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Comissão da OAB/PA denuncia reais condições de trabalho em fazendas de cultivo de dendê no Pará

DSC 9431-okAs denúncias vêm à tona depois da exibição de duas reportagens no programa “Globo Rural”, no dia 09 deste mês, cujos títulos foram “Fazenda na Amazônia investe no plantio de dendê” e “Dendê é fonte de renda para pequenos produtores na Amazônia”. A omissão de informações veiculadas são as principais contestações feitas pelo presidente da Comissão de Combate ao Trabalho Forçado da OAB/PA, Giussepp Mendes.

Apesar de a primeira reportagem afirmar que a fazenda pertencente à Agropalma S.A, localizada entre os municípios de Tailândia, Tomé-Açu, Moju e Acará, possuir milhares de hectares, viveiros, laboratório, agroindústria e escola, academia, ambulatório e integração com pequenos produtores da região, Mendes garante que é “falsa a percepção de que as condições de vida ofertadas aos trabalhadores pelas empresas exploradoras do dendê são as melhores possíveis, permitindo uma produção sustentável ecológica e socialmente”.

O presidente da comissão temática da OAB/PA diz que “as outras fazendas de propriedade da empresa, tampouco as pertencentes às terceirizadas que contratam, apresentam realidade muito diferente da apresentada na reportagem”. As condições de trabalho nas plantações de dendê no Pará são extremamente precárias, inclusive com casos de trabalho escravo. "O dendê se assemelha muito à cultura da cana na década de 1990, intensiva no uso de mão de obra, com as condições de trabalho muito precárias", lamenta Verena Glass, membro da ONG Repórter Brasil.

O trabalho degradante é evidenciado em situações desagradáveis no cultivo do dendê, como a “falta de lugar próprio para o trabalhador defecar, de água potável para consumo, de água para higienização do trabalhador, alojamento em péssimas condições, com acesso de animais e insetos, problemas com esgotamento de dejetos, falta de equipamento de proteção para trabalhar com produtos nocivos, trabalho obrigatório em altas temperaturas e até mesmo na chuva, não concessão de períodos de descanso, dentre outros”, enumera Giussepp.

Estudo realizado pela ONG Repórter Brasil denominado “Expansão do Dendê na Amazônia Brasileira: elementos para uma análise dos impactos sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará” ratifica essas condições em fazendas de cultivo do dendê, conforme depoimento dos próprios trabalhadores. “Quando chove muito, somos obrigados a trabalhar assim mesmo. Os homens plantando dendê com água na canela, as covas cheias d’água. Bate um vento durante a noite e todas as mudas tombam. No dia seguinte, não tem jeito, temos que voltar lá e refazer todo o serviço sem ganhar um centavo a mais por isso”, relatou um dos trabalhadores.

O alojamento utilizado pelos trabalhadores, as jornadas extenuantes, o acesso precário a tratamento médico, o saneamento do local de trabalho, a alimentação, o assédio moral, a remuneração inadequada e as indenizações injustas ilustram bem as condições degradantes encontradas nas demais fazendas, assim como o fiscal, conhecido no período colonial como ‘Capitão do Mato’. “Essa figura é mais um elo na corrente do trabalho análogo ao de escravo e degradante no meio rural, que garante vigilância ostensiva, ameaça e coação e manutenção do trabalhador na fazenda, impedindo o exercício constitucional do direito de ir e vir, pois o mesmo tem seu trabalho facilitado pelo isolamento geográfico das fazendas”.

Em relatório elaborado pelo Instituto Observatório Social, os pesquisadores alertam que a relação dos trabalhadores rurais do cultivo de dendê com o fiscal do campo é agravada pelo abuso de poder exercido por alguns funcionários das empresas, como o fiscal do campo. “Os trabalhadores sofrem forte pressão por parte dos fiscais para cumprirem a meta de produção (colheita de cachos), mesmo que esta seja impossível do ponto de vista do trabalhador. E se não cumprem a meta, são punidos”.

DSC 9427-okEm estudo realizado em 2014 pelo Instituto Observatório Social são relatadas as condições dos trabalhadores no que se refere à segurança no trabalho nas fazendas de dendê no Pará. “Em relação à saúde e segurança, os trabalhadores informaram que não receberam treinamento e que, em caso de acidente no local de trabalho (campo), recorrem ao fiscal que encaminha o trabalhador para o posto médico do polo, para atendimento de primeiros socorros. [...] No caso dos terceirizados, a qualidade dos equipamentos é inferior”.

Os problemas de saúde relatados vinculados à atividade desenvolvida foram “cansaço, stress, insônia, dor nos braços, problemas de coluna, dores nas articulações, ardor nos olhos, alergias, doenças de pele (relacionadas aos agrotóxicos), esgotamento físico, problemas respiratórios, lesão por esforços repetitivos (Ler/ Dort), doenças do sangue, depressão, intoxicação por agrotóxicos ou por efluentes/veneno que são jogados nas parcelas, causando dor de cabeça, garganta seca, dor no peito”. Segundo os entrevistados, “o trabalhador que adoece não é bem visto pela empresa”.

Os acidentes de trabalho mais frequentes são "cortes, picada de cobra, perfuração de toco nos pés e espinhos das folhas das palmeiras que afetam, principalmente, as mãos, o rosto e os braços. Em caso de queda das folhas da palmeira, o trabalhador, espontaneamente se protege dos espinhos com as mãos provocando lesões e muita dor". O trabalhador que sofre um acidente é encaminhado para o ambulatório da empresa, mas, a perícia que é feita depois, geralmente, conclui que a imprudência foi do trabalhador, que acaba sendo punido pelo ocorrido. Alguns sofrem ameaças dos supervisores de receber uma advertência, por causa do acidente.

Alguns trabalhadores terceirizados mencionaram a ocorrência de acidentes de trabalho que afetaram sua saúde. Problemas nos equipamentos (dosador do aplicador de agrotóxico frouxo), vazamento de produto químico no ônibus que os transporta e em área onde estava sendo aplicado o produto, atingiram um grande número de trabalhadores, sendo a maior parte mulheres. "Todos foram levados para o posto de saúde da cidade, onde receberam apenas medicação de emergência. O fiscal não fez relatório de acidentes de trabalho (CAT) e nenhum exame especializado nos trabalhadores".

De acordo com o Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis, da Repórter Brasil, o trabalho no dendê se assemelha em muitos aspectos ao do corte de cana. “Debaixo de um calor difícil de suportar ou de chuvas torrenciais típicas do bioma amazônico nos meses de inverno, o manejo inicial do dendezal inclui a pesada ‘roça’ das áreas, o plantio das mudas, a aplicação constante de veneno e adubo, e a poda das palmeiras”. No estágio da produção, após o quarto ano, prosseguem os tratos normais do cultivo, e adiciona-se à colheita, que inclui corte e transporte de cachos que pesam de 15 a 60 kg, de palmeiras que medem de 02 a 30 m. "O trabalho é penoso porque os cachos e folhas da palmeira de dendê são cobertos de duros espinhos".

Recentemente, o plantio do dendê no município de Moju foi incluído na lista de atividades com trabalho escravo. Outra crítica da comissão diz respeito à segunda reportagem veiculada, cujo conteúdo visa incutir a ideia de que Agropalma desenvolve trabalho social junto aos pequenos agricultores. “O que existe, de fato, é a exploração dos agricultores para o aumento de lucro da empresa, assim como funciona com outras empresas deste segmento no Pará”, conforme exposto no estudo da ONG Repórter Brasil.

Justiça

Diante desse cenário, o presidente da comissão observa que as empresas exploradoras de dendê não responderiam (e as terceirizadas que contratam) a tantos processos trabalhistas se as condições de trabalho realmente fossem tão boas quanto às relatadas nas reportagens veiculadas. A Agropalma, por exemplo, foi condenada pela 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho a indenizar um trabalhador rural que laborava em condições degradantes (Processo n.º ARR-208600-55.2009.5.08.0101).

Na análise de provas, o magistrado destacou que a empresa já havia sido alvo de outros processos e que o Ministério Público do Trabalho (MPT) propôs Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que ela observasse as normas de segurança e medicina do trabalho, o que, obviamente, não foi cumprido. Da mesma forma, a maioria das outras empresas exploradoras de dendê no Pará também possuem condenações nesse sentido.

São inúmeros os processos e julgados em que essas empresas figuram no polo passivo devido à contratação de terceirizadas que utilizam trabalho análogo ao de escravo, como no RR – 2661-56.2010.5.08.0000, no qual a Agropalma foi condenada em indenização por danos morais pela 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, uma vez que “não foram respeitados direitos mínimos da trabalhadora para o efetivo resguardo da sua dignidade”. Nesse processo, ocorreu inspeção judicial ao local de trabalho da trabalhadora, constatando-se a inexistência de banheiros químicos e comprovaram-se as condições degradantes de trabalho.

Providências

A contratação das empresas terceirizadas é realizada de maneira irregular por todas as grandes empresas beneficiadoras de dendê, pois não se pode terceirizar a atividade-fim da tomada de serviços, que é a produção e beneficiamento do dendê. “Essas companhias contratam empresas menores, sem as mínimas condições de higiene e segurança no trabalho a fim de minimizar os custos da produção do dendê em detrimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores”.

A Comissão de Combate ao Trabalho Forçado da OAB/PA, segundo Giussepp Mendes, articula junto ao Ministério Público do Trabalho para que seja aberto inquérito que investigue essas empresas, de modo que façam uma adequação e deixem de terceirizar. “Essa terceirização que é feita é ilícita, pois as atividades sociais são atividades-fim, a qual se destinam essas empresas produtoras de biodiesel”.

Na verdade, a comissão pleiteia a primarização da mão-de-obra e a inexistência da terceirização no campo. “O que causa o grande problema são as empresas terceirizadas. Hoje, as empresas tomadoras de serviços estão arcando com o ônus de não primarizar o serviço, de transferir o ônus trabalhista para uma empresa terceirizada”, finaliza o advogado.

Números

Com cerca de 170 mil hectares de plantação, o Pará é o maior produtor de dendê do país, responsável por 83% da safra nacional.

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