Home / Notícias

A singularidade do serviço do Advogado e a inexigibilidade de licitação - César Augusto Assad Filho

digitalizar0010Diz-se Singular o serviço prestado por Advogado porque não há padronização mediante formulas prontas e acabadas no desenvolvimento de seu mister, ao contrário, tem-se criação a cada instante atendendo a necessidade do trabalho especifico sob sua tutela. Da assertiva precedente, temos ainda que a privatividade do trabalho desenvolvido pelo Advogado é reservado ao profissional regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, mediante conclusão do ensino superior e prévia aprovação no chamado Exame de Ordem.

Não se concebe, portanto, que o serviço privativo do Advogado possa ser rebaixado ao plano do serviço factível por leigo ou em massa, pois a graduação universitária lhe conferiu um jeito próprio e particular de realizá-lo,  individualizado, pessoal e consciente do nível de personalismo que o nobre serviço que o Advogado exerce exige.

A isso se chama singularidade do serviço, aquele inimitável, dentro da concepção humana, por outro profissional, mesmo que tão habilitado quanto o autor.

A Lei nº. 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Públicos), em seu art. 25, inc. II, diz que:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no artigo 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação. (grifei)

As expressões em destaque, ainda que a primeira vista pareçam comuns e isentas de qualquer dificuldade semântica, merecem um cuidado interpretativo todo especial, pois que podem, muitas vezes, enganar e falsear toda a sua real significação, caso o interprete da regra não as integrar ao seu sentido mais essencial e compreensivo que a Lei quis atribuir-lhe.

Adverte-se com isso, que a frivolidade da primeira impressão ou a rapidez de uma leitura mais aligeirada, podem conduzir o operador do direito a concluir de modo equivocado. Por certo, há que se vislumbrar a teleologia da norma e não sua mera literalidade, sob pena de maltrato das expressões em analise.

Assim, é que em cada intervenção, quer seja num parecer sobre um edital de convite ou na apresentação de defesa na esfera judicial, reside toda uma visão mais prolongada a respeito do tema, em cada apreciação de projeto de lei, é dado enxergar com mais facilidade e desenvoltura determinado vicio que de longe poderá passar despercebido por quem não tenha familiaridade sobre a área especifica de atuação, no caso o direito administrativo que é afeto as administrações públicas.

Quando ausente essa visão mais refinada, poderá conduzir o administrador público a desastres cujo resultado com freqüência se revela trágico quando da apreciação das contas pelos Tribunais de Contas e nesse tardio momento, a autoridade que não pode contar com o profissional Advogado então verificará a importância e necessária participação do mesmo no desenvolvimento das atividades da administração.

Atribuir ao serviço prestado por Advogado como serviço corriqueiro, diminui a dignidade do prestador. A insultuosa pecha de trabalho rotineiro, fácil ou simples ofende o Advogado militante em determinada área especifica do direito, no caso, direito administrativo, em virtude do menosprezo a todo seu passado de trabalho, de estudo e de realizações, que é tão difícil de se obter.

O eminente publicista e hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Roberto Grau, sintetizou a idéia no sentido de que a singularidade esta no prestador do serviço e não no serviço que se lhe propõe: “Serviços singulares são os executados segundo características próprias do executor. Correta, portanto, a observação de que singulares são os serviços porque apenas podem ser prestados, de certa maneira e com determinado grau de confiabilidade, por um determinado profissional ou determinada empresa. Por isso mesmo é que a singularidade do serviço esta contida no bojo na notória especialização. Ser singular o serviço, isso não significa seja ele necessariamente o único. Outros podem realizá-lo, embora não possam realizá-lo do mesmo modo e com o mesmo estilo de um determinado profissional ou de uma determinada empresa. A escolha desse profissional ou dessa empresa, o qual ou a qual será contratada sem licitação – pois o caso é de inexigibilidade de licitação – incumbe à administração. (grifei)

Portanto, quem delibera, que determinado profissional ou determinada empresa singularizará o serviço, em ultima instancia pela segurança que inspira na Administração, é a própria Administração.” (extraído do artigo Inexigibilidade de Licitação – Serviços técnico-profissionais especializados – Notória especialização, in RDP, 99/70).

Na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, serviços singulares, de um modo geral:

“São todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente - por equipe -, sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade administrativa a ser suprida (2000, p. 470).”

Portanto, inexigível será a licitação quando singular for o serviço a ser contratado, quando essa singularidade seja relevante e quando o produto do trabalho do profissional não possa ser comparado com o produto de outro, de tal forma que se justifique a contratação direta pelo Poder Público.

Assim, a presença do elemento confiança justifica o fato de o Poder Público poder escolher, dentre os muitos profissionais devidamente gabaritados e competentes, aqueles que mais despertem sua confiança, isto é, aquele que tenha, aos olhos do Poder Público, maior compatibilidade com seus desideratos (FIGUEIREDO, 1994, p. 32). Ou seja, os atributos profissionais do contratado devem despertar no contratante a convicção de que o serviço deste será irrefutavelmente superior ao dos demais, em atendimento às necessidades da Administração e às exigências da situação concreta.

Também a confiança tem origem na discricionariedade de que dispõe o Poder Público ao tratar de questões da mais alta relevância jurídica ou política. Não se pode esperar que o administrador tenha objetividade total. Certamente, a escolha de certos profissionais em detrimento de outros levará em consideração a confiança e segurança de que a atividade será realizada a contento por aquele que se contrata.

O procedimento de Licitação não foi feito para padronizar exigências culturais, intelectuais, técnicas ou até mesmo cientificas mas para comparar propostas diferentes para trabalhos iguais. SE O TRABALHO DO ADVOGADO É INTELECTUAL E POR ISSO SINGULAR, ENTÃO DEVE A LICITAÇÃO SER INEXIGIVEL.

E mais, a realização de procedimento licitatório para contratação de Advogado, faria com que a disputa entre estes profissionais ocasionasse a mercantilização da profissão (grifei) o que é vedado pelo Código de Ética e Disciplina da OAB (art. 5º), que se considera como conduta incompatível com o exercício da Advocacia, nos termos do art. 34, inc. XXV, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo igualmente vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela (CED, art. 7º). Nesse sentido, a doutrina informa que a captação de clientela é a atitude do Advogado que oferece seus serviços como se fossem mercadoria. (Paulo Luiz Lobo Netto, in “Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB”), São Paulo: Saraiva, 2002, p. 190.

Administrativamente, os Tribunais de Contas, a começar pelo TCU, acatam e adotam o entendimento precedente.

Em face de todo o exposto é forçoso se concluir que o trabalho do Advogado é singular por ser dotado de intelectualidade, pela criação a cada instante, atendendo a necessidade do trabalho especifico sob sua batuta.

Se a lei reserva certos atos como privativos da profissão de Advogado, porque são todos de índole intelectual e dependem da especifica formação humanística do Advogado, então ninguém pode negar o caráter personalíssimo de sua execução, nem a singularidade de cada qual, tão logo praticado, e isto não depende nem de notoriedade nem de especialização.

Logo, se o trabalho do Advogado é intelectual e por isso singular, então deve a licitação ser inexigível.

É de péssima técnica jurídica, distinguir o serviço advocatício de pequeno volume ou de grande monta, aquele dotado de maior ou de menor complexidade formal, ou aquele que se realiza com maior freqüência nas necessidades diárias da profissão do que outro mais raro. Se todos são trabalhos que somente o Advogado pode realizar, então nada tem de comum, vulgar, corriqueiro ou mesmo trivial, porque não faz sentido a idéia de a lei reservar à categoria profissional a pratica de atos triviais ou corriqueiros.

_________________________________________________________________

César Augusto Assad Filho

Advogado – OAB/PA 10.672, Pós-Graduando em Direito Administrativo e Administração Pública

Anexos