Home / Notícias
O Advogado Dorival Belém, membro da Comissão de Atividades Policiais da OAB-PA protocolou hoje, 15, na sede da Ordem, um relatório apresentando os diversos problemas vividos no Centro de Recuperação Feminino (CRF).
Por volta de 22h30 Na noite deste sábado, por volta de 22h30, internas do Centro de Recuperação Feminino (CRF) do Coqueiro iniciam uma rebelião na unidade de detenção. O motim foi iniciado por uma detenta que se recusou a ser transferida da ala provisória para a ala das internas sentenciadas, mesmo já tendo sido julgada. As demais detentas do bloco Primavera II aproveitaram o princípio de confusão para se rebelar e causar um tumulto na unidade.
Em documento, além de colher um relato de algumas detentas, o advogado pode constatar in loco, a total falta de infraestrutura do local e a falta de respaito aos direitos humanos. Só para se ter uma ideia, o CRF mantém hoje, cerca de 600 (seiscentas) presas, a maioria delas provisórias e com processos demasiadamente retardados no Poder Judiciário.
Leia abaixo a íntegra do relatório:
"Exmo. Sr.
Dr. JARBAS VASCONCELOS DO CARMO.
DD. Presidente da OAB/PA.
Com meus respeitosos cumprimentos, venho RELATAR, para as providências que V. Exa. julgar pertinentes, o que observei no motim de presas do Centro de Recuperação Feminino - CRF, ocorrido ontem, 13.06.2011.
Por volta das 15h00, quando me dirigi ao CRF objetivando visitar algumas clientes ali recolhidas, percebi, pela gritaria, correria de funcionários e entrada de policiais que havia uma rebelião em andamento.
Ao adentrar na portaria para inteirar-me dos fatos, fui logo reconhecido como advogado por uma funcionária que nervosa me disse: “não dá pra lhe atender agora ... é melhor o senhor se retirar ... o senhor não pode ficar aqui.”
No contexto, entendi que as ordens não visavam impedir meu trabalho, mas preocupação com a segurança. Resolvi sair e aguardar.
De fora, ao ouvir estampidos de tiros, bombas, e gritos desesperados de socorro de presas, fui tomado pelo dever de acompanhar as ações repressivas para fiscalizar a possível ocorrência de abusos contra qualquer das internas daquela cadeia. E, para tanto, como único advogado no recinto e membro da Comissão de Atividades Policiais da OAB, informei a situação de urgência à Dra. Ivanilda Pontes, e com seu incentivo decidi, em nome de nossa respeitável instituição, vencer a resistência e adentrar no CRF para cumprir nossa missão implacável de defesa dos Direitos Humanos.
Em verdade, foi só falar em nome da OAB aos dirigentes da SUSIPE e comandantes militares ali presentes, que as portas e grades foram sendo abertas nos permitindo livre acesso às dependências do CRF e especialmente ao pavilhão convulsionado (naquele momento já controlado), onde pude, firmando minha representatividade, colaborar para acalmar os ânimos dos envolvidos, passando a ouvir as reclamações das presas e explicações dos funcionários, por sua diretora, Dra. DOROTEA que nos deu especial atenção.
Pelo que pude apurar sumariamente, cerca de 130 (cento e trinta) internas do pavilhão D do Espaço Primavera estavam liberadas das celas para o banho de sol, quando uma delas, LILIANE PINHEIRO FARIAS, aproveitando-se da entrada da agente SONIA MARIA CARDOSO SOARES, para retirada de uma interna que seria liberada, avançou sobre a referida funcionária a manietou pelos cabelos, e, armada com um estoque (arma feita artesanalmente com pedaço de ferro), tentava fazê-la refém, quando outros agentes percebendo o ataque partiram em defesa da colega livrando-a da agressão, mas se excedendo na contenção, gerando a revolta das demais internas e conseqüente rebelião, tendo os funcionários se retirado e as internas destruído tudo o que podiam. Nessa refrega, SONIA exibia um ferimento leve (tipo arranhão) no pescoço, mas reclamava que a LILIANE tentou matá-la e que teve a ajuda de outras internas.
Entrevistei LILIANE que confessou a agressão dizendo que não queria ferir a funcionária, apenas fazê-la refém, para fazer reivindicações. Justificou que SONIA lhe tratava mal e que entre outras coisas lhe negava fornecer remédios para curar sua enfermidade (Hérnia).
Sobre os motivos de sua prisão, disse que é moradora da cidade de Juruti, no baixo Amazonas, onde foi presa há dez meses ao tentar roubar um celular. Passou dois meses na delegacia local, depois foi transferida para Santarém onde passou mais seis meses. Em seguida foi recambiada para Belém, estando dois meses no CRF. Reclama da morosidade processual, pois somente no mês passado (24.05) é que teve a primeira audiência com um juiz de Direito e para tanto foi levada de avião até Santarém e dali de barco até Juruti, fazendo em seguida o caminho de volta, todo tempo algemada.
Sobre sua vida pregressa, disse ter 20 (vinte) anos, filha de pais separados, é a mais velha de quatro irmãos, o pai é policial militar em Manaus, mas abandonou a mulher e os filhos ainda menores, estudou até o sexto ano, consumia bebidas e drogas que amigos lhe ofereciam quando em liberdade, era sustentada pela mãe em situação miserável. Não tem qualificação profissional. Sente-se abandonada pela família desde que foi transferida para Santarém e depois para Ananindeua. Justifica que sua mãe não tem condições de lhe assistir.
Diz que, por estar revoltada e nada mais ter a temer ou a perder na vida por tudo o que já passou dentro e fora do cárcere, que premeditou o ataque para, fazendo a funcionária refém, ser porta-voz das reclamações de suas colegas.
Por fim, LILIANE reclamou que apanhou muito dos funcionários, após já ter sido dominada e que sentia fortes dores no corpo e na perna direita, achando que estava quebrada. Não vi lesões aparentes, mas observei que a interna não conseguia ficar de pé.
Buscando verificar quais outras presas reclamavam de lesões, pude identificar duas delas, como sendo ELISÂNGELA RIBEIRO DUARTE, com ferimento em forma de brecha sangrando na cabeça e MARILENE CRUZ, com ferimento tipo queimadura na perna esquerda. Uma outra interna mostrava sua perna ferida, mas não me deu o nome. Todas reclamando de maus tratos, antes e depois da rebelião.
De um modo geral as presa reclamam de:
- Comida repetitiva e sem sabor agradável;
- Falta de atendimento médico;
- Falta de remédios na enfermaria;
- Mistura de presas;
- Falta de oportunidade de trabalho para remir a pena;
- Morosidade processual (demora na apreciação dos pedidos de liberdade e quando negados, na prolatação de sentença, progressões não concedidas, sentenças vencidas).
Reclamam muito, também, de maus tratos principalmente por parte da servidora CÂNDIDA que quando está de plantão, segundo elas: “toca o terror na cadeia”, humilha as presas e suas visitas, viola a intimidade das internas, não as deixa dormir, “quer ver o sangue para fornecer absolvente” confirmou várias etc.
Dizem que essa rebelião vem desde sábado, no plantão de CÂNDIDA, quando esta submeteu uma visitante , mãe de uma interna, à revista vexatória.
Observando as instalações físicas do CRF, a exceção do novo Espaço Primavera, constatei que é uma cadeia com estrutura improvisada, sem condições de propiciar trabalho seguro de seus servidores e abrigo digno de pessoas presas.
O CRF mantém cerca de 600 (seiscentas) presas, a maioria delas provisórias e com processos demasiadamente retardados no Poder Judiciário.
Percebemos que, devido sua estrutura e esse contingente populacional, o centro não possui condições de dar o correto cumprimento ao que preceitua a Lei de Execuções Penais a respeito da classificação de presas, seja por faixa etária, infração penal, primariedade, regime fechado, semiaberto ou aberto, configurando um verdadeiro abuso estatal o descumprimento das normas em vigor sobre o trato de pessoas presas, e com isso em vez de tentar regenerá-las, forma na verdade uma legião de revoltadas, o que em nada contribui para o almejado Estado Democrático de Direito.
Ao me despedir das internas, ouvi pedidos para que voltássemos ao CRF, o mais breve possível, pois sempre que elas faziam reclamações, acabavam sofrendo retaliações, abusos e até espancamentos, com técnicas para não deixar marcas (tapas na lateral da cabeça por cima dos cabelos na região dos ouvidos). E depois são isoladas (como medida disciplinar) às celas do contêiner, sem luz solar, energia elétrica, água, comida. E, por falta de higiene, o local é infestado de ratos e insetos, e ali não é permitido ninguém entrar, nem mesmo órgãos de defesa dos Direitos Humanos.
Diante do apelo, me comprometi de que a OAB, certamente, voltaria àquela penitenciária, para dar continuidade à sua missão institucional, em particular, ao bom funcionamento do Sistema Prisional do Estado, igualmente como atuamos na desativação das famosas celas tipo contêiner.
Ao deixar a casa, por volta das 17h00, agradeci à diretora do CRF e ao superintende do SUSIPE pela cordialidade dispensada à OAB.
Lá fora, dezenas de familiares aguardavam aflitos por notícias da situação. Os reuni e expliquei que tudo estava contornado, que não havia mortos, apenas três internas com ferimentos leves por balas de borracha.
Aos órgãos de imprensa, que ali fora aguardavam notícias por terem sido impedidos de entrar, atendi solicitação de entrevista coletiva, na qual fiz sucinto relatório sobre a rebelião e teci minhas considerações sobre a necessidade do Estado acompanhar o crescimento da população carcerária, deixar de improvisar vagas no Sistema Prisional e investir em cadeias que realmente respeitem as normas vigentes sobre a execução penal e os direitos constitucionais das pessoas encarceradas.
Na oportunidade, como exemplo, de que essa deficiência no CRF já se arrasta por muito tempo, junto petições com pedidos de providências, de casos em que atuei.
SALA PARA ADVOGADOS.
Não poderia deixar de registrar que não há sala, parlatório ou qualquer outra instalação destinada ao trabalho dos advogados naquele presídio. Há muito tempo os colegas advogados para falar com presas têm que se sujeitar a fazê-lo em pé, pelos corredores ou na portaria na frente dos funcionários sem qualquer privacidade, e com presas algemadas.
Para resolver essa situação, lembro que recentemente foi firmada parceria com a direção da casa, que se comprometeu em ceder uma sala e a OAB em terminar de reformá-la (pintura e forro) e equipá-la com o mobiliário necessário ao seu regular funcionamento.
SUGESTÃO.
Ante o exposto, sugiro que V. Exa. determine que uma comissão mista de PRERROGATIVAS, DIREITOS HUMANOS e DO SISTEMA PENINTECIÁRIO da Ordem, visite o CRF o mais breve possível para dar andamento ao trabalho que a OAB já desenvolve nesse campo, vistoriando as instalações, principalmente celas de castigo/isolamento que a casa indicar, mas estendendo a vistoria até os antigos contêiner, para atualizando dados, promover estudos e sugerir as providências necessárias para que se evite a violação de Direitos Humanos e consequentemente novas rebeliões, que põem em risco a vida de agentes prisionais, presas, policiais e terceiros do entorno, já que a cadeia está edificada em área urbana cujos vizinhos ficam igualmente apavorados com esse e outros motins.
É o que tínhamos a relatar e sugerir.
Belém, 15 de junho de 2011.
Dorivaldo de Almeida Belém - OAB/PA 3.555"