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CFOAB - OAB rebate argumentos do governo na ação de correção da tabela do IR

Brasília – O Conselho Federal da OAB protocolou nesta terça-feira (29), no Supremo Tribunal Federal, análise das manifestações do Senado Federal e da Advocacia-Geral da União acerca da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) 5.096, de autoria da Ordem e que versa sobre o reajuste da tabela de Imposto de Renda no país. O texto foi encaminhado para o gabinete do ministro Luís Roberto Barroso, que não atendeu ao pedido liminar para que a matéria fosse votada prioritariamente. A ADI aguarda votação da Suprema Corte. Leia aqui o documento.

A ADI objetiva a interpretação conforme a Constituição, de modo que a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física reflita a defasagem inflacionária ocorrida desde 1996, tendo em vista que o valor tido como mínimo necessário e os limites das faixas de incidência do tributo foram corrigidos de forma inferior à inflação no período. A análise foi elaborada por Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da OAB Nacional, Luiz Gustavo Bichara, procurador especial tributário do Conselho Federal, e Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior, assessor jurídico da OAB.

Para a OAB, a correção da tabela em percentual discrepante ofende diversos comandos constitucionais, como o conceito de renda, a capacidade contributiva, o não confisco tributário, a dignidade da pessoa humana e os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Pela relevância da matéria, foram solicitadas informações à Presidência da República, que se manifestou com informações prestadas pela Advocacia-Geral da União, e ao presidente do Congresso Nacional. Haverá, ainda, parecer da Procuradoria-Geral da União.

A fórmula proposta pela ADI para aproximar a tabela da realidade inflacionária é substituir a Taxa Referencial (TR) pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Nos últimos anos, a inflação real registrada foi superior à base de cálculo usada para a tabela do IR, o que causou defasagem na tabela. Desde 2007, por exemplo, a correção é realizada com base no centro da meta de inflação do governo, de 4,5% ao ano. No ano passado, a inflação fechou o ano em 5,91%.

Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a defasagem acumulada na tabela de cálculo do IR entre 1996 e 2013 é de 61,24%. Na ADI, a entidade propõe ainda que o STF determine a reposição aos contribuintes das perdas desde 1996 até agora, por meio de uma regra de modulação dos efeitos da decisão. O pagamento seria feito em dez anos. "Para se ter uma ideia da discrepância, há 15 anos, quem recebia até oito salários mínimos era isento. Hoje quem recebe mais de dois salários e meio já tem que pagar", comparou Marcus Vinicius.

O Congresso Nacional manifestou-se sobre três pontos: presunção de constitucionalidade das leis, os limites da jurisdição constitucional e a pressuposta incoerência entre os fundamentos e o pedido inicial e da impossibilidade de controle constitucional de omissão. A OAB deteve sua análise neste ponto: para o Senado, “há um pedido incoerente com a fundamentação da petição inicial, o que acarreta, por força da inescapável aplicação do art. 295, parágrafo único, do CPC, o indeferimento da inicial, por inépcia, quanto a este pedido específico”.  Ordem entende que tais argumentos não merecem prosperar.

“O objetivo desta Ação Direta é questionar a conduta ativa do legislador consistente em atualizar a tabela do imposto de forma equivocada, eis que não equivalente à inflação verificada, constituindo, pois, caso de inconstitucionalidade por ação. É dizer, correção há, embora flagrantemente insuficiente”, argumenta a OAB no pedido. “Fixada a premissa de que a hipótese não é de omissão parcial, o que a Requerente fez foi argumentar que, caso assim não se entendesse, ter-se-ia a plena fungibilidade entre a ADI e a ADO, destacando-se que a jurisprudência admite a unidade entre o controle de constitucionalidade por ação ou por omissão”, continua. Portanto, se o STF admitir a fungibilidade entre ADI e ADO, não haveria qualquer prejuízo ao pleito formulado. “Vê-se, portanto, que o art. 295, parágrafo único, do CPC, não guarda relação com o presente caso”, argumenta.

A Presidência da República manifestou-se com informações da Advocacia-Geral da União, órgão que também elaborou argumentos sobre a ADI. Na análise protocolada nesta terça-feira (29) junto ao STF, a OAB apresentou contrarrazões em sete pontos dos relatórios tanto da Presidência quanto da AGU. Leia abaixo detalhes sobre cada um deles:

1) “Haveria inépcia da petição inicial, por apresentar pedido judicialmente impossível e afrontar reiterada jurisprudência desse E. STF, repetida, recentemente, no RE nº 388.312”

A referida matéria analisava causas de pedir mais restritas, delimitando o âmbito de julgamento do recurso e, mais recentemente, o próprio STF voltou ao tema. No julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, por exemplo, o ministro Ayres Britto afirmou a inconstitucionalidade da expressão “índice oficial de remuneração da caderneta de poupança”, por não haver, nele, idoneidade para mensurar a perda do poder aquisitivo da moeda, apresentando a existência de fato novo, o que, para a OAB, representa alteração de paradigma da Corte, representando talvez não uma mutação constitucional, mas, inegavelmente, uma mutação jurisprudencial.

2) “A matéria em questão seria de competência do legislador ordinário, notadamente a definição do conceito de renda”

A OAB concorda que o conceito de renda encontra-se sujeito à densificação legal, mas argumenta, no entanto, que este mesmo conceito contém um núcleo mínimo insuprimível que deve ser extraído da Constituição, mesmo que lá não esteja de forma explícita. Para a Ordem, “resta claro que a definição do conceito de renda deve atentar aos limites estabelecidos na Constituição Federal”.

3) “As decisões do STF nas ADIs 4.357 e 4.425 não podem ser generalizadas”

A AGU e a Presidência argumentam que decisões referentes a precatórios não podem aplicados a casos que não envolvam débitos com a União. O objetivo da OAB, ao apresentar os casos, foi demonstrar que o STF determinou a aplicação de índice não estipulado inicialmente pelo legislador, sem que haja violação ao princípio da separação de poderes, tal como se pretende com a ADI 5.096. “Salta aos olhos, por fim, o ponto levantando pela AGU ao afirmar, citando o jurista luso Casalta Nabais, que no Estado fiscal democrático de direito o contribuinte tem a obrigação fundamental de pagar tributo. Ora, isso jamais esteve em discussão, e nem poderia estar. É importante, entende o CFOAB, que o contencioso constitucional se dê em alto nível, até em respeito à Suprema Corte”, afirma o relatório.

4) “A legislação do imposto de renda tem garantido de modo razoável, e dentro das possibilidades efetivas e reais, inclusive orçamentárias, os princípios da pessoalidade, da progressividade, da igualdade no tratamento tributário e da capacidade contributiva, eis que tem estabelecido isenções e suas faixas, abatimentos, várias deduções, alíquotas progressivas e a correção da tabela, sendo previsível que, em breve, nova lei federal deva voltar a atualizar as tabelas do imposto”

Segundo a OAB, parece ter passado ao largo da AGU de que tais medidas não são favores do legislador, mas consequência “direta e inafastável” das regras da Constituição, caso da “impossibilidade da tributação do mínimo existencial em face da prevalência da dignidade da pessoa humana”. “Ainda que o legislador tenha atuado para definir o que seria a renda tributável, o contribuinte, por óbvio, pode recorrer ao Poder Judiciário quando esta não respeitar os comandos constitucionais”, esclarece.

5) “O Estado brasileiro tem responsável preocupação com equilíbrio orçamentário e não pode se descuidar do seu compromisso com a sociedade de controlar a inflação, evitando o seu recrudescimento. Ademais, a arrecadação do imposto de renda tem enorme importância não só para o equilíbrio das contas da União, mas também dos Estados e Municípios brasileiros”

A Ordem dos Advogados do Brasil sustenta que o argumento ad terrorem, sobre a perda gerada em decorrência de uma ação judicial comprometer o equilíbrio das contas da União ou a economia do país, passou a ser utilizado sem qualquer prova ou demonstração de valores. Ademais, a ADI prevê modulação dos efeitos da decisão para que se corrija a tabela de 2013 frente ao ano anterior – não desde o início -, com base no IPCA de 5,91% em vez de 4,5%, e a recomposição dos prejuízos dos anos anteriores seja aplicadas nos próximos 10 anos, no percentual de 10%/ano.

6) “Teria essa Corte Constitucional assentado que o Poder Judiciário só tem função de legislador negativo, não lhe sendo autorizado atuar como legislador positivo, isto em respeito ao dogma constitucional e a cláusula pétrea da Separação dos Poderes”

Para a OAB, é improcedente o argumento da AGU de que o Poder Judiciário só tem função de legislador negativo, inclusive com própria censura do STF sobre o assunto. A ADI 5.096 pretende unicamente a interpretação conforme de comandos legais para que se adequem à Constituição. Isso ocorrendo, não haverá distorção ao sentido original da lei. “A correção da tabela do IRPF já existe, e a vontade do legislador era a de que esta acontecesse conforme o índice real de inflação, considerando que o percentual de 4,5% utilizado para correção desde 2007 foi assim definido porque era a meta para a inflação anual, o que não foi atingido, significando que, se a autoridade monetária estivesse cumprindo à risca seu objetivo, não haveria qualquer defasagem na tabela. Mas infelizmente isso não ocorreu”, argumenta a Ordem. “Como se vê, a aplicação da interpretação conforme seria uma forma de fazer valer a própria vontade do legislador, no sentido de se buscar o objetivo da norma, de modo que não estaria agindo o Poder Judiciário como legislador positivo.”

7) “Não haveria violação aos princípios da capacidade contributiva e da vedação de utilização de tributo com fins de confisco, tampouco à dignidade da pessoa humana, inexistindo tributação do mínimo existencial”

7.1) Capacidade Contributiva

A AGU utiliza em sua argumentação o art. 145 da Constituição, que prevê, de maneira genérica, que “sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, concluindo que sua aplicação não é compulsória. Ainda lembra que “o Poder Público deve arrecadar os valores necessários para cumprir os compromissos financeiros e manter o equilíbrio orçamentário”. Além de utilizar mais uma vez o argumento ad terrorem, o órgão vale-se de interpretação equivocada da expressão “sempre que possível”. Para a OAB, ela “não estabelece uma mera faculdade ao legislador de aplicar ou não o referido princípio”. “O que se tem aqui é uma obrigação de se observar a capacidade econômica dos contribuintes, desde que a índole constitucional do imposto assim o permita”, afirma a OAB. “O Imposto sobre a Renda é, por sua própria condição, eminentemente pessoal. É, na verdade, o mais pessoal dos impostos, como confirma a história deste tributo no Brasil e no direito comparado, não sendo cabível alegar a impossibilidade de cumprimento da capacidade contributiva.”

7.2) Confisco

Segundo a AGU, para que se caracterizasse a confiscatoridade seria necessária a demonstração da ocorrência de uma potencial violação do direito de propriedade. Segundo a OAB, “considerando que ao se exigir o IRPF sem a observância do princípio da capacidade contributiva, o Fisco acabou por conferir a tal exação efeito confiscatório, o que é vedado pela Carta Magna”. “A partir do momento em que a Fazenda Pú-blica passa a cobrar exação sem que o sujeito passivo possua riqueza condi-zente com o que lhe é exigido (capacidade contributiva), acabará tendo que se desfazer de seu patrimônio para honrá-la”, argumenta a Ordem.

7.3) Tributação do Mínimo Existencial

A AGU sustenta, por fim, que a faixa de isenção está acima da tributação do mínimo existencial, considerando que a faixa encontra-se em patamar superior ao salário mínimo. No caso, conhecendo a realidade do Brasil, a OAB acredita que é alienado concluir que o mínimo existencial é garantido com base no salário mínimo. Pela Constituição, em seu art. 7º, o salário mínimo deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, com reajustes para que seja preservado o poder aquisitivo. Em 1995, o legislador estabeleceu o valor de R$ 900 como o necessário para a subsistência do cidadão –quem ganhasse menos estava livre de cobrança de imposto. O montante equivalia a oito salários mínimos. Hoje, basta receber três salários mínimos para ser tributado. “No limite, a ausência de correção consoante o índice da inflação poderá suscitar um quadro futuro de tributação do próprio salário mínimo”, argumenta a OAB. “A falta dessa correção implica ofensa direta ao princípio da dignidade da pessoa humana, em face da tributação do mínimo existencial, o que não guarda relação com o valor do salário mínimo.”

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