ao INSS é a incorporação destes no cálculo da aposentadoria, caracterizando, assim, exatamente a desaposentação, ou seja, a renúncia à aposentadoria original em prol de uma segunda, que considere efetivamente todo o período de contribuição.

O Instituto Nacional do Seguro Social não reconhece a existência da desaposentadoria. Para o Órgão Previdenciário a aposentadoria é um direito irrenunciável, não sendo possível a mudança do estado de aposentado. Considera ainda que, os valores contribuídos pelos aposentados estariam em consonância com o Princípio da Solidariedade, que estes seriam também responsáveis por manter o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência. Certo é que, partindo deste raciocínio, o aposentado é o solidarizado, enquanto que deveria ser exatamente o contrário, quem deve solidarizar-se é o jovem, o adulto, aquele que está em idade contributiva, e jamais o aposentado.

Ocorre que o Judiciário tem entendido diferente. A jurisprudência tende a considerar sim o direito à renúncia, e, muito além, reconhece o direito que o trabalhador aposentado tem de receber de volta aquilo que é seu por direito, qual seja, a consideração de todo o período contributivo ao INSS no cálculo do valor da aposentadoria.

Neste sentido, muitos aposentados que continuaram ou continuam no mercado de trabalho estão lutando na Justiça por um salário-de-benefício mais alto. Querem ter reconhecido o direito de reaver os valores contribuídos após a aposentadoria original, buscando uma muito mais benéfica, o que, muitas vezes, pode lhe render um aumento de até 30 ou 40% no valor do salário-de-benefício.

Há que se considerar que este raciocínio, longe de ser maléfico à sociedade a ao Erário Público, é interessante para movimentação da economia. Atualmente, o aposentado tem papel fundamental na distribuição e consumo das riquezas do país. Diferente do que ocorria há 40 ou 50 anos atrás, o aposentado, normalmente, ainda é o responsável pelo sustento da família, custeia planos de saúde, escola, adquire remédios, bens de consumo duráveis e não-duráveis. É necessário que se preze pela manutenção de suas necessidades, porque dele depende também a sua família.

A grande dúvida que paira sobre os tribunais federais no país é a necessidade de devolução ou não dos valores recebidos pela aposentadoria original. O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, até agora, é de que não há a obrigatoriedade desta devolução. O que nos parece o mais razoável, tendo em vista que obrigar a devolução de um valor que tem caráter alimentar é, no mínimo, muito difícil.

Admitir a possibilidade de compelir o segurado a devolver os valores recebidos pela aposentadoria original não seria coerente, considerando que a primeira está revestida de todas as formalidades legais e, portanto, é um ato jurídico perfeito, pronto e acabado. A Constituição da República, norma fundamental do país, que deve direcionar a interpretação de toda e qualquer legislação infra constitucional, preconiza como um direito fundamental o respeito ao direito adquirido , ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme previsto pelo inciso XXXVI, do artigo 5º, da CF.

A renúncia não é retroativa à data da concessão da aposentadoria original, tendo apenas os efeitos ex-nunc, ou seja, a partir do requerimento da desaposentação. Além disso, figurar-se-ia, em caso de devolução, uma espécie de punição, de pena, por ter o segurado requerido algo que é seu por direito.

Não é permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro, qualquer tipo de impedimento ou vedação ao direito de ação e impor a devolução dos valores recebidos pela primeira aposentadoria seria como proibir o segurado de postular em juízo a busca pela percepção dos valores legalmente contribuídos. Condenar a devolução destes valores segue em sentido oposto ao firmado pelos incisos XXXIV e XXXV, do artigo 5º, da Carta Magna, que garantem que a todos é assegurado o direito de petição, bem como, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

 Além disso, é necessário que se considere que, há tempos, já foi preconizado pelo Superior Tribunal de Justiça, o Princípio da Irrepetibilidade dos Alimentos, ou seja, não há que se falar em devolução de verba que tem caráter alimentar, ainda mais quando os valores são recebidos de boa-fé.

Conforme preceituado no artigo 201, da Constituição Federal de 1988, a Previdência Social deve observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, ou seja, a receita deve cobrir as despesas, considerando inclusive, um período futuro.

Partindo desta premissa, o INSS, em 1999, com a Emenda Constitucional n° 20, buscou encontrar formas de se estabelecer uma correlação entre a contribuição e o valor da aposentadoria recebida pelos segurados. De modo que o cálculo do benefício de aposentadoria deixou de considerar apenas as 36 últimas contribuições, mas sim todo o período contributivo, a partir de julho de 1994[1], até a data da última contribuição.

Além disso, foi implantada a fórmula do fator previdenciário, a qual passou a correlacionar a poupança previdenciária com o usufruto desta, considerando o tempo e a alíquota de contribuição, idade e expectativa de vida.

                        A partir do raciocínio implantado pela própria legislação previdenciária, é possível concluir que o segurado jamais pode receber um valor acima do que contribuiu, sendo a recíproca totalmente verdadeira. Desta maneira, caso o segurado aposentado volte a contribuir com o INSS, é necessário que haja um retorno desta contribuição, sob pena de caracterização de enriquecimento ilícito por parte do Órgão Previdenciário.

Sob a ótica do equilíbrio financeiro e atuarial, e considerando que a ninguém é permitido receber mais ou menos do que contribuiu, concluímos que o direito a um novo cálculo de aposentadoria, para aqueles que voltam a contribuir com a Previdência após a aposentação, é apenas um cumprimento da previsão dos princípios e da própria legislação que rege a Previdência.

Tendo em vista que mesmo aposentado, o trabalhador é obrigado a contribuir para o INSS, é necessário que se permita a este, a possibilidade de obter algum retorno com isso. O argumento utilizado pela Previdência de que não reconhece a desaposentadoria por não estar prevista em lei, apenas vem a abarrotar o Judiciário com questões que poderiam ser resolvidas administrativamente.

Diante dos argumentos expostos é que defende-se que a desaposentação é um direito a ser garantido a todo e qualquer aposentado que volte a contribuir com o INSS, o que deve ser analisado de forma coerente pelo Órgão Previdenciário para que não sejam cometidas injustiças com o segurado, de modo a manter o equilíbrio financeiro e atuarial do INSS, previsto pela própria Constituição Federal.



[1] Época em que houve a estabilização da moeda com a implantação do Plano Real.

 

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Marcela de F. Braga Coelho é advogada

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