Home / Notícias
Em recente decisão, proferida nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 509, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade do “Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo”, mais conhecido como "lista suja" do trabalho escravo.
Porém, você sabia que antes da ADPF 504, a constitucionalidade da “lista suja” já havia sido submetida à apreciação pelo STF anteriormente, em duas ocasiões?
A “lista suja” consiste em um cadastro que existe desde o ano de 2004, criado no âmbito do extinto Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, em que são listadas as empresas e empregadores que forem flagradospor ações de fiscalização do trabalho, submetendo seus trabalhadores a condições de trabalho análogas às de escravo.
Criada por meio da Portaria nº 540, a “lista suja” se tornou uma importante política pública voltada a dar visibilidade às situações de trabalho análogo ao de escravo, possibilitando à sociedade ter conhecimento acerca das empresas e empregadores que tenham se utilizado da exploração do trabalho de pessoas em condições análogas às de escravo.
Mais do que conferir visibilidade ao problema do trabalho escravo contemporâneo, a “lista suja” permite que consumidores, bancos, investidores e a sociedade em geral tenham o conhecimento de que uma determinada empresa ou pessoa física se utiliza de práticas ilegais diretamente ou em sua cadeia produtiva, o que pode influenciar diretamente na decisão de consumir ou não o produto ou serviço oferecido, bancos de liberarem capitais de giros, financiamentos, empréstimos, entre outros a essas pessoas físicas ou jurídicas constantes na lista.
A despeito de sua importância, o cadastro foi alvo de ações, em que se questionava a sua constitucionalidade, desde o ano de sua criação. Logo em 2004, foi proposta contra a “lista suja” a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3347, ajuizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil contra a Portaria nº540/2004.
A ADI nº 3347 tramitou durante quase 8 (oito) anos. Todavia, não chegou a ter seu mérito analisado, pois, em 2011, a Portaria 540 foi revogada pela Portaria Interministerial MTE/SDH nº 2/2011. Tal revogação gerou a perda superveniente do objeto da ação, visto que a normativa questionada deixou de vigorar.
A Portaria Interministerial MTE/SDH nº 2/2011, não só promoveu a revogação da Portaria 540/2004/MTE, como também atualizou as disposições referentes ao cadastro, e regulamentou outros aspectos da Lista Suja, descrevendo regras sobre a inclusão e a exclusão dos infratores.
Já ano de 2014, a "lista suja" teria sua constitucionalidade questionada novamente, nos autos da ADI nº 5209. Ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), a ação questionou a constitucionalidade da Portaria Interministerial MTE/SDH nº 2/2011, com base no argumento de que a divulgação do cadastro de empregadores afrontava os princípios do devido processo legal, da separação dos poderes, da reserva legal e da presunção de inocência. Sustentava-se ainda a inexistência de lei em sentido formal que fundamentasse o cadastro.
Durante a tramitação da ADI nº 5209, a lista suja chegou a ter sua divulgação suspensa por força de liminar concedida através de decisão monocrática proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski.
Esta ação também não chegaria a ter seu mérito apreciado, pois em 2015 foi publicada a Portaria Interministerial MTE/SDH nº 2, a qual revogou norma a anterior e alterou o fundamento jurídico da "Lista suja". Assim, o cadastro passou a ter como base normativa: a Lei de acesso à informação (Lei 12.527/2011); as Convenções 29 e 105 da OIT; a Convenção Sobre a Escravatura de Genebra; e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Esta mudança no fundamento legal, acabou por sanar a ausência de fundamento legal.
Ante a revogação da Portaria Interministerial MTE/SDH nº 2/2011, que era a norma questionada nos autos da ADI nº 5209, a ação perdeu seu objeto, tendo sido extinta, sem que houvesse apreciação do mérito, tal qual ocorrera com a ADI nº 3347.
Após a extinção da ADI nº 5209, a em 2018, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC ingressou novamente em juízo, para questionar a constitucionalidade da "lista suja".
Através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 509, a ABRAINC alegou a incompatibilidade do cadastro, agora regulamentado pela Portaria Interministerial MTE/MMIRDH nº 4, de 11 de maio de 2016, utilizando-se de argumentação similar à que já havia sido utilizada nos autos da ADI nº 5209.
Somente nos autos da ADPF nº 509, é que o STF apreciou efetivamente o mérito em debate. Ao julgar improcedente a ação, o relator da ação, Ministro Marco Aurélio, destacou que o cadastro não impõe sanção aos infratores, mas tão somente dá publicidade aos resultados das fiscalizações. Ou seja, viabiliza a transparência das informações em prol do interesse público e do acesso à informação.
Conforme se pode observar, a despeito de sua importância, e de somente promover a publicidade acerca dos infratores, a “lista suja” sempre foi objeto de questionamento por parte de associações de empresas: primeiramente, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil e posteriormente, da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias.
Ou seja, a decisão proferida pelo STF no último dia 15 de setembro de 2020, encerra uma discussão iniciada desde a criação do cadastro, o que pode ser visto como uma vitória em defesa dos trabalhadores.
A declaração de constitucionalidade permitirá que a "lista suja" persista dando publicidade e visibilidade acerca do problema do trabalho escravo, e auxiliando no enfrentamento ao problema.
Robson Heleno
Diretor Geral da COTRAF OAB-PA