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Uma decisão da corregedora-geral do Conselho Nacional de Justiça, a ministra Eliana Calmon provocou revolta entre juízes, mas evitou um golpe de R$ 2,3 bilhões contra o Banco do Brasil. Os jornalistas Mario Simas Filho e Delmo Moreira da revista ISTOÉ contam em reportagem especial como foi o caso. Leia a reportagem abaixo:
A reação da Associação dos Magistrados Brasileiros a uma polêmica decisão da corregedora do Conselho Nacional de Justiça às vésperas do Natal do ano passado soou como uma declaração de guerra entre os juízes de todo o País. A corregedora, ministra Eliana Calmon, havia tornado sem efeito uma sentença da juíza Vera Araújo de Souza, da 5ª Vara Cível de Belém do Pará, confirmada pela desembargadora Marineide Marabat, que obrigava o Banco do Brasil a reservar R$ 2,3 bilhões de sua receita a fim de assegurar o crédito no mesmo valor na conta-corrente de Francisco Nunez Pereira, que alegava ser dono do dinheiro.
A AMB, que costuma questionar o controle externo do Judiciário exercido pelo CNJ, entendeu que a corregedora extrapolara suas funções administrativas, desrespeitando a decisão da juíza, o que, segundo carta enviada pela associação a todos os juízes brasileiros, ameaçava a independência dos magistrados. Além da carta, a AMB fez representações ao Supremo Tribunal Federal e ao Conselho Nacional de Justiça, pedindo punição à corregedora. Na terça-feira 8, depois de mais de três anos de investigações, a Polícia Federal prendeu Francisco Nunez Pereira e mais duas pessoas, apontadas como líderes de uma quadrilha especializada em fraudes bancárias, exatamente iguais à que vinha sendo orquestrada contra a agência do Banco do Brasil em Belém. O golpe de R$ 2,3 bilhões só não foi concretizado no final do ano passado graças à iniciativa da corregedora.
“Ficou muito claro que o Judiciário estava sendo usado para um golpe, mas a juíza de Belém não atentou para isso. Por essa razão é que decidi investigar melhor o caso”, explicou a ministra Eliana Calmon na tarde da quinta-feira (10/2). “É uma pena que a AMB tenha usado esse episódio com corporativismo e tentado colocar a magistratura contra o CNJ.”
Em 2007, reportagem de ISTOÉ revelou que Francisco Nunez Pereira era alvo de investigações da Polícia Federal, da Receita e do próprio Banco do Brasil. Desempregado e levando uma vida simples na periferia de Tatuí, no interior de São Paulo, ele dizia ser um dos homens mais ricos do País e declarava ao Fisco ser o proprietário de R$ 10 bilhões. Apresentava uma série de extratos do Banco do Brasil indicando depósitos em sua conta corrente que somavam mais de R$ 2,3 bilhões e exibia uma folha de antecedentes relacionando-o como réu em 67 processos, a maior parte deles por estelionato.
As investigações da PF e da Receita começaram porque Pereira tentou sacar dinheiro em agências de Brasília e em Santa Catarina, mas o banco não confirmava a existência dos depósitos e determinou que fossem feitas perícias nos extratos apresentados pelo golpista. Um laudo assinado pelo perito José Cândido Neto, do Instituto de Criminalística do Distrito Federal, apontou inúmeras falhas nos extratos apresentados por Pereira e concluiu tratar-se de documentos falsos.
No caso de Belém, tanto a juíza como a desembargadora ignoraram os argumentos apresentados pelo Departamento Jurídico do Banco, inclusive os laudos periciais sobre os extratos. A juíza Vera de Souza recebeu o processo na quinta-feira 4 de novembro de 2010 e na segunda-feira seguinte concedeu a liminar em favor do golpista, sem sequer ter ouvido os advogados do banco. Foi essa rapidez uma das principais razões que levaram a corregedora do CNJ a cancelar a decisão da juíza e provocou a rebelião da AMB. De fato, o CNJ não pode interferir nas argumentações jurídicas adotadas pelos magistrados, mas é obrigação do conselho zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos juízes e o Código de Ética impõe que as decisões devam ser tomadas com prudência e cautela. “Não questionei os entendimentos jurídicos da juíza ou da desembargadora. Minha decisão foi meramente administrativa”, diz a ministra Eliana Calmon.
“Não me parece ter havido prudência e cautela ao se julgar em apenas dois dias úteis um processo que envolve supostos R$ 2,3 bilhões depositados na conta-corrente de um cidadão que responde a dezenas de processos por estelionato, sem sequer ter ouvido os argumentos do Banco do Brasil, que já dispunha dos laudos comprovando a falsidade dos documentos apresentados.” Outros fatos chamaram a atenção da corregedora. O primeiro foi o desaparecimento do processo original no cartório de Belém e o segundo foi uma declaração da juíza da 5ª Vara Cível que disse ter julgado o caso com rapidez porque “sofreu pressão de cima”. “Queremos saber exatamente que tipo de pressão e quem a exerceu”, afirma a corregedora Eliana Calmon.
Na semana passada, a juíza Vera de Souza e a desembargadora Marineide Marabat não responderam à reportagem de ISTOÉ. Ambas são alvo de ações que tramitam sob sigilo na Corregedoria do Tribunal de Justiça do Pará. O presidente da AMB, Nelson Calandra, desembargador em São Paulo, também não se manifestou sobre o caso, mas suas posições contra o controle externo do Judiciário e o CNJ são antigas.
“Sou a favor da autonomia dos juízes e sempre fui contra o Conselho Nacional de Justiça. Quando se divulgam irregularidades ocorridas no Judiciário passamos a impressão de que o poder está todo corroído”, disse Calandra quando ainda presidia a Associação Paulista de Magistrados. “É importante a transparência também no Judiciário. Só assim poderemos efetivamente valorizar os bons profissionais e evitar que a Justiça seja usada por maus brasileiros”, concluiu a corregedora.