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As prisões, em países como o Brasil, abandonaram por completo o projeto humanista da modernidade, que as via como um centro disciplinar/correcional.
Na era da pós-modernidade, atual, em lugar de experimentar avanços civilizatórios, as prisões retrocederam aos escombros e obscuridades da Idade Média.
As duas rebeliões ocorridas em presídios do Maranhão (Complexo de Pedrinhas) e do Amazonas, no mês de novembro de 2010, com 21 mortos, evidenciaram, uma vez mais, as entranhas infestadas das misérias dessa nossa latrina, que se chama sistema carcerário brasileiro.
Essas misérias vêm sendo denunciadas corajosamente pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) desde, sobretudo, 2008.
Praticamente todos os Estados brasileiros, 26 Estados mais o Distrito Federal, apresentam as mesmas e indescritíveis mazelas: superpopulação carcerária, déficit no número de vagas, condições carcerárias deploráveis, desrespeito absoluto aos direitos das pessoas presas, demora no julgamento dos processos - 44% dos presos não contam com sentença final -, intenso tráfico interno de drogas, ausência de tratamento aos drogados, AIDS, violência indescritível, tortura, assassinatos em série, corrupção de agentes penitenciários, ociosidade, cooptação das organizações criminosas, rebeliões etc.
Por que chegamos nesse túnel da ausência absoluta de civilização que não conta, neste instante, com nenhuma luz no seu final?
Porque o projeto moderno de prisão, chamado de disciplinar/correcional, ou seja, a prisão moderna teria como finalidade a correção do preso, como nos ensinava Foucault, naufragou completamente, sobretudo em países como o Brasil, onde é muito forte o populismo penal, o autoritarismo e as desigualdades sociais - de acordo com o último IDH o Brasil é o 72º país no ranking mundial.
O escopo corretivo, porque ainda se confiava na recuperação do preso, que norteou a filosofia das prisões durante muitas décadas desapareceu por completo, morreu, evaporou-se em muitos países.
A rigor, no Brasil, pode-se dizer que esse projeto moderno nunca foi levado muito a sério.
De qualquer maneira, até a década de 80, do século XX, a filosofia (talvez mito) da ressocialização do preso ainda convivia, embora ocupando a posição de prima pobre, com as atrocidades prisionais.
Nossa atual Lei de Execução Penal foi editada nesta década (Lei 7.210, de 11/07/84).
No seu artigo 1º ela diz: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
Ainda se falava no mito da “integração social”, com o sentido de ressocialização, recuperação ou reinserção do preso na sociedade.
Da década de 90, do século XX, para frente, tendo como marco a Lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/90), de forma inequívoca, o velho e mitológico modelo corretivo/disciplinar, de recuperação do preso, reinserção social, ressocialização, cedeu espaço para outro tipo de prisão, agora submetida, subordinada, a um projeto punitivista “securitário” de segurança máxima.
Cuida-se de um novo modelo de prisão, como diz M. Sozzo, “que abandona completamente como finalidade declarada a ‘correção do criminoso’, abraçando outros objetivos como legitimação da sua própria existência.
Por um lado, a retribuição do dano gerado pelo delito por meio da produção intencionada de dor no preso.
Por outro, de forma prioritária, a incapacitação ou neutralização do preso, durante um lapso de tempo mais ou menos prolongado, de forma tal que não possa reincidir no delito, ‘protegendo o público’, gerando ‘segurança’”.
Os presídios e as cadeias, como latrinas do sistema criminal brasileiro, passam a ser centros sanguinários e violentos de distribuição de dor e de sofrimento excessivo, abusivo; o filme Tropa de Elite 2 procurou mostrar isso de forma implacável.
O novo modelo de prisão, chamado de prisão-jaula ou prisão-depósito ou, ainda, de prisão-latrina, é uma prisão sem trabalho, sem educação, sem família, sem observação, classificação e tratamento, sem flexibilização no encarceramento, sem segurança, sem individualidade, sem privacidade, sem respeito aos direitos mínimos das pessoas presas etc.
Não se trata, portanto, de uma prisão-fábrica ou de uma prisão-escola ou mesmo de uma prisão-mosteiro ou de uma prisão-família ou ainda de uma prisão-asilo ou de uma prisão-hospital.
Tudo que se relacionava com a correção/disciplina desapareceu.
Cuida-se agora de uma prisão que significa só encarceramento e isolamento, regulamentação, vigilância e sanção - mais dor, castigo, sofrimento, embrutecimento.
É uma prisão mais ou menos segura. Mas com as características da “prisão-jaula” ou da “prisão-depósito” ou, ainda, como pensamos, da “prisão-latrina”.
É disso que derivam o recolhimento de pessoas em contêiners (como foi constatado em Espírito Santo, por exemplo), as rebeliões, os degolamentos, as mortes, os assassinatos a sangue frio etc.
De um modo geral a sociedade brasileira, que nem sequer protesta contra a educação sucateada, as filas da saúde, a morosidade da justiça etc., não manifesta nenhuma preocupação com todo esse mundo de horrores medievais.
Esquece-se de que tudo que diz respeito à condição humana também lhe diz respeito.
Mas tudo tem seu preço. A criminalidade no nosso país não apresenta nenhum sinal de arrefecimento e parte dela é gerada justamente dentro das prisões-latrinas.