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A aprovação em concurso público é o sonho de consumo de muitas pessoas que almejam estabilidade financeira e não estão dispostas a enfrentar a competitiva iniciativa privada. Uma decisão judicial lastreada na teoria do fato consumado vai animar os concurceiros que foram tomaram posse por força de decisões judiciais.
Em um certame para o cargo de Agente de Polícia Federal ocorrido em 26/03/2002, por força de uma decisão judicial em caráter liminar, o candidato foi nomeado e começou a trabalhar. Posteriormente, a liminar fora confirmada pela sentença proferida em 23/09/2003.
Passados oito anos, o candidato empossado já estava em pleno exercício do cargo e concluiu com sucesso todas as etapas do concurso, inclusive o curso de formação para o exercício da função para a qual fora aprovado, quando sobreveio decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região reformando integralmente a sentença, excluindo-o do concurso.
Para esse Tribunal, não existe direito à segunda chamada em concursos como o de preenchimento de cargos de agente de polícia federal, nos termos dos princípios constitucionais da igualdade, legalidade e impessoalidade. Ofenderia as normas do edital, a realização de prova de segunda chamada, pois assim haveria tratamento anti-isonômico e injusto, favorecendo apenas a determinado candidato em detrimento dos demais.
Inconformado, com arrimo no art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição Federal, ele interpôs recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça.
Argumentou que naquele caso concreto os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana, induzem à aplicação da teoria do fato consumado, para que não restasse violado o art. 2º da Lei n.º 9784/99, segundo o qual “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. Tal como o art. 462 do CPC: “Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”.
Sustentou ainda em seu favor, a existência de dissídio jurisprudencial com decisões do STJ que reconheceram a possibilidade de aplicação da teoria do fato consumado em concursos públicos.
Segundo Odim B. Ferreira, na obra Fato Consumado. História e Crítica de Uma Orientação da Jurisprudência Federal (Fabris, 2002), “O fato consumado constitui argumento judicial utilizado para validar, em sentenças, as atividades ilegais protegidas por liminares, tão-somente porque o beneficiário delas já praticou o ato que lhe interessava, quando chegado o momento de decidir a causa”. A doutrina predominante considera que o fato consumado, não deixa de ser o julgamento por fato novo superveniente.
No STJ o recurso foi julgado monocraticamente pelo ministro Humberto Martins, no REsp 1200904. Decidiu que a situação do recorrente estava consolidada na ocasião da prolação do acórdão recorrido.
Levou em consideração que a sentença foi proferida em 2003 e o recorrente tomou posse no cargo no ano de 2002. E quando ele realizou pela segunda vez as provas de capacidade física, sob o amparo da liminar, foi aprovado, demonstrando assim, a sua aptidão física para o desempenho do cargo público. Passou exitosamente por todas as subsequentes etapas do concurso, até ser nomeado e empossado no cargo. A situação dele, portanto, já estava consolidada.
Quando o TRF de origem deu provimento à apelação da União, em 14.9.2009, o recorrente estava no exercício do cargo há mais de sete anos. E depois de transcorrido tanto tempo, não teve como desconsiderar que a situação fática estava consolidada.
O Ministro pesou a força da tese, no STJ, segundo a qual a teoria do fato consumado não pode resguardar situações precárias, notadamente aquelas obtidas por força de liminar, em que o beneficiado sabe que, com o julgamento do mérito da demanda, o quadro fático pode se reverter.
Todavia, considerou que o caso concreto possui peculiaridades que afastam os precedentes da Corte Especial. A situação do recorrente, inicialmente precária em decorrência do provimento liminar que permitiu a realização da segunda chamada na prova de aptidão física, ganhou solidez após tantos anos no exercício do cargo público, com o respaldo do Poder Judiciário. Ademais, a teoria do fato consumado é aceita pelo STJ em situações excepcionais.
Por tais razões, com fundamento na teoria do fato consumado, deu provimento ao recurso especial, restabeleceu a sentença de primeiro grau e recolocou o candidato no cargo em que fora empossado.
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Denis Farias é advogado, pós-graduando em direito civil e processo civil pela Fundação Getúlio Vargas.
Blog: www.denisadvogado.blogspot.com