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Belém (PA) – O público da VI Conferência Internacional de Direitos Humanos acompanhou com interesse a audiência pública realizada nesta terça-feira (28) que debateu a política sobre drogas no Brasil e no mundo, com aspectos relacionados ao tratamento dado a dependentes, usuários e traficantes, como problemas de saúde e encarceramento.
A mesa foi presidida pelo conselheiro federal Everaldo Patriota, representante da OAB no Conselho de Direitos Humanos, e teve como debatedores João Goulão, coordenador nacional para os problemas da droga, das toxicodependências e do uso nocivo do álcool de Portugal; Walmir Gomes, presidente do Conselho Estadual sobre Drogas do Pará; e José Araújo de Brito Neto, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA. Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, presidente da OAB-AC, secretariou o encontro.
Goulão apresentou ao público a política de drogas adotada por Portugal, que descriminalizou o uso de todas as substâncias e busca na ação integrada entre vários serviços o combate ao abuso de entorpecentes. “Na maioria dos países ainda predomina o paradigma proibicionista, enquanto outros ensaiam os primeiros passos de outra visão”, afirmou. “Enquanto na Europa a droga mata mais pelo consumo individual, na América Latina mata mais pelos tiros no circuito de produção e distribuição. Cada país tem de pensar sua própria política.”
O médico fez um apanhado da história da Europa em relação às drogas, cuja visão é preservar e melhorar o bem-estar social da população, trazendo abordagem equilibrada, baseada em evidências científicas e com integração das políticas públicas. Em Portugal, país com pouco mais de 10 milhões de habitantes e governo central forte, a política sobre drogas começou a ser desenvolvida apenas na década de 70, após uma ditadura de mais de 50 anos. “No fim dos anos 80, havia grande prevalência de uso problemático de drogas: 1% da população, por exemplo, era viciada em heroína. Virou o principal problema da sociedade portuguesa”, relembrou.
A partir de então, começou a haver grande investimento por parte do Estado em políticas inovadoras em redução de danos, com a visão de que o dependente químico é um doente e não um criminoso. Foi criada uma rede de redução de riscos e minimização de danos. “Nossa resposta ao problema com as drogas foi por meio de uma coordenação nacional com estrutura institucional, novo paradigma e um modelo de intervenção integrada. Em 2000 houve a descriminalização completa do uso de qualquer substância”, explicou.
“Há uma rede para proteger as pessoas que não querem mais usar, com centros de saúde, segurança social, escolas, centros de emprego e treinamento. Na outra ponta, há sanções para quem descumpre a quantidade de drogas permitida para uso pessoal. Baseamos nossa política em prevenção, tratamento, dissuasão e reinserção”, finalizou.
Walmir de Almeida Gomes começou sua palestra afirmando que a dependência química é o maior desafio do mundo moderno, um assunto que envolve técnicos, operadores do direito e sociedade. “O debate tem de ser amplo, porque só assim chegaremos a boas conclusões e a políticas que sejam mais próximas da realidade do nosso povo”, explicou.
Gomes também apresentou no que sua visão são os benefícios trazidos pela atualização da lei sobre drogas do Brasil, de 2006, como a distinção entre usuários, dependentes e traficantes. “O porte deixou de ser crime dependendo da quantidade da substância, mas a lei não especifica a quantidade, ficando a critério do juiz. Também prevê o aumento do tempo de prisão para o traficante, além de tipificar o crime para quem financia o tráfico. A nossa meta é a descentralização da política, pois a realidade varia de acordo com cada Estado e município”, afirmou.
Brito Neto falou em nome da Frente Paraense de Drogas e Direitos Humanos, que reúne diversas instituições, inclusive a OAB, para discutir políticas públicas e os estigmas sociais relacionados ao assunto. “A droga faz parte da história da humanidade, temos que focar o debate em seu uso problemático”, disse.
O advogado criticou o fato de a lei atual ter aumentado os tipos penais, inclusive igualando o fornecimento gratuito ao tráfico. “O proibicionismo é prejudicial. Mais de 24% da população carcerária do país foi condenada pelo art. 33 da lei. O tráfico só existe porque existe o proibicionismo”, finalizou.
Fonte: Site CFOAB
Foto: Yan Fernandes