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Para criminalista, juiz deve observar peça informativa antes da promotoria
Acusado tem direito a defesa ainda na Polícia e juiz observa este direito
DILSON PIMENTEL
Da Redação
"Entendo que é um ‘mito’ pensar que a tramitação direta do inquérito entre a Polícia e o Ministério Público aceleraria o procedimento investigativo". A afirmação é do advogado Jânio Siqueira, que há 26 anos atua exclusivamente na área criminal. Ele vai além: "O que se percebe em muitos inquéritos policiais é, muitas vezes, a figura do delegado e do promotor obcecados em acusar a qualquer preço, movidos pela mera 'intuição acusatória', outras vezes movidos por sentimentos inferiores de perseguição pessoal. Portanto, a Polícia e o Ministério Público não podem ser os 'donos' absolutos do inquérito, como se ele fosse um instrumento privativo de trabalho daquelas duas instituições". Abaixo, a entrevista com Jânio Siqueira.
Em sua opinião, é correto esse formato que está em vigor? Ou seja, o inquérito ir primeiro para o Tribunal de Justiça e, depois, para o Ministério Público?
Entendo que o atual modelo está correto, sim. Pois, ao contrário do que muitos pensam, a presença do juiz, nesta fase do inquérito, não se limita apenas a ‘carimbá-lo’ e remetê-lo ao Ministério Público, para uma eventual denúncia. Não! Não é tão simples assim. Neste momento, e já nesta fase da investigação policial, o suspeito ou indiciado também tem direitos e garantias constitucionais que precisam ser respeitados, especialmente o direito de defesa, que já começa a ser exercitada no próprio inquérito. Assim, entendo que o juiz criminal, na fase investigatória, tem uma função muito mais nobre, e que é a essência da própria função judicial - qual seja, deve ele analisar, ainda que superficialmente, o inquérito, e averiguar se porventura não está havendo algum abuso, algum excesso policial contra algum direito ou garantia constitucional daquele cidadão investigado.
Qual seria o mecanismo mais viável para agilizar os inquéritos?
Entendo que é um ‘mito’ pensar que a tramitação direta do inquérito entre a Polícia e o Ministério Público aceleraria o procedimento investigativo. O que penso é que devem ser criados prazos claros, rígidos e peremptórios que deveriam ser observados tanto pela Polícia quanto pelo Ministério Público para a conclusão dos inquéritos e para a formulação das denúncias criminais, punindo-se administrativamente o desleixo profissional daqueles delegados e promotores negligentes na sua função. Reitero, portanto, que devem ser criados prazos mais rígidos para conclusão dos inquéritos policiais. Penso ainda que os pedidos de dilação de prazo para conclusão desses inquéritos sejam limitados pela lei, em hipóteses restritivas, não podendo ser deferidos repetidamente pelo Judiciário, sob pena de estarmos incentivando a desídia e a inoperância da autoridade policial. Tenho visto muitas manobras da autoridade policial para eternizar inquéritos. Uma delas é a prática de se ouvir o suspeito repetidas vezes na falsa condição de testemunha, para, somente ao final do inquérito, depois de longos meses de tramitação, reinterrogá-lo novamente na condição de indiciado. Assim, arrasta-se por um longo tempo essa ‘comédia’ policial, sob o engodo de que o inquérito ainda não havia sido concluído até por ausência de "elementos mínimos de prova". Tudo isto atropelando o bom andamento da Justiça e a boa fé" dos magistrados, que sempre demonstram boa vontade em prestigiar os pedidos da autoridade policial.
Em relação à tramitação dos inquéritos, qual a sua avaliação? O modelo em vigor beneficia, ou não, a investigação? É, ou não, produtivo?
Estou convencido que a tramitação do inquérito policial não pode ser feita sem a presença fiscalizadora do juiz. E isto por uma razão óbvia: o inquérito policial não é apenas uma peça de acusação como alardeiam os mais apressados. O inquérito policial é, também, um conjunto de provas que será usado em favor do indiciado. Afinal de contas, o inquérito busca, ainda no calor dos fatos, o esclarecimento da ‘verdade real’ daquele fato supostamente criminoso. Pois, na Justiça Penal, não se pode condenar com base em presunções, conjecturas ou suposições. Daí a importância do inquérito policial. Um inquérito policial falho, claudicante, permeado de dúvidas, certamente implicará numa absolvição, ou no seu prematuro arquivamento a pedido do próprio Ministério Público.
»Entendo ainda que o inquérito policial nos moldes atuais deixa muito a desejar em razão da falta de estrutura das Polícias Civis da maioria dos Estados. Na prática, os delegados não têm "estrutura", até mesmo de material humano qualificado, para investigar, apurar a autoria, esclarecer as circunstâncias do crime, colher provas científicas, e depois relatar seus inquéritos, encaminhando-os à Justiça. Tenho visto, na prática, um inquérito policial ainda feito nos moldes antigos, aquele do início do século XX, quando o bom inquérito era aquele recheado do maior número de depoimentos e testemunhos, na maioria falhos e contraditórios. Onde a prova pericial ainda hoje é vista como "exceção", limitando-se, na maioria das vezes, ao "exame de corpo de delito" da vítima. Infelizmente, é esse "vício" profissional que ainda deforma a "visão" investigativa do policial brasileiro. Portanto, falta investimento, treinamento e aparelhamento da Polícia Judiciária, para que os inquéritos policiais possam, amanhã, culminar numa maior "estatística" de condenação; pois, da forma que vêm sendo feito, o que se constata é uma avalanche de "absolvições" escorada no princípio do "in dubio pro reo" ("na dúvida em favor do réu").
Hoje, em média, quanto tempo leva para a Justiça se manifestar após o inquérito ser remetido pela Polícia Civil ao Judiciário?
Hoje, no Judiciário local, o prazo médio que a Justiça leva para se manifestar é de 30 dias. É importante frisar que na Comarca de Belém, o Tribunal de Justiça do Estado criou uma Vara Especializada para receber e registrar os inquéritos policiais ("Vara de Inquéritos Policiais"), que, no meu entendimento, só veio para burocratizar ainda mais. Não havia necessidade disto. Bastava o inquérito ser distribuído diretamente para a vara do juiiz "vinculado" ao processo. Criou-se, assim, uma estrutura burocrática desnecessária que tem dilatado o tempo que o inquérito fica nas mãos do juiz, quando deveria estar nas mãos do seu verdadeiro "dono", do seu verdadeiro titular, que é exatamente o Promotor de Justiça. É uma falsa premissa dizer que é mera burocracia o juiz intervir na tramitação dos inquéritos. Isso não é verdade. Inicialmente porque, no âmbito da Justiça Criminal, e especialmente nesta, muitas vezes é a burocracia e a "formalidade" que protegem o cidadão de possíveis abusos nas investigações. Assim, entendo que o "controle" que o juiz exerce sobre a tramitação do inquérito é mais, muito mais, do que um simples procedimento judicial. Pois, no inquérito policial, se lida com um patrimônio inestimável, imensurável, que é a liberdade das pessoas. E o que se percebe em muitos inquéritos policiais é, muitas vezes, a figura do delegado e do promotor obcecados em "acusar a qualquer preço", movidos pela mera "intuição acusatória", outras vezes movidos por sentimentos inferiores de perseguição pessoal. Portanto, a Polícia e o Ministério Público não podem ser os "donos" absolutos do inquérito, como se ele fosse um "instrumento" privativo de trabalho daquelas duas instituições. Não! É preciso ter presente que o inquérito, na prática, já é uma "punição antecipada" ao cidadão-suspeito. Um simples inquérito já faz nascer contra o cidadão uma série de "preconceitos sociais" de toda espécie, que afeta a vida, a carreira e a profissão daquele cidadão-suspeito, criando-lhe um estigma social terrível na sociedade em que ele vive, e cuja realidade não pode merecer nossa indiferença.
Fonte: O Liberal - Caderno Polícia