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A ética é a matriz do exercício da advocacia. Na condição essencial à administração da justiça, o advogado deve manter sua conduta profissional sempre norteada pelos fundamentos éticos estabelecidos na Lei 8.906/94. Não se trata apenas da dignidade exigida pela classe, mas, principalmente, de garantir dignidade no tratamento do constituinte, da sociedade.
Indubitavelmente, qualquer transgressão aos preceitos estabelecidos pelo Estatuto da Advocacia e pelo Código de Ética é passível e merecedores das punições prescritas, no rigor e no limite da lei. Contudo, o processo ético disciplinar perante à Ordem dos Advogados do Brasil, não pode jamais se afastar de um ordenamento jurídico que tem suas regras sistematizadas, conglobadas, sobretudo quando a própria legislação determina expressamente que o processo disciplinar deva atender à norma processual penal, quando omisso for o Estatuto.
Em se tratando de processo ético disciplinar, o qual abriga uma pretensão punitiva, em âmbito administrativo, o próprio Estatuto da Advocacia e da OAB, em seu artigo 68, foi claro e expresso ao estabelecer que as normas processuais penais são aplicadas de forma subsidiária, ou seja, na falta de norma específica do próprio Estatuto, aplica-se o Código de Processo Penal, o que, diga-se de passagem, trata-se de uma subsidiariedade muito vasta, haja visto a Lei 8.906/94 adentrar muito pouco nas normas processuais para seu processo disciplinar.
Desse modo, temos que toda representação, que aponte um suposto cometimento de infração disciplinar, deve obedecer estritamente às normas referentes a seu equivalente no processo penal, que é o oferecimento de denúncia ou queixa-crime, que são os instrumentos jurídicos que representam a imputação e rompem com a inércia judiciária. Da mesma forma, a representação contra Advogado tem que obedecer aos critérios de validade e estão sujeitos às condições estabelecidas pelo artigo 41, 395 e 397 do Código de Processo Penal.
Estabelece o artigo 41 do Código de Processo Penal que a denúncia ou queixa deve conter a exposição do fato criminoso, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Trata-se de um silogismo, um instrumento de lógica, onde se descreve um fato aparentemente criminoso e ao final é necessário se dizer qual crime tal fato representa – imputação – a materialização da adequação típica feita pelo acusador.
Não há que se falar em formalismo despretensioso, mas de uma plena garantia de direito fundamental, qual seja a ampla defesa. A Constituição da República estabeleceu em seu artigo 5º, inciso LV o direito fundamental à ampla defesa, aos litigantes em processo judicial ou administrativo, aos acusados em geral, como forma de conter os abusos marcados na história brasileira com os regimes ditatoriais.
De toda sorte, para que se garanta direito de defesa é preciso que o acusado tenha conhecimento das acusações que lhe são impostas. É um pressuposto lógico constitucional. Para que se possa exercer qualquer direito é primordial que se tenha conhecimento do mesmo e que se deem condições para tanto. Em contraposição a um processo Kafkaniano, não se permite mais, no ordenamento jurídico brasileiro processos obscuros, onde o acusado não sabe contra o que se defender.
O direito de defesa é o direito de resistir a uma acusação. Porém, para se exercer esse direito é necessário se ter conhecimento de todo o conteúdo acusatório, sua limitação, o modo como está sendo exercido e como se chegou até tal acusação. Não há como se defender de uma acusação vaga, imprecisa, onde não se sabe contra o que resistir e ao mesmo tempo produzir prova em contrário.
Acusações como esta são típicas de um Estado autoritário, ditatorial, um modelo estatal que não é mais compatível com o Estado Democrático de Direito, estabelecido por nossa Constituição da República de 1988. A garantia de um devido processo legal, ampla defesa e contraditório, são corolários do Estado Democrático e em processo algum se pode admitir qualquer tentativa de se formular acusação vaga, imprecisa, com a qual não se possa delimitar seu conteúdo nem opor um a resistência a sua capitulação jurídica, pois o acusado não se defende apenas dos fatos suscitados, mas, principalmente da capitulação jurídica que é dada a tal exposição fática.
É por esta razão que o artigo 41 do Código de Processo Penal traz a estrutura silogística da peça acusatória, onde não é suficiente a mera descrição fática. Ao se formular uma peça acusatória, aquele que acusa precisa, em seu pedido, estabelecer os limites de sua acusação, dando uma classificação jurídica para o fato. Em processo penal isso ocorre quando o acusador pede o processamento e a condenação do réu por um crime qualquer, tipificado, capitulado, imputado claramente em sua causa de pedir ao juiz, ou seja, é extremamente necessário que se diga qual o crime que se está imputando ao réu.
No processo ético disciplinar, na OAB, não é diferente, já que segue as mesmas regras do processo penal. Não basta o Representante fazer uma descrição fática. Precisa finalizar seu silogismo dizendo expressamente qual foi a infração disciplinar cometida pelo Representado.
Toda e qualquer representação que não obedeça a esta formatação é inepta, sem condições de ser admitida, pois impede que o direito de defesa seja exercido de forma plena, não resistindo ao filtro do artigo 41 do Código de Processo Penal.
Outra limitação que se impõe a representações contra advogado é a justa causa. É preciso que a peça acusatória seja instruída com um conjunto probatório mínimo e digno de se dar atenção, uma vez que não juntada provas suficientes das ações supostamente praticadas pelo advogado, carecerá de justa causa a representação, assim como padece de justa causa a ação penal sem elementos de prova que amparem a denúncia ou queixa
Nesta hipótese também insurgem as diretrizes do Processo Penal, uma vez que toda denúncia ou queixa-crime deve ser instruída com um conjunto de elementos mínimos para atestar ao menos indícios de que possa ter realmente havido um fato criminoso. Denúncia ou queixa-crime por si só não tem o condão de se transformar em processo, razão pela qual se levanta a necessidade de justa causa para o recebimento das mesmas.
Acusações desprovidas de prova só conseguem causar o transtorno à parte contrária de ter que responder a um processo, seja ele ético disciplinar ou ação penal. Assim, é necessário se ter muita atenção a qualquer tipo de imputação pois assim como o réu, o advogado não pode ficar sujeito à coerção processual sem a justa causa. Os fundamentos para tal se encontram previstos pelo artigo 395, inciso III, pelo que se cumula com os já referidos artigos 68 e 73, §2º da Lei 8.906/94.
A própria jurisprudência em processo ético disciplinar já firmou entendimento neste sentido. O Conselho Federal da OAB decidiu:
RECURSO 2008.08.04025-05/SCA-TTU. Recte.: C.A.M.C. (Adv.: Luiz Augusto Coutinho OAB/BA 14129). Recdos.: Conselho Seccional da OAB/Bahia e Ana Maria de Santana. Relator: Conselheiro Federal Ulisses César Martins de Sousa (MA). EMENTA 283/2011/SCA-TTU. A ausência de qualquer subsidio probatório sobre a existência de infração disciplinar impede que submeta advogado a processo disciplinar, por falta de justa causa. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Terceira Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por unanimidade, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que integra o presente. Brasília, 14 de junho de 2011. Renato da Costa Figueira, Presidente em exercício. Ulisses César Martins de Sousa, Relator. (DOU, S. 1, 21/12/2011 p. 135)
Conclui-se, portanto, que o processo ético disciplinar está umbilicalmente ligado ao processo penal, face ao caráter punitivo de ambos, pelo que as normas oriundas deste devem ser aplicadas perante aquele, como garantia da materialização de um estado democrático de direito.
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Antonio Reis Graim Neto – Advogado